
Programa federal "Pé de meia" incentiva manter jovens nas escolas - créditos: divulgação
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03-03-2025 às 08h18
Valesca Santana (*)
O programa do Governo Federal criou o Programa Pé de Meia que visa permanência do jovem na escola durante o ensino médio, lançado em novembro de 2023 e ganha destaca esse mês após o pronunciamento do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no pronunciamento na TV aberta.
O Ministério da Educação explica que o Pé-de-Meia é um programa de incentivo financeiro-educacional voltado a estudantes matriculados no ensino médio público beneficiários do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). O programa funciona como uma poupança para promover a permanência e a conclusão escolar de estudantes nessa etapa de ensino. Seu objetivo é democratizar o acesso e reduzir a desigualdade social entre os jovens, além de fomentar a inclusão educacional e estimular a mobilidade social.
Com o objetivo de democratizar o acesso e reduzir a desigualdade social entre os jovens, além de garantir mais inclusão social pela educação, estimulando a mobilidade social, ou seja, é um incentivo para evitar a evasão escolar. Entendido breve o que é o programa, irei argumentar que minha opinião porque acho que é um dos maiores programas de política pública da história do Brasil e qual recorte dos maiores beneficiários.
Com o intuito de enfrentar a evasão escolar de jovens, que foi agravada pela pandemia da Covid-19, a causa principal da evasão escolar no Brasil distinguem de acordo com a classe social, o gênero, a raça. Educação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) em 2023 destaca “No grupo etário de 14 a 29 anos, 9,0 milhões não completaram o ensino médio, seja por terem abandonado a escola antes do término desta etapa ou por nunca a terem frequentado. Destes, 27,4% eram brancos e 71,6% eram pretos ou pardos.”
Dentre os motivos para a evasão, o principal motivo para deixar a escola foi a necessidade de trabalhar correspondendo a 53,4% dos homens nesse grupo etário, seguido pela falta de interesse em estudar (25,5%). Para as mulheres, o principal motivo foi também a necessidade de trabalhar (25,5%), seguido pela gravidez (23,1%) e por não ter interesse em estudar (20,7%).
Somados à falta de interesse e necessidade de trabalhar os 71,6% eram pretos ou pardos não são frutos do acaso, são frutos de políticas públicas aos quais o Brasil já possuiu. Desta forma, iremos falar da história do negro na educação brasileira é marcada por lutas e resistências, desde a primeira escola para negros. Referir “políticas públicas” pensamos logo em leis, legislação e pensamento correto. Sendo assim, algumas políticas públicas para a população negra na história do Brasil:
Primeira lei de educação: Lei nº 1, de 14 de janeiro de 1837, negros não podem ir à escola – São proibidos de frequentar as escolas públicas. Os escravos e os pretos africanos, ainda que sejam livres ou libertos.
Lei Eusébio de Queirós: Lei nº 581 de 4 de set de 1850, que previa o fim do tráfico negreiro.
Lei do Ventre Livre: Lei nº 2.040 de 28 de set de 1871 – filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir desta data ficariam livres.
Lei Aurea Lei nº 3.353 de 13 de maio de 1888 – Declara extinta a escravidão no Brazil.
Lei dos vadios e capoeiras: Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890
Vadiagem: Deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meios de subsistência e domicilio.
Capoeira: Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumultos ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal.
A vadiagem: foi retirada do ordenamento jurídico em 2009, por meio de um projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional.
Lei Afonso Arinos: Lei nº 1.390/51 lei foi um marco na luta contra o racismo no Brasil. Considerava contravenção penal a discriminação racial em locais públicos matrícula em escola ou contratação em empresa pública ou privada, desde que “por preconceito de raça ou de cor.
1ª Lei de cotas: Lei nº 5.465, de 3 de Julho de 1968 – Voltados filhos de donos de terras, que conseguiram vaga nas escolas técnicas e nas universidades.
Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% (cinquenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.
Constituição 1988 – Constituição que estabelece direitos sociais e todos sem discriminação.
Conferência de Durban – Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas. O Estado reconhece que terá que fazer políticas de reparação e ações afirmativas. Brasil é signatário.
Inclusão da história e Afro-Brasileira: Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Ordem diretrizes e bases da educação nacional, para inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática.
Estatuto da Igualdade Racial: Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010 – garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.
Cotas nas universidades: Lei 12.711 de 29 de agosto de 2012 – As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas ou em escolas comunitárias que atuam no âmbito da educação do campo conveniadas com o poder público.
Se vê que ao longo de sua história, o Brasil suprimiu o acesso à educação, principalmente para os negros, indígenas e os mais pobres. Desde o período da escravidão, as políticas de acesso à educação formal foram desenhadas para beneficiar uma elite branca, enquanto a população negra e indígena era marginalizada e mantida afastada das oportunidades educacionais.
No Brasil escravocrata, enquanto escravizados, eram proibidos de frequentar escolas, como estabelecido pela Lei de 1837, que vetava explicitamente a presença de escravizados, africanos livres ou libertos nas instituições de ensino. A educação era vista como uma ferramenta de emancipação e libertação, razão pela qual foi deliberadamente negada aos negros.
Mesmo após a abolição da escravidão em 1888, a exclusão dos negros da educação formal continuou. A ausência de políticas públicas de inclusão significava que os libertos e seus descendentes estavam condenados a trabalhos de baixa qualificação, perpetuando o ciclo de pobreza e marginalização.
Durante grande parte do período republicano, a educação pública e de qualidade continuou a ser privilégio de uma minoria, enquanto a grande massa da população, principalmente os negros, permanecia sem acesso à escolarização formal.
A luta contra essa exclusão histórica ganhou força com o advento dos movimentos sociais e das pressões por reformas inclusivas no Brasil. A partir da Constituição de 1988, o Brasil passou a reconhecer formalmente o direito à educação como um direito social fundamental para todos os cidadãos, sem distinção de raça, cor ou classe social. Isso representou um marco importante na tentativa de reparar as injustiças históricas que privaram grande parte da população de acesso à educação.
Outro grande marco foi a implementação da Lei de Cotas (Lei 12.711/2012), que reservou 50% das vagas em universidades federais e institutos federais de ensino para estudantes oriundos de escolas públicas, sendo que parte dessas vagas foi destinada a pretos, pardos, indígenas e pessoas de baixa renda. Essa política visou corrigir as disparidades de acesso ao ensino superior, que historicamente favoreciam estudantes de escolas privadas e de classes mais altas.
Além disso, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) foi criado para garantir à população negra a efetivação de igualdade de oportunidades, com a educação sendo um dos principais pilares dessa luta. O estatuto reconheceu a necessidade de políticas educacionais que promovam a inclusão e combate ao racismo, incentivando o acesso da população negra a todos os níveis de ensino.
Na educação básica, o Bolsa Família desempenhou um papel crucial na permanência e frequência dos beneficiários à escola, ao vincular o recebimento do benefício à comprovação de matrícula e assiduidade escolar das crianças e adolescentes. Essa condicionalidade foi um estímulo direto para que famílias de baixa renda mantivessem seus filhos na escola, ajudando a combater a evasão escolar. Ao aliviar as pressões econômicas sobre as famílias, que muitas vezes precisavam que os jovens trabalhassem para complementar a renda doméstica, o programa permitiu que mais crianças e adolescentes tivessem a oportunidade de completar a educação básica.
Dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) demonstraram que o Bolsa Família contribuiu para a redução das taxas de abandono escolar e aumentou a frequência de alunos, principalmente nas regiões mais pobres do país, promovendo a inclusão social por meio da educação.
Programas como o Prouni (Programa Universidade para Todos) e o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) também desempenharam papéis importantes no acesso à educação superior, ao conceder bolsas e financiamentos para estudantes de baixa renda, permitindo que jovens que antes não teriam condições financeiras de ingressar no ensino superior pudessem concretizar esse sonho. A pessoa que escreve esse artigo somente é capaz de escrevê-lo graças essa política pública.
A colheita das políticas públicas educacionais dos últimos anos é expressiva, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no censo apurou que a parcela da população preta e parda que concluiu o ensino superior quintuplicou no Brasil. O INEP traz que os cotistas têm melhor taxa de conclusão no ensino superior, estudantes cotistas que entraram na educação superior federal há dez anos tiveram uma taxa de conclusão 10% maior do que os não cotistas entre 2014 e 2023.
O Pé de Meia desponta como um dos programas mais importantes da história do Brasil, pois vai além de um simples incentivo financeiro, representando uma política pública inovadora que ataca diretamente a raiz da evasão escolar e da desigualdade social. Ao oferecer uma poupança atrelada à permanência escolar, o programa não só ajuda a garantir que os jovens concluam o ensino médio, como também planta as sementes de uma educação mais inclusiva e equitativa. Através de sua ação focalizada em estudantes de baixa renda, beneficiários do Cadúnico, o Pé de Meia visa transformar realidades, criando oportunidades que impulsionam a mobilidade social e econômica. Somado a iniciativas históricas como o Bolsa Família, o programa reforça o compromisso do Brasil em reduzir o abismo educacional e em investir no futuro, pois como dizia Paulo Freire “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.
(*) Valeska Santana é mestra e doutoranda na Faculdade de Direito da UFMG