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12-06-2025 às 09h17
Sérgio Augusto Vicente*
João parecia ter nascido pré-destinado a fazer os outros rirem. Desde menino, ao menor franzir da testa ou movimento de boca, todos à sua volta não se continham. Mas João cresceu. Sem conseguir se firmar em emprego algum que lhe garantisse a sobrevivência com “coisa séria”, cansou-se da vida de humorista e pôs-se a procurar alguma colocação no mercado de trabalho.
Na primeira tentativa, já percebeu que não seria fácil. Depois de longos anos escondendo as lágrimas atrás da máscara de palhaço, chegou à conclusão de que ninguém sentia a sua dor. Logo riram da sua cara. “Emprego? João empregado em coisa séria? Essa é boa!”
Desanimado das frustrantes buscas, bateu à porta de um parente figurão na máquina pública. Saíra de lá com a promessa de que o sucederia no cargo assim que morresse do aneurisma que estava prestes a estourar.
“Agora, é só aguardar. Em breve, estarei bem colocado.”
O tempo se passava e o homem não morria. “Era preciso apressar a partida”, pensou. João, porém, não estava disposto a gastar seu réu primário. Pôs-se, então, a estudar possíveis estratégias.
“Eureka! Por que não usar ao meu favor meu maior talento?! O homem, certamente, não aguentaria uma risada daquelas… E o que é melhor: não há no mundo lei que possa me prender. Matar de rir não é crime!”
O homem, porém, não ria fácil. Muitas tentativas foram necessárias para conseguir arrancar da vítima, finalmente, a tão esperada gargalhada da morte.
Morreu de rir o pobre homem! Não é crime, é verdade. Mesmo assim, o remorso lhe penetrou a consciência. Deprimido, João passava noites insones, demorando-se a se mobilizar para assumir o tão esperado posto.
“Infelizmente, senhor, o tempo expirou e tivemos que nomear outro sucessor para essa vaga.” Matar com notícia ruim também não é crime. João, de fato, quase morreu nesse momento.
A raiva e o desprezo de si mesmo substituíam, agora, o corrosivo remorso de antes. Sem enxergar saída para a sua vida, João suicidou-se. Choro? Prantos? Lágrimas? Lamentos? Nada disso! Muitas gargalhadas! O riso se sobrepôs ao choro até mesmo na hora da sua morte. Em sua lápide, só havia espaço para uma mensagem: Kkkkkkkkkkkkkk.
E, assim, João entrou para a eternidade como um “engraçado arrependido” que matava os outros de rir mesmo quando estava morto. Afinal de contas, quem mandou se enforcar com a própria cueca?
*Sérgio Augusto Vicente é Professor de História e Historiador. Doutor, Mestre, Bacharel e Licenciado em História pela UFJF. Colunista do jornal “Diário de Minas” e colaborador de outros periódicos. Membro correspondente da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil (Mariana-MG). Trabalha na Fundação Museu Mariano Procópio (Juiz de Fora-MG).