O adoecimento psíquico dos indivíduos é mais proeminente quando as políticas públicas não garantem parâmetros de existência digna. Inclusive, a falta de médicos para tratar os transtornos
09-12-2024 às 08h44
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
A garantia da ordem social propõe de modo proeminente que se isolem os inadaptados e extirpem-se as tristezas, quando se sabe que a angústia faz parte da vida das pessoas.
Um relatório publicado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em 2001, intitulado: “saúde mental”, traz em seu conteúdo, um alerta preocupante sobre o número crescente de pessoas já deprimidas ou sujeitas a ficarem, e isto deve causar preocupação pela projeção destes dados para as próximas décadas.
O capitalismo tende a ver pessoas menos produtivas como pouco interessantes ao sistema.
Estudos apontam que impactam para pior a qualidade de vida do indivíduo a solidão, a não dissociação evidente entre vida doméstica, lazer e trabalho, assim como, o avanço da lógica de competição, metas de produção exorbitantes para aumento de produtividade e outros.
Paralelamente, não obstante, alguns critérios práticos, impactam positivamente a vida das pessoas como: emprego de qualidade, saneamento básico, moradia, jornada de trabalho razoável com tempo de lazer e descanso, acesso à saúde e, tantos outros fatores, que promovem bem-estar e saúde física e emocional.
O adoecimento psíquico dos indivíduos é mais proeminente quando as políticas públicas não garantem parâmetros de existência digna. Inclusive, a falta de médicos para tratar os transtornos mentais na rede pública de saúde e a ausência de diagnósticos, pioram ainda mais a situação destas pessoas.
O neoliberalismo, apresenta um traço indelével sobre o quadro de adoecimento mental das pessoas ao causar um estresse constante nos indivíduos que temem perder seus postos de trabalho, por exemplo. Ademais, a “captura e produção da subjetividade neoliberal”, de gestão do medo, adoece.
A performance esperada dos sujeitos, muitas vezes, não é condizente com o possível e realizável. É esperado do trabalhador uma quantidade de horas de trabalho não razoável, muitas vezes. Também há uma insegurança face à disponibilidade de trabalhos episódicos, esporádicos, por projeto e tantos outros, que não propiciam nenhum viés de segurança ao trabalhador. O trabalho é precário, provisório, sem continuidade ou garantias.
Suportar certas exigências é demasiadamente penoso. Aspectos fundamentais das experiências de sofrimento no neoliberalismo são a não inserção no mercado, a não empregabilidade, o desemprego. Não obstante, quando inserido no mercado, o trabalhador, passa a ter medidos indicadores de produtividade e, por vezes, espera-se deste um ritmo frenético de trabalho.
Muitas situações de estresse resultam no uso de fármacos e, é importante que se diga, que estes dão lucro a empresas que utilizam técnicas publicitárias que oferecem medicações “supostamente milagrosas”.
Houve um aumento de diagnósticos de sofrimento. Um luto, muitas vezes, na contemporaneidade, é medicado e controlado, o que impossibilita o sujeito de sentir sua dor, ao se medicar, o empregado consegue laborar, não faltar ao trabalho e, não propiciar, assim, prejuízos à empresa em que trabalha.
Todos estão sujeitos a sofrer pressões do “sistema capitalista neoliberal” para se tornarem mais produtivos ou como se diz: a versão mais aperfeiçoada de si mesmos.
O sistema almeja otimizar as performances, aperfeiçoar as capacidades, conter o estresse e o desconforto cotidiano, a precariedade da vida, suas fragilidades, de modo a alcançar produtividade máxima.
O empregado se torna, paulatinamente, “empresa de si mesmo”. A obrigação do máximo desempenho é diária.
O neoliberalismo promove sofrimentos que instigam a todos, para que sejam produtivos ao máximo, ainda que isto implique, em medicar insatisfações simples do cotidiano, com a finalidade precípua de maximizar os lucros.
A adequação dos sujeitos, deve ser rigorosa. Sofrimentos, dificuldades, medos e tristezas devem ser administrados. Faz parte da lógica neoliberal visar lucro crescente e a maximização do desempenho da força de trabalho. Para que estes objetivos sejam alcançados é imperioso administrar a dor de viver e aumentar a produtividade.
O neoliberalismo utiliza-se de uma linguagem própria, dissimulada, no caso do trabalhador, chama-o de “parceiro”, com o fito de o convencer e colocar o trabalho como lugar de supostos prazeres. Proclama expectativas falsas de que o sucesso do empregado depende de seu mérito, seus resultados e, com isto, objetiva mais engajamento e produtividade.
Aqueles que laboram de modo frenético e sem entendimento da sua condição de precariedade graças aos termos linguísticos que ajudam a mascarar a realidade, vivem sob um horizonte de sofrimento, dificuldades, dores e medo.
Enfim, o cenário não é confortável, é importante compreender a lógica de precariedade e se posicionar para reagir a esta. O sistema neoliberal é bruto, ao individualizar o fracasso e, não dar margem para o entendimento de que a angústia faz parte da vida.
Ninguém pode tudo, a massa de pessoas despossuídas não é livre. As necessidades materiais limitam e muito. As pessoas não devem simplesmente nascer, trabalhar e morrer. É tempo de viver com qualidade, ter momentos de lazer para criatividade e descanso, ter um olhar humano sobre o outro.
*Doutora, Mestra e Especialista em Direito pela UFMG. Atualmente, realiza Estudos Pós-Doutorais pela também UFMG, com financiamento público da FAPEMIG. Professora convidada no PPGD-UFMG (Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)