O voo do pássaro misterioso
Meus parcos conhecimentos de ornitologia não me dão credencial para identificar quê pássaro é esse.
07-01-2024 às 09:19h.
Bento Batista*
Esta é a segunda vez que me surpreendo com a passagem dele.
Pode ser impressão minha, mas, essa deve ser a sua rota diária.
Na primeira vez, foi naquela hora em que eu, munido de câmera fotográfica, abri a janela para receber o bom dia do dia e fotografar o nascer do Sol.
Desta vez segunda, quando ele passou feito um avião de pequeno porte, foi mais ou menos no mesmo horário. Veio-me a indagação forte: de onde será que ele vem?
Ele é grande, bem maior do que um pombo.
Meus parcos conhecimentos de ornitologia não me dão credencial para identificar quê pássaro é esse.
As asas dele são como braços compridos.
Visto assim, ao longe, se parece com o chapéu de Melquíades personagem de Gabriel Garcia Marques no livro Cem Anos de Solidão.
Para aonde ele vai?
Se vai logo cedo, antes do Sol despontar no horizonte da Serra do Curral, em certo momento, talvez ao final do dia, ele voará de volta?
Pensando bem, até eu gostaria de, por um momento, ser um pássaro como esse, que passa de manhãzinha rumo a não sei aonde.
Se por um momento, eu fosse um pássaro como esse, voaria alto. E do alto teria a visão ampla de todo o panorama visto lá de cima.
Eu poderia sobrevoar, se quisesse, a nossa capital para mostrar as desigualdades, as disparidades sociais.
Começaria por sobrevoar o chamado Aglomerado Barragem Santa Lúcia, corruptela de favela.
Em um voo rasante, veria na cobertura de um portentoso prédio, um casal fazendo amor em volta de uma piscina.
Então, no meu bestunto de pássaro, sobrevoaria a Praça da Liberdade, que na verdade ficou linda, depois da reforma.
Com olhos de pássaro enxergaria gente a dormir sono solto ao relento, nas ruas, debaixo de marquises e viadutos.
Se, por certa quantidade de tempo, eu fosse um pássaro como esse que passa, gostaria de ter a capacidade de higienizar o mundo.
Seria como o urubu, o “amigo oculto” do homem e da mulher.
Ai deles se não existisse urubu para se alimentar da carniça.
Imaginem a sina e a cena do mundo imundo.
Na pele, quer dizer, nas penas e nas asas de um pássaro, eu poderia espantar os maus sentimentos dos homens e das mulheres.
Assim, enfim, de pouco em pouco, tornaria a capital um lugar aprazível e outro motivo não teria senão pensar no bem-estar coletivo.
Isto tudo eu faria, se, por um momento, eu tivesse asas como as asas do pássaro que passa, creio, todo dia de manhãzinha.
Faria isso e muito mais.
Por amor universal.
Esse amor que arde no peito.
De um reles mortal.
*Jornalista e escritor