Créditos: Reprodução
27-12-2025 às 09h32
Rogério Reis Devisate*
A Revolução Francesa é um capítulo da história a ser sempre revisitado, quando pensamos nas lutas pelo poder. Aquele período mudou o mundo, com as muitas cabeças cortadas pela guilhotina e a implantação do regime do Terror, seguido pela ascensão de Robespierre e dos seus apoiadores, que tanto praticaram abusos na defesa da sua visão de República, até que o próprio fosse morto.
Robespierre é um personagem interessante. No início, foi um deputado obscuro. Suas propostas iniciais ecoaram mais pela voz autoritária de Mirabeau, animada por seus sarcasmos contra os condescendentes. Com o tempo, Robespierre se destacou. Em certo momento, alguns pediram clemência para com o Rei Luís XVI. Mas, agitados por Robespierre e outros, levantou-se a bandeira da intolerância e, com postura sem perdão (do tipo “sem anistia”), decidiram pela morte do rei (que estava preso e não mais governava) como um símbolo para a causa da revolução. A propósito, consta que era alta a popularidade do rei, o que fez com que os opositores logo o executassem e o retirassem de cena, para criar o fato consumado e fixar no imaginário do povo o poder infinito dos líderes da revolução.
Aliás, por isso e com isso, foi dito que o povo havia “desembarcado numa ilha nova e incendiado os barcos que os levaram até ela”, pois a previsibilidade jurídica se perdeu e reinou a vontade do grupo dominante. Para este texto, é interessante destacar dois momentos. O Grande Medo (uma espécie de vale-tudo pelo poder) desestabilizou tanto a França que logo se voltou contra os seus próprios “instigadores”, como ensina Georges Lefebvre. Além disso, havia uma espécie de Estado-maior de Robespierre, grupo que não tinha oposição direta e que, de tanto concentrar poder, se isolou. Havia muitas pessoas alarmadas com o poder que eles acumulavam e com aquela violência e intolerância, que contava com vigilância extrema por meio das patrulhas que percorriam as ruas e colocavam a liberdade sob ameaça, fosse de reunião, de imprensa ou de palavras. Havia censura e autocensura, porque o medo era uma constante. De repente, houve rápida reação e Robespierre e o seu grupo foram executados.
Por trás dos jogos visíveis, é crível que os verdadeiros donos do poder não querem aparecer e não se deslumbram com cargos. Costumam fazer acordos de ocasião e usar e jogar fora os que crescem demais a ponto de atrapalhar os seus planos. É algo como mudar as cartas para que tudo permaneça sob o seu comando ou mudar os jogadores para não se perder o controle do jogo.
Por aqui, assistimos com atenção e preocupação os três temas da ordem do dia: (1) as condenações pelo 08 de janeiro, (2) a iniciativa do Congresso com o projeto de lei da dosimetria e (3) a liquidação de um banco com a prisão do ex-banqueiro e a iminente acareação que foi determinada pelo Supremo Tribunal Federal.
Curiosamente, parece que a defesa de aspectos ligados ao banco liquidado mais interessa a correntes de bombordo do que de estibordo. Enquanto isso, o navio segue o “seu rumo, meio sem rumo”, tendo algo de dramático ou de comédia, com toques do filme E la nave va, dirigido por Federico Fellini.
São tempos curiosos. As mensagens instantâneas e sem profundidade parecem ter a mesma legitimidade da palavra de grande autoridade. Acredita-se em tudo. A interpretação dos textos é superficial e o senso crítico parece muito influenciado pelo desejo íntimo de se provar uma tese por vaidade ou defesa de um time ao qual se insiste em pertencer. A verdade parece que pouco interessa. Quando cada um acredita no que quer, o óbvio ululante de Nelson Rodrigues parece ser ofensivo. Outro dia ouvi alguém criticando duramente o neoliberalismo e fazendo previsões do que fariam prováveis candidaturas futuras, mais vistas como de direita, como não ser contra a reforma administrativa e ter vocação para o mercado com juros elevados e voracidade tributária. Confesso que tive dificuldades em dissociar a previsão do que já temos no presente.
Agora, teremos iminente e curiosa acareação, já determinada pelo Supremo Tribunal Federal, entre o ex-banqueiro de banco já liquidado, o ex-dirigente de banco e o diretor de fiscalização do Banco Central. Será que isso não afetaria a imagem sólida e a independência do Banco Central? Será que isso não questionaria o órgão fiscalizador já a partir do momento em que se o confronta com o investigado? A propósito, enfraquecer o Banco Central equivale a debilitar a segurança do sistema de controle estatal e desanimar a população, que confia num órgão bancário central e independente. Essas são perguntas naturais e que, com variações, devem estar circulando nas mentes de muitos.
A acareação é procedimento legal, previsto no Código de Processo Penal: “Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.” Esta regra é complementada pelo teor do seu Parágrafo Único, que diz: “Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.”
A questão que nos chama a atenção é a mesma que deve estar tirando o sono de alguns, relacionada menos à oportunidade processual de já se fazer a acareação do que o que poderá ocorrer, de fato, na confrontação das versões que vierem a ser apresentadas por cada um, “ao vivo e a cores”. Será que, com isso, se imagina abrir uma espécie de Caixa de Pandora, para se expor o seu conteúdo, que guardaria todas as desgraças? No mito, a curiosidade se fez querer ter o conhecimento do que estava contida na caixa. O citado mito grego e a história de Eva nos advertem sobre os perigos relacionados à curiosidade sem controle e ao imprevisível que pode surgir e gerar o caos.
Transformar-se-ia a acareação num momento para abordagens tão abrangentes, a ponto de considerar, também, dois dos assuntos que têm tomado as redes e os jornais, como o alto valor de contrato de honorários e as supostas ligações que se cogitou terem sido feitas ao Banco Central sobre o mesmo banco liquidado? Isso foi previsto?… é tema que pode surgir na acareação, mesmo que não seja objeto de pergunta direta, a partir do momento em que alguém fale algo a respeito.
Ora, dependendo do que surgir e das versões e provas, pode ser uma bomba com alto potencial lesivo para atingir detentores do poder, expor nomes e situações e até ensejar duras reações políticas ou judiciais – claro, sem a tragédia daquelas que surgiram na França como forma de enfrentar a ditadura de Robespierre e dos seus apoiadores.
A “Pax republicana e democrática” está em teste e tudo isso pode influenciar o ano eleitoral de 2026, abortar pré-candidaturas, mexer no tabuleiro político e gerar processos judiciais de alta repercussão, nos lembrando que a vida política é um carrossel, que gira e gira sem parar, que uma hora vai, outra hora vem, uma hora lá, outra hora aqui, com pausas eventuais para embarques e desembarques.
Feliz 2026!

