O meu espírito é cigano
Eles são humanos como qualquer um de nós e ninguém tem o direito de torná-los vilões se não tiver uma prova concreta. Os vilões estão às soltas em todas as sociedades.
17-02-2024 às 07h:37
Alberto Sena*
Depois de ler o artigo assinado por Roberto Toncheff Junior, nas redes sociais, sobre a controvertida origem do povo cigano, me senti compelido a fazer uma incursão à arca da velha a fim de buscar lembranças dos rabichos de conversas dos adultos sobre a idoneidade dessa gente.
Quando menino ouvi as mais mirabolantes histórias sobre ciganos, mesmo porque muitos deles se aportavam em Montes Claros, e o mínimo ouvido era: “Cuidado, eles roubam crianças”. E teciam porção de histórias, como se os ciganos fossem a escória da Humanidade.
Para mim, eles são humanos como qualquer um de nós e ninguém tem o direito de torná-los vilões se não tiver uma prova concreta. Os vilões estão às soltas em todas as sociedades.
Particularmente, aprecio o jeito cigano de ser. Fico fascinado com a liberdade deles de estarem em muitos lugares, o que, imagino, dá-lhes uma rica experiência de vida.
Gosto das músicas e do jeito como eles dançam. Aprecio a vestimenta cigana. Mas o que mais me chama a atenção é o elã misterioso que carregam em si.
Eles são mágicos por necessidade, desde os primórdios, quando então, imagino, descobriram o quanto podem cativar outros por meio das emoções primárias. Gente vivida essa. O planeta é a pátria.
Todos nós sabemos que o futuro só a Deus pertence, mas qual humano não correria o risco de cair na lábia, nos encantos e no poder de “ler o futuro”, prometido por ciganas que exercitam o poder da quiromancia, pela leitura das linhas das mãos?
Houve uma vez, lá em Montes Claros, que um grupo de ciganos acampou próximo de casa, e ao levantar acampamento, o meu irmão Waldyr, encontrou um garfo de tamanho médio, parecia ser de prata deixado por eles. Devolver não podia, porque tinham ido embora. Ele, então, se apoderou do garfo. Mamãe ferventou o garfo e dele o irmão serviu durante muito tempo.
“Esse garfo é do Waldyr” – lá na casa dos meus pais todos sabiam. E contavam a história para os que lá em casa apareciam. Isso e muito mais, que não convém espichar nesta ocasião, a gente sabia dos ciganos.
O artigo referido no início suscitou as lembranças e hoje posso dizer, me identifico muito com eles, e o fato de ter feito a pé o Caminho de Santiago de Compostela**, na Espanha, duas vezes, 1.300 quilômetros somados; quatro vezes a pé o Caminho da Fé, 1.200 quilômetros somados, rumo ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida (SP), grosso modo, posso achar o meu espírito semelhante ao cigano porque a cada dia a gente dorme em um lugar.
*Jornalista e escritor
**Autor do livro “Nos Pirineus da Alma”, que pode ser enviado aos interessados pelos correios
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