
Em certas circunstâncias, ao se tentar inventar uma coisa descobre-se outra diferente da inicialmente pretendida. CRÉDITOS: Freepik
Getting your Trinity Audio player ready...
|
27-03-2025 às 10h19
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
Vários fatores compõem a vida humana: o projeto, desenho de algo que se pretenda realizar é indispensável, porém, entra na equação, o acaso, o não linear, jogos de sorte. Enfim, o que é colocado diante do sujeito de modo fortuito, não planejado. O resultado de um acontecimento episódico não é componente desprezível ao longo de uma vida.
Desta feita, não se está afirmando que ter planejamento em alguma medida não seja salutar e desejável, claro que é, porém, às vezes, a vida segue outras direções e é gesto de sabedoria lidar com o imprevisível da forma mais proveitosa.
É demonstrativo de perspicácia entender que nem tudo que sai do planejado é motivo de desespero. Mudanças de rota podem ser oportunidades de aprendizado, abertura de novos caminhos e oportunidades. Causa espanto, aquele sujeito que detém certezas demais, de tudo. Igualmente, é preocupante quem nunca planeja absolutamente nada. A vida se compõe de continuidades e descontinuidades, planejamentos e acasos.
Alguns avanços científicos se deram de modo inesperado, outra parte contou com planejamento e experimentação. Em certas circunstâncias, ao se tentar inventar uma coisa descobre-se outra diferente da inicialmente pretendida.
A gestão e sistematização de uma pesquisa acadêmica, por exemplo, deve pressupor margem para um certo tempo de qualidade para que acontecimentos não previstos se mostrem. Assim, é indispensável, cultivar momentos para insights, subjetividades, intuição. Situações objetivas se enriquecem com acontecimentos subjetivos.
O acaso, apresenta resultados, vez ou outra, interessantes. Não obstante, é pouco crível não planejar, em certa medida, as consequências dos acontecimentos. Mas projetar absolutamente tudo que pode vir a acontecer é, inclusive, entediante.
Cotidianamente, acontecimentos, se dão de modo inesperado, ocasional, de repente, sem intenção ou imposição das circunstâncias, trazendo novos vieses e oportunidades de transformação.
Desta feita, também é significativo, por exemplo, dar espaço para aprendizados não previstos ou planejados, saberes diversos. Conversar com pessoas de outras áreas sobre assuntos a respeito dos quais não se tenha domínio, realizar trabalhos referentes a temas distintos da própria formação, permitindo-se, assim, elastecer as circunstâncias de aprendizado.
É componente valioso, reservar tempo ocioso para contemplação, pois normalmente, é neste contexto que se encontram elementos ou ideias não procuradas ou planejadas, mas que podem ser extraordinárias. A vida conduz. Ademais, é absolutamente inviável, crer na possibilidade de planejamento total e irrestrito. Tudo sai dos contornos em algum momento e extravasa as margens e bordas.
Todo o propósito creditado em uma vida não pode ser absolutamente encaixado num planejamento estéril, viver representa a soma de variáveis não previstas. Por exemplo, é interessante levar em conta, a intuição que escapa à ideia de uma consciência racional, porém, é preciso cuidado para não dar espaço demais para crendices e tolices.
A intuição, em certas ocasiões, propicia manifestações criativas. Acredita-se que seja fruto de raciocínios rápidos, oriunda de observações e experiências não consolidadas ou percepções calculadas.
A mente humana corresponde, segundo muitos creem, na junção de uma capacidade analítica, racional e outra intuitiva, capaz de conceder uma espécie de adaptabilidade. Nem tudo necessita ser explícito, deliberado. Impressões e percepções podem escapar a uma explicação puramente racional.
Viver traz o aprendizado de conhecimentos também intuitivos para quem aguça a própria percepção interior. Ademais, certas reações automatizadas, primitivas e instintivas, necessitam ser racionalizadas e até coibidas.
Enfim, as circunstâncias e acontecimentos que escapam a uma racionalidade e objetividade refletem experiências não previstas, que retiram o sujeito de seu suposto escopo de segurança. Portanto, um olhar para o não planejado, para a potencialidade do não linear e riqueza do imprevisto “pode ser” valioso e surpreendente.
* Daniela Rodrigues Machado Vilela é doutora, mestra e especialista em Direito pela UFMG.
Residente Pós-doutoral pela UFMG / FAPEMIG. Professora convidada no PPGD-UFMG. Diletante na arte da pintura.