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08-08-2025 às 09h05
Lorena Trindade*
Em um contexto global cada vez mais desafiador, a atuação em operações de paz das Nações Unidas exige preparo técnico, sensibilidade cultural e, sobretudo, diversidade de perfis profissionais. Neste artigo, compartilho minha experiência como a primeira Cientista do Estado capacitada para atuar em missões de paz da ONU, por meio do curso de Operações de Paz para Mulheres, promovido pelo Centro de Operações de Paz de Caráter Naval (COpPazNav) e pelo Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB). Meu nome é Lorena Trindade Santos, sou bacharela em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Desde o início da minha trajetória acadêmica, venho me dedicando ao estudo interdisciplinar das políticas públicas, relações internacionais, segurança e justiça.
Sou pesquisadora e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (EGN), e Programa em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra (ESG). Essas experiências somam-se ao marco simbólico e concreto de ser a primeira Cientista do Estado a integrar um programa brasileiro de capacitação para operações de paz da ONU.
Durante duas semanas de imersão, tive a oportunidade de aprender com especialistas e profissionais experientes sobre os papéis fundamentais dos três componentes das operações de paz: o militar, o policial e o civil. Com milhares de pessoas envolvidas, de diferentes nacionalidades, culturas e formações, as operações da ONU exigem compreensão profunda sobre diversidade e diferenciação entre as missões.
Essas diferenças nos contextos geográficos, no número de tropas e nos objetivos das missões, incluiu estudos de caso, simulações e debates sobre resolução de conflitos, processos de DDR (Desarmamento, Desmobilização e Reintegração), além do entendimento das regras de engajamento e dos princípios de neutralidade, imparcialidade e legalidade que norteiam a atuação da ONU.
Durante o curso, uma das questões centrais debatidas foi a baixa representatividade brasileira em cargos de liderança na ONU. Como apresentado pelo General de Brigada Vaz, o Departamento de Operações de Paz (DPO) é comandado por estruturas hierárquicas o Brasil possui presença ainda limitada: apenas dois representantes em cargos mais altos e três no segundo escalão
A fala da especialista Eduarda Hamann também destacou os conflitos armados contemporâneos e os desafios pós-conflito, revelando a complexidade das guerras intraestatais, urbanas, com múltiplos atores e implicações transnacionais. Isso reforça a importância da presença civil nas missões de paz: são os civis e não apenas os militares que estão preparados para tratar das causas políticas, socioeconômicas e estruturais dos conflitos.
Outro eixo fundamental da formação foi o aprofundamento em negociação, mediação e direitos humanos, conduzido pelo especialista Conor Foley. Discutimos os direitos das populações locais, o combate à violência sexual em conflitos e o papel da polícia da ONU, muitas vezes substituindo forças locais que se ausentam em momentos de crise.
As operações da ONU são complexas também do ponto de vista organizacional. A missão é autorizada pelo Conselho de Segurança, mas envolve dezenas de agências, como observado na estrutura do Comitê Executivo da ONU (CEB), composto por 31 integrantes. A falta de diversidade racial e de gênero também foi evidenciada: entre 1993 e 2025, apenas uma pessoa negra ocupou cargo de alto escalão e apenas uma brasileira foi incluída na Assembleia Geral. Ainda que as mulheres sejam maioria nas populações afetadas por conflitos, sua representação nas negociações e na tomada de decisão ainda é mínima.
Participar do ECCOP 2025 me proporcionou um olhar mais amplo e profundo sobre os desafios globais da paz e da segurança. O curso reforçou a centralidade do papel civil, da diversidade e da formação continuada. Como Cientista do Estado, acredito que esse tipo de capacitação deve ser incentivado e replicado, para que mais brasileiras especialmente mulheres negras e periféricas estejam presentes nas esferas internacionais de decisão.
A missão de paz é coletiva, e a pluralidade de vozes é essencial para sua efetividade.
*Lorena Trindade é bacharela em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).