Dom Pedro II na adolescência, adulto e no exílio - créditos: Fundação Oscar Americano de SP - designer Flávio Sramingnon
28-12-2025 às 10h10
Soelson B. Araújo*
O Diário de Minas não se opôs abertamente à Proclamação da República. Pelo contrário, adotou uma postura de apoio à mudança logo após a queda da Monarquia. Em seus editoriais, o jornal apresentava a República como o desfecho natural das insatisfações sociais, políticas e econômicas que marcavam aquele período, e via na mudança de regime uma oportunidade para o progresso e o desenvolvimento do país.
No contexto do fim do Segundo Reinado, a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, ocorreu em meio a uma profunda crise do regime imperial. O poder de Dom Pedro II encontrava-se enfraquecido, pressionado por elites emergentes, como os cafeicultores do Oeste Paulista, pelo crescente descontentamento dos setores militares, especialmente jovens oficiais influenciados por ideias positivistas, e pela perda de apoio político entre antigos aliados da Monarquia. O golpe militar liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca foi, portanto, o ponto culminante de um processo de desgaste que minava as bases do Império.
Diante desses acontecimentos, o Diário de Minas optou por não resistir ao novo regime. Publicou editoriais que interpretavam a República como um avanço inevitável e necessário. Para o jornal, a queda do Império representava a solução para os conflitos latentes na sociedade brasileira e o início de um novo ciclo, mais alinhado aos ideais modernos de liberdade, progresso e participação cívica.
Essa postura refletia o espírito da época e era compartilhada por diversos veículos da imprensa nacional. Muitos jornalistas e intelectuais viam a República como uma promessa de renovação e acreditavam que o modelo monárquico já não correspondia mais às necessidades de um Brasil em transformação. O apoio do Diário de Minas à nova ordem política mostra como setores da opinião pública já estavam voltados para o futuro republicano, mesmo antes da proclamação oficial.
A Relação entre Dom Pedro II e o Diário de Minas
As relações entre Dom Pedro II e o Diário de Minas – bem como com outros periódicos provincianos – são interpretadas por historiadores como um reflexo da postura do Imperador em defesa da liberdade de imprensa. Dom Pedro II era um monarca que, apesar das limitações institucionais do regime, buscava compreender as diversas realidades do país através da leitura de jornais das províncias. Segundo o historiador Rodrigo Cardoso, o imperador fazia uso constante da imprensa regional para se informar sobre o cotidiano do povo brasileiro e sobre as críticas e demandas que vinham das diferentes partes do Império.
Dom Pedro II lia diariamente jornais de todas as províncias, incluindo o Diário de Minas em especial. Essa prática lhe permitia manter um contato indireto, porém contínuo, com a multiplicidade de vozes e experiências que compunham o Brasil do século XIX. Em um país vasto, marcado por desigualdades regionais e por uma infraestrutura de comunicação ainda incipiente, os jornais provincianos funcionavam como verdadeiras pontes informativas entre o centro do poder e as realidades locais.
Em abril de 1881, por ocasião da visita do monarca ao Santuário e colégio do Caraça, o jornal Diário de Minas, que tinha sua sede em Juiz de Fora (MG), realizou a cobertura dessa viagem. Em suas páginas, encontra-se publicado que Dom Pedro II, após ficar encantado com a região, teria dito: “Só o Caraça paga toda a viagem a Minas”. (O Santuário do Caraça até hoje conserva a cama onde o casal imperial se hospedou).
Os conteúdos veiculados pelo Diário de Minas ofereciam ao imperador uma visão das aspirações e dos problemas enfrentados por uma das mais importantes províncias do Império. Minas Gerais, com sua tradição política e influência cultural, tinha papel de destaque na formação da opinião pública. Ao acompanhar seus jornais, Dom Pedro II procurava captar o “pulso” da sociedade mineira, uma sensibilidade que, em sua visão, era essencial para a governança.
Uma Reflexão Filosófica: Modernidade, Informação e o Declínio de uma Era
A leitura de jornais por Dom Pedro II pode ser vista, em uma perspectiva filosófica, como um gesto de um soberano ilustrado que tentava resistir à erosão do seu poder pela via do conhecimento. Sua relação com a imprensa era mais do que um hábito: era uma estratégia de governo fundada na escuta e na informação – elementos caros ao liberalismo oitocentista e à ideia de um monarca constitucional atento às vozes do povo.
Contudo, essa escuta, por mais sofisticada que fosse, não foi suficiente para conter o avanço das forças sociais que exigiam uma ruptura mais profunda. A Monarquia, mesmo com um imperador ilustrado, não conseguiu incorporar plenamente os anseios por participação política, modernização institucional e representatividade. Assim, jornais como o Diário de Minas, que inicialmente serviam como instrumentos de diálogo entre o centro e as províncias, passaram também a ser espaços onde germinavam as críticas ao regime e as propostas de transformação.
Até o fim de seu reinado, Dom Pedro II manteve essa prática de leitura e acompanhamento da imprensa, mesmo quando já se tornava claro que as bases do Império estavam ruindo. Ainda que, nos anos 1880, o monarca tenha sido representado no humor como um “velho frágil” e “indiferente” às questões políticas que lia nos jornais (observemos, por exemplo, as charges de Ângelo Agostini), é preciso relativizar essa “apatia”, compreendendo seu esforço como homem preocupado em entender as forças que o cercavam – inclusive aquelas que, paradoxalmente,
contribuíram para sua própria queda.

Charge de Ângelo Agostini, Revista Ilustrada, Rio de Janeiro, 1887, ano 12, n. 450. Acervo da Hemeroteca da Fundação Museu Mariano Procópio.
Dom Pedro II e os “votos” para a presidência dos EUA: uma brincadeira do jornal The New York Herald
Além de ter sido um assíduo leitor da imprensa periódica, o segundo imperador brasileiro dela também se tornou objeto de mitificações – dentre elas, a afirmação de que ele teria recebido 10 mil votos para a presidência dos Estados Unidos. Sabe-se que esta narrativa é, na verdade, um mito popular sem comprovação histórica, surgida a partir da grande repercussão de sua visita ao país em 1876, momento em que causou forte impressão na sociedade e na imprensa norte-americanas.
O que realmente aconteceu foi que, em 1876, por ocasião das celebrações do centenário da independência dos Estados Unidos, Dom Pedro II realizou uma extensa viagem pelo país, visitando cerca de 22 estados ao longo de três meses. Foi o primeiro monarca estrangeiro de destaque a visitar oficialmente os EUA, o que por si só atraiu grande atenção.
Sua postura reservada, intelectual e acessível, aliada à fluência em inglês e ao genuíno interesse pela ciência e cultura americanas, conquistou tanto o público quanto os jornais. Um dos momentos mais marcantes ocorreu na Exposição Universal da Filadélfia (Centennial Exposition), onde inaugurou o evento ao lado do então presidente Ulysses S. Grant e conheceu Alexander Graham Bell, experimentando um protótipo do telefone – episódio que ganhou grande destaque na imprensa.
Foi nesse contexto que o jornal The New York Herald publicou, em tom de brincadeira, uma sugestão de chapa presidencial composta por Dom Pedro II e Charles Francis Adams (neto do ex-presidente John Quincy Adams). A sátira refletia a admiração pública pelo imperador, mas nunca passou de uma anedota editorial. Não houve qualquer registro oficial de candidatura ou campanha, também corroborado pelos periódicos do Diário de Minas quando sua sede tinha acabado de mudar para Juiz de Fora.
Mais tarde, a historiadora Mary Wilhelmine Williams, em um livro publicado em 1937, chegara a mencionar que Dom Pedro II teria recebido cerca de 4 mil votos “espontâneos” na Filadélfia durante a eleição daquele ano – votos que teriam sido depositados por eleitores como forma simbólica de reconhecimento. No entanto, a autora mesma ressalta que os números são incertos e carecem de confirmação documental.
A história de que Dom Pedro II teria recebido 10 mil votos para a presidência dos Estados Unidos é uma lenda amplificada ao longo do tempo. Embora a visita do “magnânimo” tenha sido um sucesso diplomático e cultural, não há qualquer evidência histórica confiável que comprove a existência de uma candidatura, formal ou informal, nem de uma votação significativa. Mas o fato é que essa mitificação reflete a popularidade do monarca brasileiro na imprensa da época e a circulação de diversas curiosidades sobre ele para além das fronteiras nacionais.
* Soelson B. Araújo é empresário, jornalista, escritor e CEO do Diário de Minas
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