Créditos: Reprodução
28-12-2025 às 09h34
Giovana Devisate*
Uma vez me falaram que existem poucas coisas no mundo que são capazes de denunciar a passagem do tempo, como as árvores. Elas registram muito da sua trajetória no seu próprio corpo. Isso, para mim, tem muito significado, porque me interesso muito sobre a memória e o tempo e algumas coisas que não são táteis, nítidas ou visíveis, embora sejam fundamentais nas nossas vidas.
Sobre as árvores, existe uma ciência que estuda os seus anéis de crescimento, chamada dendrocronologia, com a qual pode-se datar fases, criar cronologias, entender a história da região onde a árvore se encontra e avaliar mudanças ambientais ao longo do tempo.
As características dos anéis indicam coisas diferentes: os mais largos indicam períodos mais favoráveis em relação a água e a luz, enquanto os mais estreitos indicam fases mais escassas ou de seca. A cor de cada anel varia conforme o crescimento da árvore nas estações ao longo do ano. Elas também carregam marcas que entregam aos pesquisadores determinadas dores da sua trajetória, como cicatrizes relativas a incêndios e ataque de insetos ou relacionados a eventos como terremotos e tsunamis.
Este é o último artigo do ano… Quantos temas passaram por aqui? Quantas leituras e pesquisas não precisei fazer para escrever os mais de quarenta artigos que entreguei ao longo de 2025? Quanto tempo de dedicação, de escrita, de digitação, de revisão? Quantas reflexões passaram por meus pensamentos?
O ano inteiro passou rápido, ligeiro, como quem corre para o ponto antes que o ônibus parta. A gente vai se despedindo, mais e mais a cada dia, de nossas versões passadas, enquanto abre espaço para novas versões que só podem chegar se decidirmos abrir mão de coisas que não ressoam mais.
Humanos e árvores têm uma relação intrínseca e vital: oxigênio, remédio, alimento, regulação de temperatura e etc. Aprendemos isso na escola, ainda crianças, então não é novidade nenhuma. Porém, enquanto escrevo, penso que a nossa relação talvez não se sustente apenas nesses fatos. Acho, hoje, que os humanos e as árvores, na realidade, não são tão diferentes, porque cada ano também cria marcas na minha pele, na minha casca, enquanto cada artigo escrito também pode funcionar como um anel para mim.
A gente registra coisas o tempo inteiro e algumas histórias são incansavelmente recontadas. Quando pensamos nos nossos costumes de Natal, que cada família vai adaptar à sua região e realidade, vemos que sempre existem signos em comum. A árvore de natal, a estrela, as luzes, nada é enfeite: são imagens que atravessaram gerações e carregam muito significado. A gente nem precisa escrever sobre como funcionam as coisas nessa época, porque já é do conhecimento geral.
Ainda assim, existem registros, mensagens, cartas, e-mails, imagens e inúmeras formas de contar essa história que nos foi passada e que continuaremos passando, geração a geração. Muita gente anda registrando isso e outras coisas que já conhecemos, mas quem registra a conversa de bar? Quem reflete sobre a fala sutil e inocente de uma criança, sobre uma obra de arte, sobre uma boa comida, sobre a sensação de entrar no mar, sobre sustentabilidade com o coração?
Registro no tempo do tempo, do que passou e do que fica. Escrevo e logo marco os tempos, os sentimentos, os fatos, dos mais pessoais aos menos pessoais. Memória com gosto, opinião, achismo, certeza. Então começo a salpicar um pouco de conhecimento de mundo, de leitura, de gente que vi, que ouvi, de histórias que li. Eu sou uma imensa mistura disso tudo e mais um pouco. O que escrevo aqui, também.
Por causa de mim, da minha posição como escritora, me sinto um pouco pesquisadora do tempo através da metáfora dos anéis das árvores, tentando decifrar coisas que nunca saberei ao ler um livro: como viveu e cresceu o autor, quais as experiências que moldaram a sua vida para que, em algum momento, pudesse escrever as suas coisas?
Conheço poucos escritores. Alguns professores meus, nas duas universidades pelas quais passei, tinham livros publicados, mas ninguém com quem tive muito contato a ponto de saber detalhes da mente, da relação com a leitura e com a escrita ou outras coisas mais pessoais. Tirando eles, tem o meu pai, que realmente gosta muito de escrever.
Em tempos de IA, quem persiste na escrita, assim, humana, registra a vida à sua maneira… Há quem escreva por necessidade, por fama, por dinheiro, por urgência, por justiça social, por sentimento e pela necessidade desesperadora de criar realidades paralelas. Às vezes, não há justificativa, mas os escritores têm um perfil, sobre o qual Rosa Montero fala muito bem em seu livro “O perigo de estar lúcida”.
O que sei e posso dizer com propriedade é que habitam vozes na mente de todo escritor, que alivia a inquietude com as palavras que decorrem das mãos, dos dedos, da tinta da caneta ou das teclas do teclado.
Outro dia, me perguntaram se eu gostava de escrever em jornal, se eu curtia. De imediato, prontamente, com um sorriso, eu respondi que sim. Quem escreve com o coração, faz mesmo porque ama!
Andei pensando, depois, que só é possível escrever do jeito que escrevo, sobre os temas que me ocorrem, porque estou viva, porque experimento, porque leio, porque atravesso as minhas fronteiras e as do mundo, subjetivas e geográficas. Também, porque estou atenta ao que acontece ao meu redor, enquanto escuto as vozes inquietas da minha cabeça… Nem sempre os artigos são incríveis, mas sempre nascem da ponta dos meus dedos, vindo direto da minha mente e do meu coração. O que sei e o que vivo aqui, de verdade, para vocês.
Por ser o último do ano, revisitei alguns, reli uns títulos. Em época de análises de fechamento de ano, chegam arrependimentos e ocorrem reflexões sobre a própria vida, sobre os erros e sobre os acertos que nos trouxeram até aqui. Olho para trás sempre que posso, porque é partindo desses tijolos que posso visualizar em que lugar colocar o próximo, mas sem perder tempo e sem me perder no caminho.
O tempo que passa para você, passa para mim e para a árvore no fundo do quintal. Aqui, tem um pé de caju gigante que virou casa de muitas bromélias e de vários pássaros. Espero que todos eles deixem boas marcas na história de vida do cajueiro. Não quero que, em 200 anos, algum pesquisador diga que a árvore do meu quintal sofreu.
Sobre nós, que possamos renovar as esperanças. A vida é boa e o prazer de escrever me traz aqui. Espero que você fique pelo prazer, também, de ler o que eu e os meus colegas escrevemos e que os nossos textos possam provocar boas reflexões. Feliz 2026!

