
Primeira reunião deliberativa do Codese-bh em 2025 - créditos: Instagram
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20-04-2025 às 10h10
Caio Brandão (*)
Colaborar para tornar Belo Horizonte uma cidade melhor? Muito bom, sem dúvida. Trabalhar de forma colaborativa e sem remuneração? Melhor ainda, para a cidade. Oferecer alternativas para a resolução dos problemas do município, como planos de desenvolvimento econômico, social e urbano? Oferecimento sedutor, concordo.
Essa é a proposta do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico de Belo Horizonte – Codese-BH -, composto por mais de 80 entidades da sociedade civil organizada de Belo Horizonte. No momento o Codese-BH divulga que já sabe onde quer que Belo Horizonte esteja nos próximos vinte anos, e informa: -“Nosso objetivo é torná-la a melhor cidade para ser viver na América Latina até 2050”, afirma o CEO da entidade, Elvis Gaia.
Com todo o respeito pela iniciativa, fico na defensiva, apesar de aplaudir essa disposição. Contudo, sou descrente a priori, particularmente no tocante ao lapso de vinte, trinta anos à frente, porque o aqui e o agora continuam presentes no tocante a mazelas diversas, quer na degradação ambiental, quer na limpeza e na mobilidade urbanas, quer nos alagamentos e inundações e muito mais.
Sou daqui. Andei de bonde, de trólebus, assisti aos transbordamentos do Arrudas, a degradação da Serra do Curral, o apodrecimento das águas da Lagoa da Pampulha, e acompanhei a ruína da região central e da zona de meretrício e os seus prédios centenários. Vi a Lagoinha enferma, desde a Avenida Antônio Carlos, e subindo a rua Itapecerica em direção ao Padre Eustáquio, com viadutos habitados por famílias em situação de rua.
Acompanho há décadas a zona hospitalar, em Santa Efigênia, com as faixas de pedestres desencontradas e o acúmulo de mendicância e descuidistas de plantão. Assisti a Praça Sete perder o brilho, o movimento errático de seu obelisco, que foi retirado e retornou faltando um pedaço, e o desaparecimento dos bancos da Lavoura, de Crédito Real, do Estado de Minas Gerais, do Progresso e outras tantas instituições de notável relevância.

Da minha janela avisto no passado, a alegria perdida do bairro dos Funcionários, da Praça da Savassi e do seu entorno, do comércio sadio e sustentável, pujança que não mais existe, porque o Centro Administrativo, construído na divisa com Vespasiano, lesou a região, quebrou o comércio, esvaziou dezenas de prédios públicos e transformou a Praça da Savassi e avenidas adjacentes em pontos de marginalidade e mendicância. Ahh! Muita coisa mudou e pode piorar.
Aliás, sobre o Centro Administrativo – que conseguiu o marco internacional de submeter-se à pane de todos os seus 80 elevadores a um só tempo -, dele nem os governadores querem saber. Pimentel tinha horror do lugar e não sei se o atual governador, Zema, despacha por lá. Talvez não, poque Zema desprezou o Palácio das Mangabeiras e veio morar no Bandeirantes, onde resido, e não sei se paga do próprio bolso o aluguel. Morar no Mangabeiras deveria ser obrigatório, porque é como o Papa deixar o Vaticano para ir residir no bairro de Monti, perto do Coliseu, famoso pelas suas boutiques vintage, restaurantes familiares e bares aconchegantes. Governador eleito precisa respeitar a liturgia do cargo, inclusive o local de moradia. Deveria ser obrigatório por lei.
Prédios públicos, que abrigaram a realeza foram entregues a terceiros, sem termos de referência ou planejamentos. A cessão deveria ser submetida a audiências públicas, porque são bens do povo mineiro, que precisa opinar sobre a sua destinação.
Até o Palácio dos Despachos foi cedido a terceiros, há tempos em poder da Fiat Automóveis, que lá instalou um centro cultural, capitaneado “ad perpetuum” pelo seu ex-colaborador, José Eduardo Lima Pereira, não muito afeito a promoções e eventos de grande envergadura.
Sobre o Centro Administrativo, devaneio de Aécio Neves, foram buscar para projetá-lo o então senil Oscar Niemayer, rei do traço reto e de lajes de concreto de comprimento extravagante e desnecessário, lajes fadadas a infiltrações e falhas estruturais. Niemayer envidraçou a totalidade do complexo do Centro, que recebe sol durante todo o dia, tornando o seu interior submetido a calor insalubre e carente de enormes e dispendiosos aparelhos de ar condicionado.
Niemayer deixou outro elefante branco em Belo Horizonte, bonito, mas incômodo, o prédio que leva seu nome, na Praça da Liberdade. Lá residiu Tancredo Neves, que se queixava com Newton Cardoso, então prefeito de Contagem, que não conseguia decorar o apartamento, porque as paredes eram todas arredondadas, não tinham quina. Newton, que nada entendia de arquitetura, foi buscar na Barsa a informação de que se tratava de parede ortogonal, que não está alinhada com outras paredes com ângulos retos. Tancredo escutou, mas não deu importância, porque estava mais preocupado com a visão de folha de palmeira imperial prestes a despencar sobre os arbustos da Praça da Liberdade, frágeis e submissos. Niemayer tornou-se mito, inclusive pelas mãos de Juscelino, o presidente que ria com os olhos. Tudo bem, mas poderia ter emprestado aos seus projetos, além da inovação arquitetônica inusitada, a praticidade desejável em face da sua utilização.
Na Pampulha, os moradores penam a herança deixada por Niemayer. Apesar de a Lagoa continuar a receber descarga fétida e apodrecida de cidades vizinhas, foi eleita “Patrimônio da Humanidade” pela Unesco, mediante prazo para sanear o local e torná-lo respirável, que ainda não foi cumprido.

A par disso, foram os moradores dos bairros do entorno, engessados do ponto de vista da arquitetura dos projetos de suas moradias, que a partir de então deverão obedecer às diretrizes do lápis de Niemayer, em afronta às nossas raízes coloniais, que recebem influência do barroco mineiro, estilo emblemático consagrado nas cidades históricas de Ouro Preto, Mariana, Diamantina, Congonhas do Campos e São João Del Rey. Nada a ver com Oscar Niemayer, que nasceu no Rio de Janeiro, em 1907, no auge do enfrentamento da capital federal com a peste bubônica.
A arquitetura mineira nasceu de contexto histórico peculiar, do esplendor da mineração do ouro, da religiosidade, com as suas igrejas ricamente decoradas, com talhas douradas, e do uso de pedra sabão, madeira, e adaptação de suas casas a terrenos inclinados, em ruas sinuosas. No entanto a nossa mineiridade, em Belo Horizonte, tem que suportar os ditames das regras arquitetônicas impostas por Niemayer, comunista e ateu, que coincidentemente morou por uns tempos da Casa das Mangabeiras, no Palácio das Mangabeiras, também por ele projetado, exatamente o lugar que o governador Zema desprezou como moradia.
Enfim, Juscelino acertou quando chamou Niemayer para projetar o conjunto arquitetônico da Pampulha, porque o lugar era inóspito, distante, e o Prefeito Kubitschek precisava de algo novo, diferente, para enfeitar a região e justificar o custoso projeto. Isto foi alcançado. Contudo, que Niemayer nos deixe escolher o nosso estilo arquitetônico, que não precisa da intimação da Unesco para vidros temperados e grades vazadas nas fachadas, dentre outras exigências heteróclitas.
Que os seus projetos permaneçam como marco importante dos monumentos da cidade, mas que fiquem nesse patamar, para serem admirados e retratados, e que parem por aí.
Mas, que lindo. Agora surge o Codese-BH acenando com a cidade maravilhosa do futuro, porque tal entidade vai oferecer a garrafa da qual sairá o gênio planejador, capaz de transformar até o ano de 2050 Belo Horizonte na melhor cidade da América Latina para se viver.
Ahh!!, de novo suspiro, porque é muita espuma para o meu shampoo.
A Codese poderia, de pronto, sem promessas e mostrando serviço, levantar dados e propor soluções para problemas presentes, históricos, que permanecem sem solução ao longo de décadas.
Vamos cuidar do nosso quintal, limpar a poeira, varrer a rua, tapar os buracos e respeitar as árvores. Belo Horizonte, que já recebeu a homenagem de Cidade Jardim, hoje assiste inerte à poda predatória de suas árvores, transformadas em forquilhas, para dar passagem à fiação da Cemig e de penduricalhos outros, tais como empresas de tv a cabo e de telefonia.

A cidade deveria estar exigindo a retirada de postes da via pública e a colocação subterrânea da fiação de energia e outras tantas. O lucro dessas empresas comporta esse planejamento, mas isto não acontece e sequer é exigido pelo poder público que, aliás, é socio majoritário da Cemig e dela recebe polpudos dividendos.
A poluição hídrica corre solta. Todos os cursos d’água de Belo Horizonte estão altamente poluídos. A Copasa, em que pese esforço dispendido, não consegue fazer na totalidade, a ligação dos prédios à rede de esgotos já implantada. Existem até hotéis que ainda utilizam fossas e recorrem a caminhões recolhedores de água servida e de excrementos para fazer o descarte.
Belo Horizonte precisa ser abordada do ponto de vista do aqui e agora, porque são muitas as suas urgências.
A Avenida Antônio Carlos, com as suas dezenas de semáforos e radares oportunistas – deveria ser uma via rápida – é caótica nos horários de pico, principalmente quando cruza com a Avenida Santa Rosa.
A Pedro II, outra avenida problemática, também homenageia dezenas de radares e semáforos e encalha no encontro de rotatória, próxima do Anel Rodoviário.
A Bernardo Monteiro, que desce da Praça da Liberdade e desagua na Praça Raul Sores, também trava próximo ao Viaduto Castelo Branco – para mim a denominação do viaduto não mudou -, porque lá ainda não foi construída passarela óbvia.
A Avenida Nossa Senhora do Carmo, verdadeiro funil, que recebe todo o fluxo de Nova Lima em direção a BH (auxiliada modestamente pela precária Avenida Raja Gabaglia), complica a vida de milhares de pessoas, que pelo local transitam diariamente.
Na Avenida Cristiano Machado a luta continua, já que pessoas morreram afogadas dentro de seus carros, em dia de tempestade, porque a drenagem pluvial foi mal dimensionada.

Na Avenida Vilarinho, tragédias já aconteceram, inclusive com afogamentos, e o então prefeito Alexandre Kalil foi para a imprensa, declarou “mea culpa,” mas não pagou a conta.
Enfim, eu poderia escrever mil laudas sobre a minha cidade, onde nasci, em 1950, no bairro do Carmo. Mas, vou deixar para outros combatentes melhores, mais competentes e mais jovens, porque na luta de paus e pedras contra os ineptos, me sobra apenas a caneta, mas que continua de bom tamanho.
No mais, quanto ao Codese-BH, que ele antes de contar lorota procure conhecer melhor a nossa cidade, ou que vá plantar mamona em Jaboticatubas.
(*) Caio Brandão é jornalista