
Créditos: Divulgação
15-09-2025 às 15h35
Marcos de Noronha*
Venho participando de congressos científicos desde antes de me formar em Medicina. Após especializar-me em etnopsiquiatria na França, tornei essa participação sistemática e comecei a publicar em periódicos como a Revista da Associação Brasileira de Psiquiatria e o Jornal Brasileiro de Psiquiatria (Instituto de Psiquiatria – UFRJ), este com mais de 70 anos de história. Uma avaliação bibliométrica me reconhece como um dos pioneiros em etnopsiquiatria e psiquiatria social nestas revistas.
Neste mês, a jornada científica e cultural aponta para o Oriente: participarei da 7ª Conferência Mundial de Psiquiatria Cultural (WACP), em Tóquio, de 25 a 28 de setembro. No congresso anterior, realizado em Roterdã, constatei—durante um workshop que conduzi—não apenas a ausência de delegados chineses por restrições pandêmicas, mas também a apreensão dos europeus frente ao risco de falta de gás, motivado pelo conflito entre Rússia e Ucrânia.
Em meus programas no canal @TerapiaSocial (YouTube), sempre destaco a Associação Mundial de Psiquiatria Cultural, da qual sou fundador, junto à seção brasileira homônima. Nosso objetivo é demonstrar como a cultura influencia o comportamento humano e a etiologia das doenças mentais, incorporando esse conhecimento em práticas psicoterápicas. Para avançar, precisamos:
- estimular escolas e organizações a reconhecer a dimensão sociocultural da saúde mental;
- fomentar pesquisas e publicações sobre etnopsiquiatria;
- capacitar profissionais para terapias que considerem crenças e tradições locais.
- Ou seja, considerar os aspectos socioculturais e sua influência na etiologia e tratamento das doenças mentais deve ser ampla, desde a formação de profissionais, informação a sociedade e no aperfeiçoamento de procedimentos sobre a doença mental, além de todas as medidas possíveis de prevenção.
A Associação Mundial de Psiquiatria Cultural foi criada em 2006 sob a liderança de Wen-Shing Tseng (Universidade do Havaí) e Goffredo Bartocci (Roma). Tseng, primeiro presidente, havia presidido a Sessão de Psiquiatria Transcultural da Associação Mundial de Psiquiatria quando, incentivados pelo professor Jilek (Canadá), fundamos a seção brasileira. Os dois primeiros congressos ocorreram em Pequim (2006) e Norcia (Itália), ambos documentados por mim.
Para esta coluna, detalho meus preparativos para a 7ª Conferência e relato, ao longo de três continentes (Oriente Médio, Ásia e Europa), as curiosidades culturais que capturar. Meu roteiro:
- Voo ao Japão, com escala no Oriente Médio, passando por Dubai, para suavizar o desconforto de um longo trajeto num vôo direto;
- Estadia em Tóquio, onde será a Conferência e visita a região de Quioto, antiga capital japonesa;
- Retorno ao Brasil via Barcelona, na Europa.
No canal Psiquiatria Sem Fronteiras, pretendo gravar episódios sobre as inspirações culturais que encontrar. Já produzi quatro programas sobre o Japão para a TV aberta, destacando aspectos da cultura nipônica.
Minhas conferências no evento serão:
- Conceito de morte entre etnias brasileiras, com foco nos suicídios dramáticos entre os Guarani Kaiowá (MS);
- Espiritualidade, neurociência e psiquiatria, à luz de pesquisas recentes com médiuns e curandeiros;
- Polarização, em workshop conjunto com o psiquiatra canadense Vincenzo Di Nicola, tema do meu próximo livro.
Como o Brasil acolhe inúmeras etnias, sinto-me privilegiado para compará-las entre si e com a sociedade moderna, reconhecendo a cultura como forte moduladora do comportamento. Destacarei:
- Suicídios voluntários no mundo versus índices dentre os Kaiowá (600/100 000 habitantes), onde muitos jovens recorrem ao enforcamento.
- A taxa geral de suicídio no Brasil ( 5/100 000 habitantes) e entre indígenas (1,5/100 000 habitantes) permanece baixa, mas os Kaiowá superam largamente esses patamares.
- A dinâmica sociocultural indígena, influenciada pela interação com a sociedade moderna, parece catalisar essa crise.
Estudos internacionais corroboram a dimensão cultural do suicídio: na província rural de Hunan (China), as taxas rurais alcançam 88,3/100 000 habitantes, contra 24,4/100 000 habitantes nas áreas urbanas. No Brasil, disparidades regionais—com o Sul refletindo padrões europeus e uma média nacional menor—confirmam influências análogas. Santa Catarina, onde vivo, compete com o Rio Grande do Sul neste drama de mortes voluntárias.
Na cosmologia Guarani, a terra (tekoha) é dom divino e fundamento social; busca-se a yvy mara êy (“Terra Sem Mal”), reino de abundância e paz. A espiritualidade animista guarani, próxima de tradições africanas, valoriza silêncio e paciência (kiriri). Ainda assim, a desintegração social e a perda de coesão cultural desencadeiam ondas de suicídio, como ocorreu também entre os nahuas do México, para mais um exemplo. Refletir sobre a morte em diversas culturas pode iluminar nossos impulsos mais dramáticos.
Psiquiatra Titulado pela Associação Brasileira de Psiquiatria e Conselho Federal de Medicina
Psicoterapeuta e Psicodramatista reconhecido pela Federação Brasileira de Psicodrama
Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria Cultural
Membro da Associação Mundial de Psiquiatria Cultural
Associado da Seção de Psiquiatria Transcultural da Associação Mundial de Psiquiatria
Membro do Grupo Latino Americano de Estudos Transculturais (GLADET)
Com formação em diversas técnicas psicoterapêuticas, dedicou-se ao estudo de disciplinas que fazem fronteira com a psiquiatria, como sociologia e etnologia. É um dos fundadores da Associação Brasileira de Psiquiatria Cultural e da Associação Mundial de Psiquiatria Cultural, tendo publicado artigos pioneiros nos principais periódicos científicos nacionais e livros sobre o tema.
Entre suas obras, destacam-se:
- Terapia Social – um relato intimista de sua trajetória e técnica;
- O Cérebro e as Emoções – uma abordagem contemporânea sobre o tema, com analogias entre práticas ritualísticas e os bastidores das psicoterapias;
- Polarização – Sintoma de uma Doença Social (no prelo).
Atua em Florianópolis coordenando grupos de Terapia Social tanto no setor público quanto no privado, defendendo o trabalho em grupo como uma alternativa eficaz para uma sociedade com grande demanda de cuidados em saúde mental. Também é apresentador do programa Psiquiatria Sem Fronteiras e de lives produzidas pelo Humanitas TV no YouTube.
Formação e Trajetória Profissional
Ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina em 1977, onde percebeu as limitações do ensino médico tradicional. Para complementar sua formação, dedicou-se ao estudo de História e Filosofia Médica, Medicina Oriental e Homeopatia. Seu primeiro contato prático com a psiquiatria ocorreu já no primeiro ano de graduação, em estágios supervisionados em um hospital com técnicas modernas de psicoterapia de grupo na linha do psicodrama.
Aprofundou seus estudos em psiquiatria cultural após a graduação, inicialmente buscando uma bolsa para estudar Orgonomia com Wilhelm Reich na Europa. No entanto, sua trajetória mudou ao conhecer o Serviço de Etnopsiquiatria da Universidade de Nice, na França, onde se especializou na abordagem desenvolvida por Henri Collomb, um dos pioneiros da etnopsiquiatria clínica.
Durante sua estadia na França, trabalhou com imigrantes e aprendeu a integrar diferentes saberes no tratamento de transtornos mentais, priorizando abordagens humanizadas e reduzindo a dependência de psicotrópicos. Essa experiência consolidou sua visão sobre a importância da diversidade cultural no tratamento psiquiátrico.
Ao retornar ao Brasil, empenhou-se na difusão da etnopsiquiatria, publicando artigos em revistas como a Revista da Associação Brasileira de Psiquiatria e o Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Também apresentou trabalhos em congressos nacionais e internacionais, conectando-se com outros pesquisadores interessados no tema.
Em 1993, durante o 9º Congresso Mundial de Psiquiatria, no Rio de Janeiro, fundou a Associação Brasileira de Psiquiatria Cultural. Em 1998, foi eleito o primeiro presidente da entidade no I Congresso Brasileiro de Etnopsiquiatria e Simpósio Internacional de Psiquiatria Cultural, realizado na Universidade Federal de Santa Catarina.
Desenvolvimento da Terapia Social
Com base em suas experiências e inspiração nas sociedades tradicionais, desenvolveu a Terapia Social, uma abordagem que enfatiza a reintegração do indivíduo ao grupo e à sua tradição cultural. Diferente de abordagens convencionais, a Terapia Social propõe um envolvimento ativo e constante do paciente em seu processo terapêutico, tanto dentro quanto fora do consultório.
Em 2007, lançou o livro Terapia Social, formalizando sua metodologia. A obra foi posteriormente traduzida para o espanhol e publicada em 2012.
Atualmente, além de suas atividades clínicas e acadêmicas, é membro do Conselho da Associação Mundial de Psiquiatria Cultural e segue promovendo pesquisas e eventos sobre psiquiatria cultural e terapias integrativas.