Anos mais tarde vim a conhecer naquela então fábrica, sentindo-me honrado pela deferência por ter me recebido, o “visionário” homem, Oziris Silva.
15-12-2024 às 09h39
José Altino Machado*
Meados dos famosos anos sessentas. Tantos avanços, “trens ruins” e “trens bãos” que só. Foi em princípio deles que me casei, embora até hoje, não saiba em qual deles embarquei… mas foram extremamente ativos. Sociedade, exércitos e jovens estudantes nas ruas.
Rio de Janeiro, Departamento de Aviação Civil. Presente, chamado convocado, entre muitos, pelo Brigadeiro maior do pedaço. Assunto: aviação geral, importação de aeronaves etc. etc.
Dizia o azul bem estrelado, que deveríamos discutir mudanças nas importações dos ditos cujos, aceitando a exclusividade de entrada de um só fabricante norte americano e que seria montado no Brasil.
Segundo a autoridade, discutiríamos os caminhos de chegarmos a ter, no país, uma fábrica de aviões.
Nesta ocasião, a frota nacional de papa tangos na geral era composta de mais de três mil e trezentas aeronaves Cessna’s e Beechtcrafts.
Aviação na Amazônia, somando 730 unidades, possuía 90% das costumeiras marcas aprovadas
Piper’s eram pouquíssimos e detestados. Ruim todo. E pior, fama de sempre fazer churrasco de pilotos; pegava fogo com acidente mínimo.
Aviação na Amazônia, somando setecentos e trinta unidades, possuía 90% das costumeiras marcas aprovadas e preferidas. De Piper, o que diziam bão deles, já ganhara o apelido de “mata sete”. Por ter sete lugares.
E era este a cabeça dos estopins que viriam. A discussão que promoveríamos ali, me pareceu para dar mesmo, só uma comunicação de comando.
Protestei com humilde arrazoado, logico. Percebi a inutilidade da discussão, se tudo dito já era dado como resolvido. Ainda assim preconizei, a vocação nacional será o Campo, por que não investir nele? Fui olhado com severidade e desdém…
E assim tudo começou. Lá vinha a fábrica de aeronaves brasileira. Como sempre, muito subsídio, financiamento, algo parecido com a lei Rouanet, bom percentual do imposto de renda de cada contribuinte nacional.
Anos mais tarde vim a conhecer naquela então fábrica, sentindo-me honrado pela deferência por ter me recebido, o “visionário” homem, por trás de toda aquela intenção que já mostrava sua realidade.
Oziris Silva…
Intimamente pensei, “então foi esse sacana que nos fez ficar a reformar Cessnas e Beetchs tantos anos sem direito a novos”? Mas, passou… ele realmente vendia e doava credibilidade.
Ainda um tanto chateado pelas interferências quanto as asas, pensei até em adverti-lo que caluda tivesse, por que no sucesso promissor, acabariam por privatizá-la, sendo comprada por paulistanos sabidos, que não tendo a cabeça nos ares como tínhamos a venderiam por bom dinheiro.
Década de 80, Wichita, Kansas- US. Fábrica da Cessna Aircraft. Lá convidado que era, representava a aviação amazônica para prestigiar o lançamento no mercado do turbo hélice Caravan.
Presentes, o Presidente da empresa, CEO, acompanhado do vice-presidente, que me convidara, Mr. Garrison, dois engenheiros aeronáuticos da casa, e um piloto colega companheiro de anos a fio nos céus brasileiros, Alaor Gomes Leal.
Dois notáveis acontecimentos naquele encontro. Um deles tragicômico. Falando em pé, fui me aproximando da janela frontal do prédio e pude imediatamente perceber, que tremulava num mastro, onde mais alto se encontrava a bandeira norte americana, bandeira da própria Cessna. Interessante, de cabeça para baixo.
Bocudo, pois poderia ter ficado na minha, inadvertidamente, apontando o pendão e rindo da situação disse “lá vai a Cessna de cabeça, ladeira abaixo”. Pra que?
Chamado o superintendente RH, foi o “bandeirista” posto portão a fora na hora. Sem a praticidade americana e com sentimento latino, o remorso quase me mata.
Procurando amenizar o mal-estar criado, por minha indevida denuncia, como usuário Cessna, ousei criticar a imposição de nosso governo favorável à Embraer, de aeronaves não adequadas em nossas vidas e trabalho. Pra que outra vez?
Tanto o Presidente quanto o Garrison, em uníssono replicaram: “Durante nossas fracassadas tentativas de negociação, aquele homem, Ozires Silva, nos levou a um enorme terreno baldio em cidade próxima a São Paulo, e nos disse, AQUI TERÀ UMA FABRICA DE AVIÕES. E HOJE TEM. Homens assim são poucos” disseram concluindo.
Acabrunhado, restou-me a compreensão de que estava cego por minhas contrariedades…
Anos das boas músicas os setenta. Neles ainda regime e direção militar, lá estava o General Geisel.
Indignado com a acomodação nacional do Campo brasileiro, chama a seu comando o então secretário de Agricultura mineiro Allyson Paulinelli, conjuntamente com o presidente da EMBRAPA na ocasião e questiona o pouco avanço da agricultura nacional.
Allyson e o dirigente da Empresa Brasileira e Pesquisa da Agropecuária, parecendo haver combinado, logo respondem:
“Plantamos e trabalhamos o campo tal qual desde o tempo do império brasileiro. Nos faltam os exercícios dos bancos de escolas à agropecuária”.
Isto posto, Nação à frente, e quase oito mil bolsas de estudo, dirigidas à atividade no exterior e outras tantas por aqui mesmo.
Hoje, nosso país alimenta 1/8 da população mundial. Um Brasil, fenômeno que poucos conhecem, principalmente homens em cargos executivos, nomeados por compadrios políticos.
Cadê Allyson Paulinelli? Morto…esquecido.
E esta EMBRAER de hoje, que acionistas à parte, encanta o mundo com seus produtos tem feito honrar o passado de Ozires Silva. Sua realização e seu sonho. Como disseram “homens assim são poucos”.
Cadê Ozires, vivo, bem vivo, sem merecer, entretanto, tributos da fraca memória nacional. Ele mesmo, antevendo futuros de homens como ele disse em uma famosa entrevista: “os brasileiros são os próprios destruidores de seus maiores valores”.
Realmente, devemos mesmo concordar com ele. No passado, o Imperador romano Teodósio disse que “nem sempre o povo é o melhor juiz de seus líderes”.
Eita Brasil… avançou, cresceu e desenvolveu demais, tocado por homens, como Allyson e Ozires. Respeitando o necessário regime democrático, nosso voto tem permitido que assuma a mediocridade. E o produto desse nosso voto, nunca mostra ou convive com a qualidade que nossa Nação.
Esta semana foi realmente fora de série. Torceu-se muito. Botafogo, cuja torcida cabia em uma antiga Kombi, agigantou-se, torceu e sonhou. Deu errado. Nosso vice, aquele do acerto com governador paulista, torceu, torceu, torceu, também está dando errado.
Não sabemos se ambos ou todos alvinegros, mas com certeza o Brasil merece o lado brilhante de nossa gente.
Que se faça a luz!!!
Belo Horizonte/Macapá
*José Altino Machado é jornalista