
É preciso estar atento aos desafios de consolidação do curso e do seu campo de atuação. CRÉDITOS: Freepik
Getting your Trinity Audio player ready...
|
24-02-2025 às 09h48
Gustavo Lima e Santos¹
Alice Castelani de Oliveira²
Em meio às diversas manifestações culturais ao redor do mundo, os ritos de passagem da infância para a vida adulta são, até certo ponto, uma constante. Cada sociedade estabelece suas próprias formas de realizar essa transição e escolhe diferentes momentos na vida para concretizá-la. Em nossa cultura, o marco dos 15 anos é simbolicamente associado a essa passagem. Espera-se que, ao completar essa fase inicial da vida, a pessoa adquira um senso mais profundo de autonomia e competência, e, sobretudo, uma identidade mais sólida e enraizada, que a conduza ao estágio da vida adulta, distinto das gerações anteriores. Nessa perspectiva, assim como o 15º ano de vida marca um momento de amadurecimento e transformação para muitos(as) brasileiros(as), o curso de Ciências do Estado também alcança esse ponto simbólico de crescimento. Nesta fase emblemática, como bacharéis em Ciências do Estado, convidamos os(as) leitores(as) a uma reflexão sobre o passado, o presente e o futuro deste curso.
O curso de graduação em Ciências do Estado foi criado em 2008 por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), uma iniciativa generosa do Ministério da Educação que, entre seus principais objetivos, visava ampliar o acesso ao ensino superior público no Brasil. Idealizado pelo Prof. Dr. Joaquim Carlos Salgado, o curso é sediado na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e funciona desde o primeiro semestre de 2009, com entrada anual. Podemos afirmar, com certa confiança, que um dos grandes diferenciais do curso reside em sua proposta de formar profissionais que compreendam a centralidade e a importância do papel do Estado para o desenvolvimento do Brasil. Isso porque há muito nosso país perdeu a cultura de planejamento estratégico, o que é evidente na ausência de objetivos de longo prazo e nos projetos políticos falidos, marcados por ineficiência e corrupção. Diante desse cenário e do notável sentimento de estadofobia, Ciências do Estado emerge como uma proposta inovadora e promissora.
De modo a prestar contas à sociedade brasileira em relação ao investimento público feito na criação do curso de Ciências do Estado, hoje, ao alcançar a marca dos 15 anos desde a entrada da primeira turma, devemos tecer algumas reflexões acerca de seus frutos e conquistas. Nesse intuito, identificamos que, embora apresente uma proposta inovadora, o curso enfrenta alguns desafios para consolidação de sua autonomia e identidade. Observamos que, em termos de autonomia, Ciências do Estado ainda precisa se fortalecer institucionalmente frente ao curso do Direito. Naturalmente, a Faculdade de Direito, com mais de 100 anos de existência, abrange uma estrutura burocrática robusta e focada no ensino jurídico. Apesar desta Faculdade ter criado o curso de Ciências do Estado, não foram criados departamentos voltados ao ensino desta área de conhecimento. Na prática, isso significou que os departamentos do curso do Direito tivessem que passar a ofertar disciplinas também em Ciências do Estado. Isso pode ter feito sentido quando da criação do curso, mas, hoje, quinze anos depois, não se justifica mais. Nessa fase de transição “da infância para a vida adulta”, é urgente a criação de um departamento próprio, capaz de consolidar a identidade do curso e desenvolver uma formação coerente do profissional formado em Ciências do Estado, tirando o curso da sombra do Direito.
A criação de um espaço autônomo do curso é tarefa fundamental para a construção de uma identidade própria e robusta. A ausência dessa identidade é evidente em diferentes níveis. Citamos, por exemplo, a categoria do curso atribuído pelo MEC. A Classificação Internacional Normalizada da Educação Adaptada para Cursos de Graduação e Sequenciais de Formação Específica (Cine Brasil), sistema de classificação utilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), baseado no sistema de classificação utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), Ciências do Estado é enquadrado na categoria de “Negócios, administração e direito”, o que notarialmente não expressa a sua natureza. Outro exemplo que deve ser mencionado é a grade curricular do curso, que embora já tenha passado por algumas reformas, ainda é dominada pela epistemologia jurídica, em detrimento de disciplinas com maior ênfase em atividades políticas e administrativas do Estado que se oriente, por exemplo, por epistemologias da Política com foco no planejamento estratégico. De modo geral, essa grade ainda não reflete o campo de atuação próprio do cientista do Estado.
Identificados esses desafios, este é o momento para uma reflexão profunda sobre o futuro do curso de Ciências do Estado. Nessa direção, algumas perguntas devem ser colocadas, como: Por que o curso de Ciências do Estado ainda não possui um departamento próprio? Por que a grade do curso é baseada em uma epistemologia jurídica? Por que o quadro de professores do curso é basicamente de formação jurídica? Essas questões precisam ser enfrentadas para que o curso de Ciências do Estado amadureça e alcance autonomia e identidade própria. Isso é crucial para que os profissionais da área recebam uma formação de qualidade e consigam atuar no mercado de trabalho de modo a cumprir aquele que seria objetivo essencial do curso, isto é: formar um profissional crítico, invocador e politicamente ativo, focado em planejamento e resolução de problemas, de modo que possa contribuir para o desenvolvimento brasileiro.
Por fim, destacamos que, embora existam exemplos de egressos de Ciências do Estado com carreiras de sucesso, é preciso estar atento aos desafios de consolidação do curso e do seu campo de atuação. Nesse sentido, a consolidação da identidade e autonomia do curso é também fundamental para promover um senso de unidade entre os cientistas do Estado. A criação de uma rede de interação mais profunda e constante entre estudantes e egressos de Ciências do Estado pode ser um mecanismo para debater problemas, propor inovações e trabalhar para construção do futuro do curso. Nesse ponto, enfatizamos que, historicamente, os(as) alunos(as) de Ciências do Estado foram comprometidos em lutar e trabalhar para o seu desenvolvimento. Isso é notável pela atuação do Centro Acadêmico de Ciências do Estado (CACE). Esse é um momento oportuno para construirmos pontes de diálogo e pensar nosso futuro coletivamente.
Gustavo Lima e Santos é mestre em International Public Relations and Public Diplomacy pela Sookmyung Women’s University (SMWU), em Seoul, na Coréia do Sul. Bacharel em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e graduando em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Hoje, é membro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Integra o Grupo de Estudos Estratégicos Raul Soares.
Contato: gustavosantos0912@gmail.com
Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestra em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra (ESG) e bacharel em Ciências do Estado pela UFMG. Hoje, é membro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e integrante dos grupos de pesquisa: Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia-Pacífico (IBECAP); Grupo de Estudos Estratégicos Raul Soares; Global IR and Brazil BRaS; e Rede Interinstitucional de Pesquisa em Instituições Internacionais (RIPPERP).
Contato: alicecastelani@gmail.com