
Sede da OEA, Organização dos Estados Americanos - Divulgação
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22-03-2025 às 07h27
Rogério Reis Devisate (*)
Após o final da Segunda Guerra Mundial o mundo não mais era o mesmo – e jamais voltou a ser. Com o intuito de encerrar políticas egoístas que pudessem causar novos graves conflitos, o mundo pós-guerra formou colegiados, com países unidos por características assemelhadas.
A ONU – Organização das Nações Unidas surgiu em 1.945, exatamente quando finda a Segunda Guerra, por valores que fossem comuns aos vários países e nações amigas.
Em desdobramento, em 1.948, os países dos continentes americanos uniram os seus propósitos em torno da OEA – Organização dos Estados Americanos. Nas justificativas e considerandos da sua fundação, reafirmam-se os princípios e propósitos das Nações Unidas, a necessidade de “intensa cooperação continental” e a organização jurídica como “condição necessária à segurança e à paz, baseadas na ordem moral e na justiça”.
Dentre os princípios regentes, fixaram a reciprocidade dos países em torno do direito internacional, a justiça e a segurança sociais, buscando paz duradoura, a cooperação econômica e a educação dos povos orientada para a liberdade, a paz e a justiça. Sem delongas, já aqui se vê o quanto a OEA é organizada em torno de valores como justiça e aspectos afins, causais ou consequentes, como segurança e paz.
Portanto, a estatura da OEA corresponde à soma dos maiores valores emprestados por cada um dos países que a constitui.
Isso deve nos fazer refletir, quando, em 19 de março de 2025, a Transparência Internacional Brasil publicou no seu site: “OEA diz que anulação de provas da Odebrecht e renegociação das leniências podem ‘minar a confiança pública”.
O posicionamento da Transparência Internacional Brasil decorre do teor do relevante Relatório Final da OEA, aprovado na Sessão Plenária de 13 de março de 2025, tão noticiado pela imprensa nesses últimos dias, abordando a insegurança jurídica resultante de certas decisões judiciais e do correspondente abalo na percepção social de confiança no Sistema Judiciário.
Constitui-se de documento com 67 laudas intitulado “Mecanismo de acompanhamento da implementação da Convenção Interamericana contra a corrupção” – Quadragésima Terceira da Comissão de Peritos (disponível em https://www.oas.org/en/sla/dlc/mesicic/docs/Doc_674(Brasil)_por_rev4.pdf).
Os trechos mais relevantes estão nos 192 e 193, que, em partes, têm o seguinte teor: “[192] A Comissão também salienta […] decisão relativa ao acesso às provas de um acordo de leniência entre a Odebrecht e o MPF. A sentença declarou inadmissíveis todas as provas obtidas […] e determinou que essa decisão se aplicava a todos os casos que dependessem de tais provas, fosse em procedimentos judiciais ou administrativos. Essa sentença teve importantes repercussões em vários procedimentos judiciais que se baseavam nas referidas provas, o que levou à suspensão ou anulação de alguns casos. [193] Além disso, em fevereiro de 2024 […] aceitou uma solicitação […] para suspender o pagamento de multas de R$ 8,5 bilhões”…
Em primeiro lugar, a Soberania Nacional e as decisões da justiça brasileira têm que ser respeitadas e não estão sujeitas à imiscuição de quem quer que seja. Por outro lado, a OEA não parece questionar o mérito das decisões, quando foca no seu significado para a confiança popular em face do Sistema de Justiça, bem como na sensação de insegurança jurídica.
“Ciência em consciência é apenas a ruína da alma”, disse François Rabelais (1.494-1.553). Adaptando-se o pensamento para os dias atuais e diante do que afirma a OEA, será que não erodiria a alma cidadã, consciência do povo sobre a justiça?
Reflitamos… não construímos cidades de pedra; não construímos vilas frias, ruas vazias ou torres sem vida.
Construímos as nossas cidades, os nossos bairros e vizinhança com pessoas, com seres vivos, pensantes e com emoções verdejantes.
São pessoas que trabalham, que transpiram na sustentação das suas vidas e na dos seus familiares, que se preocupam com boletos, dívidas e sonhos – vividos ou adiados – e que querem viver no sagrado existir de uma sociedade pacífica, equilibrada, livre e justa.
Buscamos vida e para isso precisamos do que nos faz viver. Sem isso, mortificamos os nossos dias e condenamos tudo à paralisia, como vítimas de uma Medusa que, gradativamente, transforma tudo em pedra fria e triste.
Precisamos acreditar numa transcendência boa e construtiva, no estilo de Dostoiévski, o grande escritor russo, quando, no romance Os irmãos Karamazov, debate sobre a existência do divino, questionando o fato de que, se Deus não existe, tudo seria permitido – esse “tudo” seria um monstro que se alimentaria do melhor de nós e levaria as nossas almas à ruína.
Essa permissividade abrangente, desrespeitosa e não temerosa a qualquer fórmula ou veneração superior, não se prenderia aos conceitos de crença ou ética ateia, mais envolvendo questionamentos e acusações em torno do mal, articulado sobre uma base politicamente pessimista e o misticismo cristão. Envolve a construção e constituição Política das sociedades, o respeito à autoridade que decorre da legitimidade e a veneração à estatura das leis constitucionais e legais e ao valor extremo da Justiça.
Precisamos crer que tudo vale a pena e que nada é em vão.
Precisamos confiar que qualquer detalhe técnico fundamental e relevante é tão importante para os fortes quanto para os mais comuns dos mortais.
Precisamos acreditar no exercício da liberdade de pensar e declamar os nossos pensamentos, confiantes de que essa isso vale por si mesmo e como fator de absoluto valor, sem o qual a liberdade de criticar contaminará todos os elogios, reduzindo-os à mera bajulação.
Precisamos perceber que o que a OEA critica é a nossa capacidade social de perceber o mais profundamente do que fala e aprender com a crítica e, a partir daí, aprimorar a nossa autocrítica.
(*) Rogério Reis Devisate é membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania. Colunista do Diário de Minas