
Newton Cardoso, ex-governador de Minas Gerais entre amigos - créditos: divulgação
09-02-2025 às 07h17
Caio Brandão (*)
No começo era apenas ponto de encontro para entretenimento, porque Alberto estava mais para o meio-campo do que para o centroavante. Elegante no comportar e comedido no falar, em que pese o trajar sempre despojado,
Alberto gostava de privar de ambientes descontraídos, em meio a mulheres bonitas e, se possível, bem comportadas. E, assim, nasceu o lugar, sob a batuta de Luzia, balzaquiana de larga tradição no métier. Era um ponto aprazível e ancorado em bom uísque, boa música e na presença de poucas e diligentes entretecedoras, umas quatro, presumo.
O lugar era discreto e ainda mais discretos os frequentadores, que ali tratavam de ativos especulativos e de outras vertentes do mundo das coisas e das gentes.
A interlocução começava formal, com música de fundo, geralmente “Respect”, de Aretha Franklin, ou a inocência inspiradora da “The Blue Danube, de Johann Srauss II, mas a temperatura subia rapidamente, enlevada pelo teor etílico, sempre generoso e de poucos escrúpulos.
Luzia era a anfitriã perfeita, mulher educada, que sabia reger os convidados, controlando o ritmo e dando tom às notas agudas, particularmente aquelas semelhantes às altas da flauta e do seu parente próximo, o piccolo, também conhecido como flautim. Os convidados se exibiam com o saxofone, em meio a caras e bocas, mas Luzia amansava os clarinetes, com gentileza e perspicácia.
E assim caminhava, recatado e discreto, o recôndito de diversão e entretenimento, com as suas poucas, proficientes e talentosas devotas, que transitavam com fluidez no cenário engenhoso e dotado de nuances em perspectivas múltiplas e de temerárias repercussões.
A discrição, o recato e o pudor convenientes, foram logo substituídos por audácia e transparência voluptuosa, mercê da logorreia excessiva de uns, e a incontinência boquirrota de outros.
À pequena e reservada congregação, foram somando-se noviças de vários matizes, inclusive importadas, às dezenas, que deram ao lugar fama e prestígio, como retiro de inauditas e inesquecíveis experiências de exultação e êxtase.
Alberto, que há muito havia perdido o controle do lugar, apesar de contribuir para a sua manutenção, deixou a chalana seguir curso nas águas do remanso preguiçoso da lagoa parida por Juscelino e que tanto encantou Oscar Niemayer.
Numa sexta-feira, às quatro da madrugada, o meu telefone tocou. Era o Alberto. Nervoso, articulava frases mal construídas, mas conclusivas quanto ao “deu merda, meu amigo”.
“Me tira dessa”, concluiu, após breve relato sobre a presença da polícia no recanto, prisões e algumas bizarrices.
Na manhã seguinte, logo cedo, acordei o Secretário da Segurança Pública, o notável advogado criminalista Sidney Safe da Silveira que, inclusive, se trajava de maneira impecável.
Velho e querido amigo, probo, mas que sabia fazer concessões de baixo impacto para aliviar tensões e acomodar crises. Relatei o ocorrido, mediante flagrante conduzido por dois delegados de polícia e o risco da repercussão do caso e o aparecimento do nome do Alberto como criador e comensal “quotidien” daquela casa de alta gastronomia.
Sydnei riu e de bate-pronto marcou a nossa audiência com o Governador, para abafar o caso. Pediu-me fortes argumentos de convencimento para dobrar o Newton, esperto, como ninguém, que certamente não gostaria de se meter em bola dividida, principalmente daquele naipe. Para mim não era problema criar argumento sólido e poderoso.
Pedi à maestrina Luzia, que conduzia os trabalhos, que fizesse de próprio punho breve exposição do ocorrido, e listasse o nome de três dezenas de frequentadores do lugar, começando pelo nome do Governador e, em segundo, o nome do notável e de indiscutível integridade moral, o ex-ministro da Justiça, Oscar Dias Corrêa.
A inclusão do nome do ministro, mentira inventada por mim, obviamente, foi no sentido de causar o maior impacto possível no governador que, aliás, estaria mais preocupado com a presença do ex-udenista, do que com a sua própria. E, não deu outra.
Sentados defronte ao governador, o Secretário e eu, Newton ouviu atentamente o relato minucioso e formal do Sidney Safe, além dos meus adendos, todos sinistros, com alegações de escândalo, imprensa maldita, adversários poderosos e outras maledicências, e concluiu:
“Pô, querem me sacanear!!! Só fui lá uma vez e não comi ninguém!!! E o velho Oscar, coitado, vai enfartar no bordel!!! Secretário, promova os delegados e reabra o puteiro!!!
(*) Caio Brandão é jornalista
A opinião de nossos colunistas, cronista e comentaristas não expressa, necessariamente, a opinião do jornal Diário de Minas.