
Ex-presidente Jair Messias Bolsonaro - créditos: divulgação
21-09-2025 às 09h39
Marcelo Galuppo[1]
Bolsonaro mereceu ser condenado, não só porque foi o eixo em torno do qual giraram os aspirantes a golpistas de ocasião, que se dispunham a impedir a qualquer custo a posse dos eleitos, mas também porque tentou instalar um estado de exceção no qual a vontade expressa nas urnas não seria mais respeitada, e só não prosseguiu em seu intento porque encontrou resistência dos comandantes da Aeronáutica e do Exército.
Juntamente com os demais condenados, realizou as condutas típicas previstas no artigo 359-L do Código Penal (“Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”) e 359-M (“Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído.”), além de outros crimes
Estou convencido de que o Supremo Tribunal Federal era competente para julgá-lo, seja por causa da natureza dos envolvidos, seja porque compete-lhe julgar crimes que se cometem em suas dependências, como os praticados naquele 08 de janeiro. O julgamento também competia à 1ª Turma, e não ao plenário, porque reforma recente de seu Regimento Interno atribuiu às turmas o julgamento da grande maioria dos crimes (a gravidade do ato ou a notoriedade dos envolvidos não avoca o crime para o plenário, como pareceu pensar o ministro Fux, e o caso seria outro se Bolsonaro ainda estivesse no exercício da Presidência da República quando os crimes foram executados).
Também acho que os crimes e as agravantes indicaram que a pena (24 anos e 9 meses de reclusão e 2 anos e 6 meses de detenção) foi justa. No concurso material de crimes, quando múltiplas ações, relativamente independentes, se somam na realização das condutas previstas nos tipos penais, as penas de cada um também se somam (Bolsonaro foi condenado por cinco crimes, cujas penas variam, para cada um deles, de 6 meses a 12 anos de reclusão). Além da pena de reclusão e da pena pecuniária que lhe foram impostas, a inelegibilidade por 8 anos após o término do cumprimento da pena privativa da liberdade praticamente garante que jamais concorrerá novamente a qualquer cargo público (e ainda é possível que o Superior Tribunal Militar casse sua patente de capitão da reserva).
Lembro-me que, no dia 4 de abril de 2018, eu estava comprando ração para meus gatos quando ouvi os fogos de artifício comemorando o indeferimento do habeas corpus impetrado pela defesa de Lula como última tentativa de impedir sua iminente prisão. Agora ouvi novamente fogos, desta vez celebrando a prisão de seu opositor. Decidi não me juntar àqueles que comemoravam publicamente sua condenação.
Em primeiro lugar, porque não creio que a condenação de um ex-presidente seja motivo para se comemorar, pois é sinal da existência de uma fenda profunda em nossa sociedade que tenha havido espaço para que alguém cogitasse se manter de forma ilegítima no poder, pensando que, quando o mundo não fosse como desejava, estaria autorizado a impor sua vontade aos outros. Se houve algo a se comemorar foi apenas a atuação das instituições brasileiras para impedí-lo, inclusive das Forças Armadas.
Em segundo lugar, porque acredito que, o que para muitos é motivo de comemoração, para outros é motivo de luto, e não devemos comemorar a ocasião do luto alheio. Não penso nos criminosos que agiram de má-fé, mas nos eleitores de Bolsonaro que o apoiaram convencidos de que ele seria a melhor opção para o Brasil. Freud chamou de narcisismo das pequenas diferenças a tendência que temos a comemorar não apenas a vitória de nosso time ou partido, mas também a derrota dos outros, e é infantil tripudiar de quem foi derrotado. Não creio que essa atitude ajude a melhorar a profunda divisão que se instaurou na sociedade brasileira ao longo dos últimos dez anos. Neste ponto segui meu gênio pessoal, que me aconselhou a não fazê-lo, como fazia com Sócrates há 2.400 anos.
Por isso não soltei fogos, já bastou o incêndio que Bolsonaro tentou atear no Brasil. Mas bebi meu champagne, porque o estouro da rolha de um espumante é os fogos de artifício de um adulto.
[1] Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG, e autor do livro Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, da editora Citadel, entre outros (compre aqui). Ele escreve quinzenalmente aos domingos no Diário de Minas.