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A energia solar e a eólica são vendidas como eco-friendly, enquanto a energia hidrelétrica. CRÉDITOS: Freepik
21-02-2025 às 09h59
Pedro Henrique R. Cardoso*
Vivemos um momento em que a retórica se sobrepõe à argumentação. E a polarização, usada como técnica, torna o bom senso uma moeda escassa. O setor elétrico não foge desse cenário.
Discursos vazios, sem fundamentos técnicos, mas agradáveis aos ouvidos certos, muitas vezes dominam o debate e invadem nossas redes sociais.
Muitos esquecem que o Setor Elétrico Brasileiro é uma cadeia interdependente, que funciona como um organismo vivo, literalmente um Sistema Interligado Nacional, que só pode operar de forma harmônica. Desculpem o trocadilho.
Os dois grandes protagonistas do setor, atualmente, são a Geração Distribuída (GD) e o Mercado Livre Varejista. Para o cidadão comum, “Fazenda Solar”, “Abertura do Mercado Livre” e “Desconto garantido no Mercado Livre”.
Não por mera coincidência, os dois trending topics do SEB são “Energia solar só pode gerar à noite” – a polêmica da inversão de fluxo de potência nas distribuidoras – e “ONS corta geração de eólicas e solares” – a insegurança do Brasil em relação aos investimentos em energia renovável.
A Geração Distribuída (GD) muitas vezes aparenta não ocupar um espaço legítimo na mesa de discussões do setor elétrico, sequer reconhecendo a existência do Operador Nacional do Sistema (ONS) em seus posicionamentos. Em vez disso, coloca as distribuidoras de energia como vilãs, alegando que elas dificultam a aprovação de novos pareceres de acesso para a construção de novas fazendas solares.
Nada é dito sobre os incentivos fiscais e subsídios, que são pagos pelos consumidores cativos, através de uma Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) crescente – semelhante a um cheque especial sem limite. Nem mesmo sobre como a energia chega nossas casas, e quem vai nos “salvar” quando ficamos sem luz.
Já no Mercado Livre de Energia (ACL), o grande algoz é o Operador Nacional do Sistema (ONS), que “corta” a geração dos grandes parques, reduzindo suas receitas e, consequentemente, o valuation dos projetos.
Mais uma vez, os subsídios concedidos na demanda contratada e na TUSD – que compõem grande parte dos descontos ofertados aos novos clientes na abertura do mercado – são arcados pelos consumidores cativos, dentro da mesma Conta CDE. Haja limite no cheque especial!
Oferta e demanda, risco e retorno, parecem ter deixado de ser princípios econômicos básicos nos dois casos. O foco, na maioria das vezes, está no crescimento individual dos negócios, sem considerar o impacto sistêmico.
Essa postura me lembra o tabagismo: justificamos a necessidade da nicotina, ignorando que essa necessidade nasce da dependência criada e das consequências de longo prazo do seu uso indiscriminado. Falo isso como fumante assíduo. E fumar é gostoso que só.
Falando nisso, é inegável que as renováveis desempenham um papel fundamental na transição energética, trazendo benefícios não apenas para o setor elétrico, mas também para o desenvolvimento econômico e social.
Sua expansão exponencial tem contribuído para a descentralização da geração e para a maior resiliência do sistema elétrico. Durante as crises hídricas, como a de 2021 e de 2024, contribuíram para minimizar o acionamento das usinas térmicas, reduzindo custos ainda maiores, além das emissões de poluentes.
É inegável que grande parte desses empreendimentos é instalada em regiões de baixo IDH, gerando empregos, impulsionando a economia local e promovendo inclusão social – um exemplo de capitalismo de stakeholders.
A diversificação e descentralização da geração fortalece a estabilidade do sistema, e reduz a necessidade de grandes investimentos em infraestrutura de transmissão.
Há muita verdade em todos os argumentos. Mas algumas perguntas permanecem no ar.
Quais os desafios ATUAIS do setor elétrico? Da Aneel, do ONS, do MME, da EPE, das distribuidoras e dos agentes?
Qual o papel das distribuidoras, e como elas são remuneradas?
As renováveis sobrevivem sem incentivos fiscais e subsídios?
Quem paga pelos subsídios e incentivos fiscais das renováveis na GD e no ACL?
O que é tarifa preço horário? Como é definido os reajustes das tarifas?
O consumidor cativo é compulsoriamente obrigado a arcar com uma CDE cada vez maior?
Existe demanda SIMULTÂNEA para toda a oferta de energia renovável?
Sem as renováveis, como enfrentaríamos o período seco?
Como o ONS vai despachar o sistema com a maior participação de geração não despachável?
A energia solar e a eólica são vendidas como eco-friendly, enquanto a energia hidrelétrica – a bateria do nosso SEB – está cada vez mais fora de moda.
No final das contas, não existe pílula mágica nem fórmula pronta. Se você, leitor, estava esperando uma receita de bolo ou uma opinião definitiva minha, sinto muito, mas acabou perdendo seu tempo. No máximo, sobraram dúvidas.
Mas algo é certo, enquanto discutimos, o “pato” do sistema elétrico está cada vez mais encurvado, sobrecarregado, cansado de carregar tantos “jabutis”. E no final, adivinhe quem vai pagar o pato?
Talvez seja hora de parar de discutir o sexo dos anjos. O mundo é maniqueísta. O setor elétrico precisa de um debate mais técnico e pragmático – e menos “Fla-Flu”.
- ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) é a entidade responsável por coordenar e controlar a operação do Sistema Interligado Nacional (SIN), que é a rede de transmissão de energia elétrica do Brasil. O ONS tem a tarefa de garantir a segurança e a confiabilidade do fornecimento de energia elétrica em todo o país, equilibrando a oferta e a demanda de energia, além de coordenar a operação das usinas e das linhas de transmissão. Ele é responsável por definir quando e como as usinas devem gerar energia para atender à demanda de consumo de forma eficiente e segura.
**CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) é uma conta criada pelo governo federal para financiar políticas públicas relacionadas ao setor elétrico, com o objetivo de promover o desenvolvimento do setor e garantir a modicidade tarifária para os consumidores. Ela arrecada recursos de diversas fontes e os repassa para financiar programas de subsídios, incentivos fiscais e outras iniciativas do setor elétrico, como a universalização do fornecimento de energia e o incentivo a fontes renováveis de energia.
A CDE é paga pelos consumidores de energia elétrica por meio de uma tarifa adicional na conta de luz, sendo um mecanismo que distribui os custos de políticas públicas do setor entre todos os consumidores, mas acaba pesando principalmente sobre os consumidores cativos (aqueles que não têm opção de escolher seu fornecedor de energia).
*** O consumidor cativo, de acordo com a definição técnica, é aquele que está atendido por uma distribuidora de energia elétrica de forma obrigatória e exclusiva, não tendo a possibilidade de escolher outro fornecedor de energia. Esse tipo de consumidor faz parte do mercado regulado do setor elétrico e está sujeito às tarifas definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), com base nos custos de distribuição e os encargos do sistema elétrico.
*Pedro Henrique R. Cardoso é economista, administrador e especialista em energias renováveis