Vivemos a época das narrativas, não dos fatos. São tempos sombrios, de ódio disseminado, falta de tolerância com quem pensa divergente. Não se almeja discutir e expor argumentos, mas aniquilar o outro
07-01-2025 às 09h45
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
A pós-verdade desperta, inicialmente, uma discussão sobre o que seria um argumento verdadeiro, pois a interpretação dos fatos é susceptível a opiniões, porém há uma margem de razoabilidade, do que seria aceitável. Não dá para dialogar com alguém
de modo ético, probo, comprometido com o real e objetivo, só com base no achismo, no ilógico, absurdo. Na mera argumentação sustentada por crenças.
Na atualidade, uma parte das pessoas, relativiza o razoável e lógico, o argumento com algum senso de plausibilidade. A era da pós-verdade se assenta no terreno movediço do efêmero, instável, enganador. Desprezando a sensatez e assertividade das alegações.
O não-verdadeiro se apresenta como o sonho da loucura, descolando-se da razão.
O homem que argumenta apenas movido por credulidades e paixões tolas, inventa, falseia, mente descaradamente. Refuta a experimentação científica. Aniquila anos de estudos detidos, desconstrói, mas não coloca nada de razoável ou plausível no lugar, quando muito cria abstrações absurdas.
Talvez, a pós-verdade tenha seu embrião no cinismo retórico, quando pessoas, líderes começam a fazer afirmações absurdas, não lógicas e contrárias a realidade dos fatos. Por exemplo, alguns duvidam do aquecimento global, mesmo sendo perceptível e
cientificamente comprovado, que as estações do ano e as médias de temperatura mudaram. Torna-se então, necessário se apresentar a base argumentativa racional, lógica que torne possível contestar este dado evidente, de que os dias estão mais quentes e a vida
na terra, sensivelmente, mais inóspita.
A pós-verdade ao duvidar de coisas óbvias, incontestáveis, ao espalhar teorias conspiratórias absurdas e argumentos a “contrario sensu”, tem um quê de loucura, é disruptiva com a lógica dos acontecimentos, apresenta mentiras, engana, narra
ficticiamente os fatos de modo distorcido.
Assim, o objetivo de comunicar um fato vai se tornando menos importante, apela-se mais para a emoção, toca-se nos medos das pessoas. Por vezes, o que vale no discurso é quem o profere, seu estilo, carisma, criatividade. Isto passa a ser mais contundente e
significativo do que necessariamente a mensagem vinculada. O que certamente não faz sentido, não é razoável.
Vivemos a época das narrativas, não dos fatos. São tempos sombrios, de ódio disseminado, falta de tolerância com quem pensa divergente. Não se almeja discutir e expor argumentos, mas aniquilar o outro, que se tornou um inimigo.
No tempo presente o que vale são as opiniões, é o terreno movediço do “eu acredito”, eu sei. Não há preocupação com embasamento técnico e teórico. As pessoas não querem estudar, se informar. Nega-se a ciência, os dados, a base estatística.
Em casos de discordância de argumentos, tem-se a agressividade. Por todos os lados, observam-se pessoas proferindo falas falseadas, desvirtuadas. Há rispidez, grosseria. Impera a falta de traquejo social para uma conversa com pontos de vista
distintos.
O real é visível, verificável, incontornável. Já diz o ditado: “contra fatos, não há argumentos”. É premente aniquilar o terreno das “fake news”, das notícias falsas. As pessoas afirmam estar fugindo de assistir telejornais, de ler e buscar informações. Para
quê? Segundo estas, elas já sabem, de antemão, da realidade.
Oportunamente, é o momento de buscar eliminar as bolhas informacionais, onde cada qual só recebe “feedback” de quem pensa parecido e, muitas vezes, a informação chega distorcida, enviesada. É essencial ter espaço para oxigenar as ideias e pontos de vista, respirar ares diferentes.
Pois bem, vive o homem, presentemente, um grande desafio, qual seja: o de conseguir se comunicar de modo generoso, eficaz e embasado em argumentos. É preciso que os fatos objetivos importem mais e não os meros apelos emocionais, as crenças. Que não se distorça o real. Mentiras não podem ser toleradas e disseminadas a ponto de virarem notícia. Basta! Não estamos na Idade Média, é templo de resplandecer. Que se acendam as luzes!
*Doutora, Mestra e Especialista em Direito pela UFMG. Atualmente é Residente Pós Doutoral pela também UFMG, com financiamento público da FAPEMIG. Professora
convidada no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais