
No centro desse jogo, um país sem projeto, sem estratégia. CRÉDITOS: Divulgação
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29-05-2025 às 10h39
José Aluísio Vieira*
Um país em xeque no tabuleiro mundial. O Brasil, ao longo de sua trajetória, enfrentou pelo menos 8 grandes encruzilhadas históricas — momentos decisivos que redefiniram seu rumo político, econômico e social. No momento está diante de sua encruzilhada mais complexa desde o fim da “ditadura militar”, destacando-se pela sua complexidade e profundidade, envolvendo soberania, democracia, economia e geopolítica em um cenário internacional cada vez mais tenso e imprevisível. Entre os projetos hegemônicos dos Estados Unidos e da China — ambos travando uma “nova guerra fria” silenciosa por influência, mercados e recursos — o país parece vagar sem bússola. De um lado, a velha retórica estadunidense de “liberdade e democracia”, hoje embalada em agendas ambientais, segurança cibernética e combate à desinformação. Do outro, a assertividade chinesa, que não impõe ideologia, mas compra consciências com infraestrutura, crédito e promessas de progresso rápido.
Em 2025, a parceria Brasil-China atingiu um novo patamar. Durante a visita presidencial à China, foram assinados 37 acordos bilaterais abrangendo áreas como agricultura, tecnologia, energia e educação. A Envision Energy anunciou um investimento de US$ 1 bilhão na produção de combustível sustentável de aviação a partir da cana-de-açúcar brasileira. A ByteDance, controladora do TikTok, avalia instalar data centers no Porto do Pecém (CE), com aportes que podem chegar a R$ 50 bilhões. Além disso, foi firmado um acordo de swap cambial entre o Banco Central do Brasil e o Banco Popular da China no valor de R$ 157 bilhões, fortalecendo a segurança cambial nacional.
O domínio avança também pela logística e energia. A State Grid projeta investir R$ 200 bilhões no país, controlando uma das maiores distribuidoras de energia elétrica do Brasil. A China Three Gorges já administra 17 usinas hidrelétricas e prepara novos investimentos em geração eólica e solar. A ferrovia bioceânica — parte da Iniciativa do Cinturão e Rota — pretende ligar o Pacífico ao Atlântico via Brasil e Peru, com ramificações na FIOL e Transnordestina. A nova rota direta no Porto do Pecém reduz o tempo de transporte de 60 para 30 dias, impactando de imediato 10% da movimentação local.
No centro desse jogo, um país sem projeto, sem estratégia e, pior ainda, com sua soberania interna fragilizada por um Poder Judiciário que ultrapassou perigosamente os limites constitucionais.
Uma crise institucional que fragiliza a República A atuação do Supremo Tribunal Federal — particularmente de figuras como o ministro Alexandre de Moraes — tem ultrapassado o limite do aceitável numa democracia madura. O combate necessário às ameaças antidemocráticas não pode justificar o atropelo do devido processo legal, a inversão da presunção de inocência e a confusão entre acusação e julgamento.
Medidas de exceção transformaram-se em rotina. Censura prévia, prisões sem julgamento célere, uso desproporcional da força investigativa e centralização de processos sob a relatoria de um único magistrado — essas práticas revelam um descompasso entre o discurso de legalidade e a realidade do arbítrio. O Judiciário, antes garantidor da Constituição, agora atua como um poder que julga, pune e legisla ao mesmo tempo.
Em nome de uma “ordem” forçada, sem legitimidade popular e sem fiscalização equilibrada, perde-se a essência da democracia: o equilíbrio entre os poderes.
Um Executivo tímido e titubeante Enquanto o Judiciário avança sobre funções alheias, o Executivo se retrai. No plano externo, o governo tenta ressuscitar o protagonismo diplomático perdido, aproximando-se do Sul Global e adotando um discurso multilateral. Mas, no plano interno, a omissão diante dos excessos institucionais beira a conivência.
Não há projeto de país. Há apenas gestão reativa, marcada por concessões pontuais a grupos de interesse — sejam eles corporativos, ideológicos ou externos. A ausência de uma estratégia nacional clara deixa o Brasil vulnerável a pressões e manipulações. O país se torna, assim, uma arena de disputas geopolíticas e guerras híbridas, sem proteção intelectual, informacional ou cultural.
Nem EUA, nem China: maturidade geopolítica ou submissão Resta-nos, então, uma falsa escolha: alinhar-se a Washington ou a Pequim. Submeter-se a um ou a outro modelo é aceitar a perda da autodeterminação. O Brasil não deve ser satélite — deve ser vetor.
Os dados são alarmantes. Empresas como a BYD e a GWM estão tomando conta da cadeia de mobilidade elétrica nacional, com fábricas instaladas na Bahia e em São Paulo. A infraestrutura de energia e logística brasileira passa rapidamente a ser operada por interesses externos, com financiamento, gestão e decisão concentrados fora do território nacional.
Nos EUA, por sua vez, a ascensão de Donald Trump à presidência em 2025 trouxe consigo a desativação da USAID, principal instrumento de influência norte-americana na América Latina. A Ordem Executiva 14169, assinada logo após sua posse, determinou uma reavaliação total da assistência externa dos EUA, paralisando programas e parcerias em vigor. Elon Musk, à frente do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental, anunciou o fechamento da agência, reduzindo a presença institucional americana no Brasil.
Reconstruir a autonomia exige mais que pragmatismo comercial. Exige visão de futuro.
É meu entendimento que o país precisa:
1. Reconquistar o equilíbrio entre os Poderes da República. Os pesos e contrapesos devem ser retomados com urgência;
2. Reindustrializar com soberania, investindo em tecnologia crítica e inovação nacional;
3. Fortalecer a educação estratégica, voltada para formar quadros com consciência geopolítica e pensamento crítico;
4. Retomar a liderança regional, com alianças baseadas em interesses mútuos, não submissão.
A maturidade geopolítica começa dentro de casa. Sem soberania jurídica, não há soberania política. Sem soberania cultural, não há projeto nacional que se sustente.
Considerações Finais: entre a covardia e a reconstrução nacional O Brasil está, hoje, entre a cruz da retórica moralista, a espada do autoritarismo togado e o abismo da irrelevância estratégica. A decisão que se impõe não é apenas política — é existencial.
Ou reconstruímos nossa soberania interna, ou seremos definitivamente colonizados. Ou assumimos o protagonismo que a nossa história e nosso povo exigem, ou seremos apenas território — sem alma, sem destino, sem honra.
O tempo da omissão acabou. É hora de coragem, lucidez e ação estratégica. É hora de deixar de ser objeto da história e voltar a ser sujeito.
* José Aluísio Vieira é Professor e Consultor