
O Brasil precisa definir urgentemente se buscará autonomia estratégica real ou continuará como um ator secundário nas relações internacionais. CRÉDITOS: Divulgação
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24-05-2025 às 10h14
Alice Castelani de Oliveira*
Em um mundo marcado por crescentes tensões geopolíticas, rivalidades entre grandes potências e ameaças híbridas – como ciberataques, terrorismo e disputas por recursos estratégicos –, a segurança internacional tornou-se um dos temas mais urgentes do século XXI.
Nesse contexto, a reunião dos Assessores de Segurança do BRICS+ adquire especial relevância, não apenas por reunir atores-chave no tabuleiro global, mas também por congregar três potências nucleares declaradas (Rússia, China e Índia) e um ator em franco avanço tecnológico-militar (Irã).
Enquanto esses países ampliam suas capacidades defensivas e ofensivas – seja através de modernização nuclear, expansão de arsenais convencionais ou domínio de novas fronteiras como a guerra espacial e cibernética –, nações em desenvolvimento, como o Brasil, veem-se diante de um dilema estratégico: como assegurar sua soberania e relevância geopolítica quando sua capacidade defensiva se mostra claramente insuficiente?
No final de abril deste ano, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil sediou a Reunião de Assessores de Segurança Nacional do BRICS+, fórum realizado desde 2009, que congrega autoridades responsáveis pelo assessoriamente estratégico dos países membros nos temas de defesa e política externa. O encontro abordou o corrente cenário de segurança internacional e reforçou o papel do grupo na promoção do multilateralismo e da paz.
Entre os principais temas abordados, destacaram-se: a busca por soluções diplomáticas para os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio; a condenação às violações de diretos humanitários em Gaza; e os desafios que emergem como o uso de inteligência artificial no desenvolvimento de sistemas de armas e sua relação com a proliferação de ameaças cibernéticas. Além disso, a reunião também reforçou o papel do Sul Global como agente ativo na prevenção e mediação de conflitos, reafirmando que a construção da paz não é atribuição exclusiva das grandes potencias.
Na ocasião do encontro, realizado simbolicamente na sala de reunião San Tiago Dantas, o embaixador brasileiro Celso Amorim reafirmou o compromisso do Brasil com princípios de uma política externa autônoma e sem alinhamentos automáticos, que trabalha na direção de promover o multilateralismo efetivo, baseado no direito internacional. Dias após o evento, os Estados Unidos (EUA) anunciaram nova iniciativa para garantir acesso às bases estratégicas de Fernando de Noronha e Natal, invocando direitos históricos decorrentes de investimentos realizados durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria – argumento semelhante ao utilizado pelo Presidente Donald Trump em relação ao Canal do Panamá. Esses acessos garantiria aos EUA vantagens estratégicas, incluindo ampliação da capacidade de vigilância oceânica, facilitação de acesso a rotas transatlânticas, condições logísticas para reabastecimento aéreo, evacuações médicas, mobilização rápida de forças e apoio a operações aerotransportadas.
Esse episódio evidencia o dilema estratégico da posição geopolítica do Brasil, em que, embora historicamente almeje uma posição autônoma no cenário internacional — inclusive através da promoção da cooperação BRICS+ —, sua dependência tecnológica e militar o coloca em uma posição frágil. Caso os EUA, que mantêm influência na região através de acordos de defesa e monitoramento, decida efetivamente garantir o acesso ao aeroporto de Fernando de Noronha e à base aérea de Natal, o país não teria capacidade material para defender o território.
A falta de investimento em defesa cibernética, vigilância de fronteiras e projeção de poder naval deixa o Brasil à mercê de jogos de interesse maiores. Enquanto o governo busca equilibrar relações com Washington, Pequim e Moscou, a ausência de um plano claro de modernização das Forças Armadas e de desenvolvimento industrial-militar limita suas opções.
O Encontro dos Assessores de Segurança do BRICS+ serve como alerta: em um mundo em que a segurança é cada vez mais disputada, o Brasil precisa definir urgentemente se buscará autonomia estratégica real ou continuará como um ator secundário nas relações internacionais, dependente da proteção indireta de potências estrangeiras. Sem capacidade dissuasória, até mesmo sua adesão a blocos como o BRICS+ será mais simbólica do que efetiva.
* Alice Castelani de Oliveira e doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestra em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra (ESG) e bacharel em Ciências do Estado pela UFMG. Hoje, é membro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e integrante dos grupos de pesquisa: Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia-Pacífico (IBECAP); Grupo de Estudos Estratégicos Raul Soares; Global IR and Brazil BRaS; e Rede Interinstitucional de Pesquisa em Instituições Internacionais (RIPPERP). Contato: alicecastelani@gmail.com