
Novas tecnologias sustentáveis poderão substituir combustível aeronáutico - créditos: divulgação
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08-06-2025 às 09h19
Redação Técnica: Eng. Sebastião Martins ao Diário de Minas Rumo a COOP30
Em um cenário global de urgência climática e busca por soluções energéticas sustentáveis, o Brasil se encontra em uma encruzilhada: possui uma abundância de resíduos sólidos urbanos (RSU) e um mercado de aviação sedento por descarbonização, mas trava projetos inovadores por questões tributárias e falhas na análise de riscos. É o caso emblemático da produção de SAF (Sustainable Aviation Fuel) a partir de RSU.
1) A lição não aprendida com o fracasso da Fulcrum
O projeto da empresa norte-americana Fulcrum BioEnergy, que utilizava a gaseificação/pirólise de resíduos sólidos urbanos (RSU) combinada ao processo Fischer-Tropsch para produzir SAF (combustível sustentável de aviação) foi inicialmente apresentado como uma revolução no setor. No entanto, o empreendimento terminou de forma frustrante.
As causas do fracasso foram diversas, incluindo falhas de engenharia, problemas operacionais recorrentes e projeções de receita superestimadas. A DBEST PLAN, referência nacional em estudos de viabilidade econômica e análise de risco para projetos de energia limpa, destaca que, caso a Simulação de Monte Carlo tivesse sido aplicada, como é prática comum em seus estudos, os riscos e inconsistências do projeto poderiam ter sido identificados previamente, possibilitando ações mitigadoras eficazes.
Um dos principais fatores que contribuíram para a falência do projeto foi:
- A retirada de incentivos fiscais inicialmente considerados no modelo financeiro;
- Mudanças nas políticas regulatórias dos EUA, que reduziram o apoio a projetos baseados em RSU.
Essas condições, no entanto, não devem repetir-se no Brasil, especialmente por se tratar de um projeto inovador e estratégico, ainda sujeito a diversos riscos, como o da produtividade (estimada aqui em 153 litros de SAF por tonelada de RSU). Portanto, é essencial a utilização de ferramentas robustas de modelagem de risco, como a Simulação de Monte Carlo, para garantir a viabilidade e a segurança do investimento.
“A Simulação de Monte Carlo permite avaliar milhares de cenários de incerteza, oferecendo uma visão realista do comportamento financeiro de um projeto. A Fulcrum negligenciou essa análise crítica, e o resultado foi o colapso”, afirma o Eng. Sebastião Martins, da DBEST PLAN.
2) Brasil vs. Paraguai: a guerra tributária na energia limpa
No estudo da DBEST PLAN para uma planta de SAF de 500 toneladas/dia de RSU, a discrepância entre os resultados no Brasil e no Paraguai salta aos olhos. Com um CAPEX de R$ 495 milhões, a TIR anual projetada é de 34,23% no Brasil, enquanto no Paraguai atinge 50,33%, com payback reduzido de 4,88 para 3,75 anos.
A razão? O peso da carga tributária brasileira. A ausência de isenções de ICMS, PIS, COFINS e a exigência de ISS pleno tornam o projeto até 30% menos lucrativo no Brasil. “É desestimulante. Perdemos competitividade em um setor estratégico para a transição energética”, alerta Martins.
3) A importância crítica da Simulação de Monte Carlo
No Brasil, os projetos de SAF a partir de RSU enfrentam incertezas múltiplas: preços de SAF e óleo bruto, produtividade da planta, variação do CAPEX e custos operacionais. A DBEST PLAN utiliza a Simulação de Monte Carlo para modelar essas incertezas com precisão.
Essa técnica permite identificar que a produtividade do SAF (153 litros/ton) e seu preço de venda (R$ 10/litro) são as variáveis mais críticas, com impacto direto na TIR. Em cenário de queda de até 64,7% nos preços, a TIR ainda se manteria em 17,5%, superando a Taxa Mínima de Atratividade (TMA) de 17%.
4) Benefícios ambientais e logísticos da produção regional de SAF
A produção regional de SAF junto aos principais aeroportos do Brasil elimina a necessidade de transporte rodoviário de longas distâncias, reduzindo custos e emissões de CO₂. Além disso, ao utilizar RSU como insumo, evita-se o descarte em aterros sanitários, contribuindo para a mitigação de riscos ambientais, como chorume e metano.
“É uma solução de economia circular, com ganhos ambientais, econômicos e sociais. E ainda alivia os aterros urbanos, que estão no limite de sua capacidade”, destaca Sebastião Martins.
5) O potencial nacional: 56.000 toneladas/dia de RSU próximo a aeroportos
Considerando que o Brasil gera cerca de 56 mil toneladas/dia de RSU em regiões próximas aos principais aeroportos, o potencial de replicação do projeto é imenso. Mantendo a produtividade média de 153 litros/tonelada, poder-se-iam produzir 8,568 milhões de litros de SAF por dia — o equivalente a abastecer milhares de voos diários.
Assumindo o mesmo CAPEX por planta (R$ 495 milhões/500 ton/dia), o investimento necessário seria da ordem de R$ 55,44 bilhões, distribuídos em cerca de 112 plantas. O impacto seria expressivo:
- Desvio de RSU dos aterros: redução drástica na pressão ambiental urbana;
- Geração de empregos: centenas por unidade, entre diretos e indiretos;
- Expansão do parque fabril nacional: inovação, tecnologia e industrialização;
- Aumento da arrecadação tributária municipal: mesmo com isenção federal, os tributos locais permanecem;
- Descarbonização do setor aéreo: atendendo às metas do CORSIA e à Lei do Combustível do Futuro (Lei 14.993/2024).
6) A urgência de ação dos entes federativos
Perante o exposto neste artigo, resulta ser de suma importância para a expansão do parque fabril nacional e obtenção de outros benefícios socioambientais e econômicos, que os entes federativos — principalmente o governo federal — atuem positivamente na regulamentação da produção de SAF e concedam isenções/incentivos fiscais. Tal ação se alinha não apenas com as diretrizes da descarbonização e da segurança energética nacional, como também contribuirá para o correto destino dos RSU e para o desenvolvimento industrial do país, à semelhança dos incentivos já concedidos ao setor de energia solar e eólica.
7) Recomendação ao Governo Federal
Considerando que a produção de SAF a partir de RSU é um empreendimento de CAPEX elevado, caráter inovador e risco financeiro significativo, e tendo em vista a experiência internacional frustrada da Fulcrum BioEnergy — cujos erros poderiam ter sido evitados com uma análise adequada de riscos como a Simulação de Monte Carlo — torna-se imperativo que o Brasil aprenda com esses precedentes e estabeleça uma estrutura normativa e tributária sólida, estável e de longo prazo.
- Estabilidade Jurídica e Fiscal por um Período de ao Menos 10 Anos
Recomenda-se a criação de regulamentações específicas e incentivos fiscais robustos (isenções de ICMS, PIS, COFINS e redução de ISS), com vigência mínima de 10 anos, renováveis, a fim de garantir:
- Segurança jurídica e previsibilidade para atrair investidores;
- Redução dos riscos percebidos por financiadores nacionais e internacionais;
- Rentabilidade satisfatória e sustentável para os empreendimentos;
- Evitar fuga de investimentos para países com menor carga tributária, como o Paraguai.
- Inclusão nos Programas Estruturantes Federais
Dada sua importância estratégica para a transição energética, segurança ambiental, soberania tecnológica e desenvolvimento industrial, os projetos de produção de SAF a partir de RSU devem ser formalmente incluídos:
- No PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), como obras de infraestrutura industrial e ambiental;
- No PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), com prioridade para concessões e parcerias com o setor
- privado.

- Participação de Entes Estratégicos
A execução desses projetos deve ocorrer com a participação ativa de investidores privados, em conjunto com empresas estratégicas nacionais como Petrobras e Embraer, garantindo:
- Transferência tecnológica e expertise industrial;
- Sinergia entre a cadeia produtiva do SAF e o setor aeronáutico nacional;
- Integração com as metas da Lei do Combustível do Futuro (Lei 14.993/2024).
- Obrigatoriedade da Simulação de Monte Carlo
Para mitigar riscos técnicos e econômicos, deve-se tornar obrigatória a aplicação da Simulação de Monte Carlo em todos os estudos de viabilidade de projetos de energia limpa com financiamento público ou participação governamental.
8) Conclusão
O Brasil tem em mãos uma oportunidade única de liderar globalmente na produção de SAF a partir de RSU. No entanto, para que isso aconteça, será necessário:
- Adotar obrigatoriamente a Simulação de Monte Carlo em todos os projetos de energia limpa;
- Reduzir a carga tributária que inviabiliza, economicamente, empreendimentos sustentáveis de SAF;
- Estimular a interiorização da produção de SAF, em sinergia com aeroportos regionais;
- Inserir o modelo no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), PPI (Programas Privados de Investimentos) e nos programas de incentivo à descarbonização da aviação civil.
Como alerta a DBEST PLAN: não podemos perder mais oportunidades por falta de análise técnica e sensibilidade fiscal.
