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O trabalho feminino de três gerações em Montes Claros que atravessou o século XX

O trabalho feminino de três gerações em Montes Claros que atravessou o século XX

Às mulheres sertanejas que tive a honra de entrevistar nessa longa jornada trabalhando com história oral, só posso dizer: Vocês terão para sempre o meu respeito e a minha gratidão.

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17-06-2023 - 11h:37

Marta Verônica Vasconcelos Leite*

Como parte de minhas pesquisas sobre o trabalho feminino, apresento a história de três mulheres montes-clarenses que atravessaram o século XX, são elas: Theófila Gonçalves Versiani, sua filha Belvinda Gonçalves e sua neta Maria Inês Gonçalves Leite.

Difícil afirmar entre essas mulheres de três gerações diferentes quem mais trabalhou na difícil luta pela sobrevivência. Theófila, mãe de seis filhos de dois casamentos, era parteira, atendia as mulheres da cidade em suas casas, onde nasciam os muitos filhos, do seu cuidadoso atendimento constava a prática de fazer e receitar remédios caseiros, principalmente para evitar as temidas infecções, que costumavam matar as parturientes. Era católica fervorosa, de comunhão diária. Foi convidada em determinada época a atender as pacientes do Dr. João Alves e com ele trabalhou por muito tempo em sua casa, que segundo consta, era um verdadeiro hospital. Ficava localizada onde hoje está o Automóvel Clube de Montes Claros.

Belvinda, filha de Theófila, não seguiu a profissão da mãe. Começou a trabalhar em 1931, com a família do Sr. José Thomas de Oliveira, no sobrado localizado na Praça da Matriz, esquina com a Rua Dr. Veloso, chamado Casarão dos Oliveira, hoje Solar dos Sertões. A dona da casa era Lainha Sarmento, irmã da maestrina Dulce Sarmento.

Belvinda precisava levar consigo a filha de dois anos e apesar de levantar às seis da manhã e atravessar o dia cuidando de todos os afazeres da casa, encontrou nos patrões bons amigos que a ajudaram a criar sua filha, até que doente veio a falecer ainda muito jovem, na casa das pobres, hoje chamado Lar das Damas de Caridade.

Maria Inês nasceu pelas mãos de sua avó materna Theófila, em 1929, na atual Rua D. Eva. Com nove anos perdeu sua mãe, o que deixou forte trauma em sua história, principalmente porque era véspera de Natal. Sendo filha única e não tendo com quem ficar, foi levada à Belo Horizonte para estudar, porém o que encontrou na casa da família que a recebeu foi um regime de quase escravidão.

Marcada por fortes agressões físicas, foi socorrida por uma senhora que a devolveu a Família Oliveira, indo viver com seus padrinhos. Viveu para o trabalho e pouco estudou. Se casou muito jovem, teve oito filhos, criou muitos outros, nunca soube dizer não a uma criança desamparada. Lutou ao lado do marido para conseguir casa própria e vida digna. Sendo ótima cozinheira, aprendeu e ensinou o melhor da cozinha mineira, além de ter mãos de fada, como dizia seu esposo, para fazer doces e salgados.

Perguntada se da sua difícil trajetória na infância ficou alguma lembrança feliz, respondeu que sim, se lembra com alegria que foi princesa das Festas de Agosto, quando ainda morava com sua mãe, no Bairro Morrinhos. Lembra-se dos catopês chegando para buscá-la para o cortejo. Vestida de azul em devoção à Nossa Senhora do Rosário, atravessava a cidade com imensa alegria. Na vida adulta trabalhou em escolas públicas como cantineira e hoje aposentada organiza excursões para santuários, a fim de agradecer a graça de chegar aos 95 anos.

Pequenas histórias de grandes mulheres foi o que encontrei no meu entorno. Mulheres trabalhadoras de todas as classes, que desempenharam papel importante na transformação social da região norte mineira, no século passado.

Concluo com o pensamento de dois mestres, Ecléa Bosi (1998) que diz: “É no coração desse tempo – denso como um cristal – que a memória não só se enraíza, mas fala.” A sua fala é a narração: memória de velhos, memória de obras, memória: ventre da alma. E Carlos Rodrigues Brandão (1998) arremata: “O sertão às vezes fala por si mesmo, de tal maneira, que ele pode vir sozinho entre dois pontos, como se fosse uma frase completa: “Sertão.”

Às mulheres sertanejas que tive a honra de entrevistar nessa longa jornada trabalhando com história oral, só posso dizer: Vocês terão para sempre o meu respeito e a minha gratidão. Essa crônica é dedicada à Maria Inês Gonçalves Leite.

* Marta Verônica Vasconcelos Leite é professora, pesquisadora e escritora

REFERÊNCIAS

- BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Memória/Sertão. São Paulo: UNIUBE, 1998.

- DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. (Org.) São Paulo: Contexto,

2007.

- BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembraças de velhos.São Paulo.Comp.das

Letras.1994

- LEITE, Marta Verônica Vasconcelos. Arte de viver. Montes Claros: Unimontes, 1998.

- THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira.

Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992.

 

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Imagem da Galeria Marta Verônica é de Montes Claros e integra a Academia Feminina de Letras; tem vários livros publicados
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