
Companhia de Saneamento Básico de Minas Gerais - COPASA - créditos: divulgação
18-10-2025 às 14h24
Samuel Arruda*
O governo de Minas Gerais encaminhou à Assembleia Legislativa do Estado diversas propostas para viabilizar a privatização da Copasa (e de sua subsidiária, Copanor).
Uma peça central desse processo é a PEC 24/23, que propõe alterar a Constituição estadual para, entre outros pontos, remover a exigência de referendo popular para a desestatização de empresas prestadoras de saneamento, como a Copasa.
Segundo o governo estadual, a privatização da Copasa ajudaria a resolver o problema da dívida do Estado com a União, por meio do programa Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag), e permitiria atrair investimentos para cumprir as metas do novo marco legal do saneamento (como universalização do acesso à água e esgoto) mais rapidamente.
Por outro lado, existe forte resistência: manifestações populares, sindicatos, parlamentares de oposição, movimentos sociais têm criticado o processo pela forma, pelas consequências e pela rapidez com que se pretende avançar. Por exemplo: mais de 5.300 pessoas manifestaram‑se contra a privatização em consulta pública da Assembleia em outubro de 2025, contra apenas 96 favoráveis.
Além disso, o jornal Diário de Minas publicou editorial contundente classificando o projeto como “um retrocesso disfarçado de alívio fiscal”, falando que a população mineira deve ter direito à consulta e que a água não pode ser tratada como mercadoria.
Por que o povo mineiro está contra
A resistência popular pode ser resumida nos seguintes pontos principais:
- Ausência de consulta popular e democracia participativa
A PEC visa retirar o referendo obrigatório para a privatização da Copasa, o que é visto como um cerceamento da voz dos mineiros. O editorial do Diário de Minas afirma que “se a privatização fosse de fato tão benéfica à população, por que temer a consulta popular?” Diário de Minas
Em audiências públicas, trabalhadores e sindicalistas gritam “a Copasa é do povo” e se queixam da rapidez com que se pretende aprovar alterações constitucionais. - Serviço público essencial e direito humano
Água e saneamento são considerados serviços essenciais, não simplesmente mercadorias. Há o temor de que, com a privatização, a lógica do lucro se sobreponha à garantia de acesso universal e de qualidade. - Risco de aumento de tarifas, piora do serviço para os mais pobres
Especialistas indicam que privatizações anteriores no setor de serviços essenciais resultaram em aumento das tarifas, menor foco em regiões de menor rentabilidade e até precarização do atendimento.
O sindicato citou que a Copasa atende muitos municípios de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) — regiões pouco atraentes para o capital privado. - Empresa lucrativa e estado vendedor em situação de fragilidade
Um dos argumentos da oposição é que a Copasa já gera lucro (chegou a cerca de R$ 1,3 bilhões em 2024, segundo dados debatidos) e que a venda seria mais uma operação para “tapar buracos” da dívida pública do Estado, em vez de pensar em sustentabilidade de longo prazo. - Preservação da universalização e do subsídio cruzado
A estatal permite que municípios menores ou menos lucrativos sejam atendidos, por meio de subsídio cruzado (regiões mais rentáveis ajudam as menos rentáveis). A privatização coloca em risco esse mecanismo.
Vantagens de não privatizar a Copasa

Depois da privatização da SABESP de São Paulo, a Copasa passou a ser a maior empresa pública de saneamento básico do Brasil, com resultados e entregas importantes ao povo mineiro.
Se o Estado decidir manter a Copasa como estatal, há várias vantagens que são apontadas por especialistas e defensores do modelo público:
- Controle público sobre um serviço estratégico: Garantir que o abastecimento de água, esgotamento sanitário e saneamento sejam guiados por políticas públicas (saúde, meio ambiente, equidade) e não apenas por lógica de lucro.
- Tarifas possivelmente mais justas: Sem a necessidade de gerar lucro para acionistas, há maior margem para que tarifas sejam reguladas com foco no interesse público, com mecanismos de subsídio para regiões carentes ou menos atraentes comercialmente.
- Universalização com foco social: A estatal tem obrigação e responsabilidade de atender mesmo lugares de baixa atratividade econômica — municípios pequenos, rurais, periferias. Isso favorece a redução de desigualdades regionais em saneamento.
- Valorização patrimonial e geração de receitas futuras para o Estado: Em vez de vender um ativo que gera lucros, o Estado pode manter a empresa, colher dividendos, utilizar lucro para reinvestimento e cumprir metas de saneamento. Por exemplo: num debate foi apontado que manter a Copasa pública seria melhor do que vender por “preço de banana”.
- Preservação do emprego e da qualidade dos serviços: O controle estatal reduz o risco imediato de grandes demissões, terceirização em massa ou cortes de investimento, algo que historicamente tem antecedido privatizações em vários setores.
- Democracia e participação: Permite que a população mineira participe mais diretamente da decisão sobre o futuro de uma empresa que é de interesse coletivo, reforçando a soberania popular. Como o editorial do Diário de Minas destacou: “Privatizar a Copasa é uma escolha política, social e ética”. Diário de Minas
A privatização da Copasa é um dos temas centrais do debate de Minas Gerais neste momento — conjuga questões fiscais, de saneamento, políticas, de democracia e de bem‑estar social. Enquanto o governo estadual argumenta que a privatização é um instrumento para ajustar as finanças públicas e viabilizar investimentos, a oposição, movimentos sociais e parte da população veem isso como um risco à garantia de um serviço essencial, à participação democrática e aos direitos básicos.
O fato de um dos principais jornais mineiro e mais tradicional de Minas Gerais, o Diário de Minas, manifestar‑se em editorial contra a proposta reforça que há um respaldo significativo da opinião pública e da imprensa para a resistência.
Se o processo avançar, será crucial observar:
Qual será o modelo de privatização ou concessão (venda de controle, PPP, privatização parcial);
Qual a obrigação contratual de universalização, de atendimento nas áreas remotas ou de baixa rentabilidade;
Como será a regulação futura, para garantir qualidade, acesso e tarifas justas;
Como será a utilização dos recursos oriundos da operação (se para pagar dívida, para investimento ou outros fins);
Qual a voz da população mineira nesse processo.
Só relembrando: Os investimentos da Copasa em captação, tratamento, rede de esgoto e distribuição de água nos últimos três anos (2022-2025) passaram de R$ 5 bilhões. portanto, a pergunta que fica é a seguinte: caso privatizada, quem garante a qualidade e os investimentos?
*Samuel Arruda é jornalista