
O preço da democracia é a eterna vigilância - créditos: divulgação
01-07-2025 às 08h49
José Aluísio Vieira*
Democracia Não É um Dado, É uma Escolha Diária
Vivemos tempos onde a palavra “democracia” é usada com frequência, mas compreendida com superficialidade. Muitos a defendem, poucos a exercem com consciência plena. Em sua essência, democracia é processo contínuo, não ponto de chegada. E como tal, exige atenção, maturidade política e senso de responsabilidade coletiva.
A máxima — “O preço da democracia é a eterna vigilância” — não é apenas uma advertência: é uma convocação. Porque a liberdade política, se não for cuidada, não desaparece de uma vez. Ela se esvai aos poucos, pelas mãos de líderes sedutores e pela complacência de sociedades distraídas.
A Nova Face das Ameaças: Não Mais Tanques, Mas Likes
As democracias contemporâneas não estão mais sendo destruídas por golpes clássicos. A destruição, agora, vem de dentro do próprio sistema: por meio de manipulação da linguagem, do uso político da fé, da erosão das instituições, da disseminação massiva da desinformação.
A tecnologia ampliou o alcance do populismo. Tanto a mídia mainstream quanto as redes sociais transformaram a política em espetáculo, substituindo a profundidade por slogans, a dúvida crítica por certezas inflamadas. O algoritmo virou palanque. E o cidadão, muitas vezes, virou rebanho.
O Culto à Personalidade e a Morte da Razão
A democracia morre toda vez que se substitui o debate pelo dogma. Quando líderes se tornam figuras messiânicas, inalcançáveis ao erro, não há mais espaço para o dissenso saudável — apenas para a adoração cega ou o silêncio cúmplice.
A política brasileira, marcada historicamente por personalismos, encontra terreno fértil para esse tipo de relação. O problema não é a existência de líderes populares — mas a ausência de cidadãos críticos capazes de separar carisma de competência, promessa de projeto.
Moralismo, Medo e a Religião como Ferramenta de Poder
A mistura entre religião, moralismo e política é explosiva. Quando a fé — dimensão íntima e sagrada — é usada como instrumento de controle e justificação de políticas públicas excludentes, o pluralismo democrático é ferido.
Essa tática não é exclusividade brasileira. Como mostrei em artigo anterior (Brasil em Alerta: Democracia, Populismo e os Espelhos do Mundo Contemporâneo), países como Irã, Turquia, Hungria, Polônia e Índia seguem essa cartilha, cada qual com sua roupagem local.
O Brasil, marcado por uma crescente presença religiosa na política, deve perguntar a si mesmo: estamos construindo uma república plural ou uma teocracia disfarçada de democracia?
A Erosão Silenciosa das Instituições
O ataque à democracia raramente começa com atos espetaculares. Muitas vezes, começa com pequenas mudanças: uma lei aprovada às pressas, um juiz desacreditado, um jornalista intimidado, uma narrativa que vira “verdade oficial”.
As instituições resistem — mas não são indestrutíveis. Precisam de oxigênio: transparência, participação, imprensa livre, educação cívica. Quando as instituições não são defendidas por seus próprios cidadãos, tornam-se alvos fáceis para os que desejam capturá-las.
Vigilância como Dever Democrático
Vigiar, no contexto democrático, não é acusar. É questionar, investigar, participar, resistir à preguiça intelectual. A vigilância não cabe apenas à imprensa ou ao Judiciário — ela começa no cotidiano: na sala de aula, na conversa de bar, no voto consciente, no consumo crítico de informação.
A verdadeira cidadania se exerce todos os dias — não só nas urnas, mas nas escolhas éticas, culturais e sociais que fazemos constantemente.
Considerações Finais: O Alarme Está Soando. Quem Vai Acordar?
Não estamos condenados, mas tampouco estamos seguros. A história está repleta de nações que acreditaram serem imunes ao autoritarismo — até que perderam a liberdade e foram submetidos à ditadores.
A democracia é imperfeita, lenta, por vezes frustrante. Mas é ainda o único sistema que permite corrigir seus próprios erros sem recorrer à violência. Preservá-la não é uma questão de ideologia, mas de sobrevivência civilizatória.
Se há um legado que podemos deixar às próximas gerações, é este: a liberdade exige coragem. A democracia exige vigilância. E o futuro depende da nossa lucidez agora.
*José Aluísio Vieira é Consultor empresarial especializado em educação financeira