
“Em japonês antigo, sanpaku significa ‘três brancos’; descreve alguém em desequilíbrio físico, psicológico ou mental para a medicina tradicional japonesa.” CRÉDITOS: Divulgação
Getting your Trinity Audio player ready...
|
08-04-2025 às 09h58
Ilder Miranda Costa*
Pistas de que você não morreu “após procedimento médico realizado em 2022” e não “foi substituído por sósias” são seus olhos sanpaku.
Olhos sanpaku, Lula, “é quando os brancos dos olhos podem ser vistos abaixo da íris (sic). Segundo a superstição, pessoas que tem esses olhos estão propensas a se colocar em situações de risco e podem, eventualmente, sofrer uma morte trágica”.
Já que morte trágica seria eventualidade, foco em sua suposta propensão a se colocar em situação perigosa, o que aconteceria se, nos próximos anos, uma onda de protestos abalasse as principais capitais do Brasil. Ou se o Cerrado fosse agitado por uma sucessão de incêndios e de suspeitas de todos contra todos.
“Em japonês antigo, sanpaku significa ‘três brancos’; (…) descreve alguém em desequilíbrio físico, psicológico ou mental para a medicina tradicional japonesa.”
A julgar por seus olhos, Lula, cair de banco e bater cabeça em banheira, como aconteceu em 19-10-2024, é resultado de desequilíbrio físico. Você não conseguir anunciar Pé-de-meia sem alfinetar “pessoas mais grã-finas” é demonstração de desequilíbrio psicológico. E inaugurar “um dos últimos trechos da transposição das águas do São Francisco” como se estivesse “mostrando que aquilo que a elite econômica brasileira não quis fazer, que os fazendeiros não fizeram, que os advogados que governaram o país não fizeram, que os sociólogos que governaram não fizeram, que os professores que governaram não fizeram, um metalúrgico foi lá e fez” é puro desequilíbrio emocional, pois nada justifica seu complexo de inferioridade; você é analfabeto, ou quase, porque quer.
O melhor seria você provar que é valente. Quer exemplo de coragem? Turguêniev. (Ler faz falta, né?) Ivan Sergeiévitch Turguêniev (1818-1883), autor de Pais e filhos, que “contribuía com doações para publicações clandestinas, (…) encontrava com perseguidos políticos russos em fuga pela Europa e lhes dava dinheiro e servia como portador de mensagens secretas”.
A propósito, em nenhuma obra da literatura brasileira, você encontrará sequer um sinal da covardia que é esse seu modo de atirar para todo lado, aqui registrado em dois episódios. UM, 9-11-2019, um dia depois de você sair da cadeia: “Não posso ver mais jovem de 14 e 15 anos assaltando e sendo violentado, assassinado pela polícia, (…) às vezes porque roubou um celular.” DOIS, no meio do mês de março de 2025, em Fortaleza-CE: “A gente não vai permitir que a ‘república de ladrão de celular’ comece a assustar as pessoas nas ruas desse país”.
Mas veja só: “a Presidência da República desembolsou R$ 38,3 milhões com gastos sigilosos no cartão corporativo entre janeiro de 2023 e outubro de 2024.” Sobre acesso a esse tipo de informação, você prometeu, na campanha de 2022, que, “quando chegar o dia 1º de janeiro [de 2023], eu vou pegar o seu sigilo e vou botar ao povo brasileiro saber (sic) porque você esconde tanta coisa. Afinal de contas, se é bom, não precisa esconder”. Prometeu, mas não cumpriu.
Atitude temerária, Lula, porque há indícios de mudanças em andamento. É até possível que “a primeira de uma nova série de organizações políticas clandestinas totalmente empenhadas em fomentar a revolta, ainda que por meio de ações violentas contra autoridades e instituições oficiais” já tenha sido criada. Pode haver um ou outro atentado ao estilo inaugurado em Juiz de Fora, Minas, em 6-9-2018. Mesmo que queira pagar para ver, mande investigar a literatura dos últimos anos: é a origem do que esteja para acontecer. Em qualquer caso, não deixe, Lula, que o branco de seu olho o incomode; nem se pergunte, diante do susto dentro dele: “será que é só mania?”
Porém, como se não houvesse amanhã, “em 2023, o presidente Lula (PT) retomou a política de gastos com o funcionalismo público executada nos dois mandatos anteriores e fechou o ano com um aumento de 2,8% nas despesas do setor”. O procedimento é corriqueiro: FHC, 23,5%; Lula, 9,1%, de 2003 a 2006, e 30,8%, de 2007 a 2010. Sobre as consequências disso, em 26-10-2023, você resolveu debochar: “O mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida.” E 2024 foi o que se viu: ampliação do déficit público e da carga tributária, endividamento de famílias, inflação e juros altos.
Note bem: “De acordo com dados divulgados [em 11-11-2024] pelo Banco Central (BC), o déficit primário das estatais chegou a R$ 7,4 bilhões, de janeiro a setembro de 2024. É o pior resultado para o período desde o início da série histórica do BC, em 2002.” Por essas e outras, pois os tais R$ 7,4 bi representam “uma alta de 258,9% em relação ao rombo das estatais registrado no mesmo período do ano passado” , tornou-se imprescindível você aprender a ler.
Caso contrário e supondo que sua saúde resista até 2030, você passará, cada vez mais, por este tipo de vexame, estampado na capa de 9-1-2024 do Agência Gov: “Lula: ‘Vamos tratar os Yanomami como questão de Estado”. No entanto, em junho/2024, contaram que: – “em 2023, houve um aumento de 5,8% nas mortes em relação a 2022 na terra yanomami”; – “desde fevereiro de 2024, o Ministério da Saúde deixou de publicar os relatórios periódicos que divulgava sobre a situação sanitária dos yanomamis”; e, – “o governo está ocultando dados sobre óbitos de indígenas yanomamis ocorridos em 2024”. Pega mal, Lula, porque desmoraliza a República.
Sem leitura metódica e disciplinada, Lula, seu palanque vai acabar restringindo-se a “nós precisamos dar prioridade para as pessoas mais necessitadas, mais frágeis, que ganham menos. É isso que nós vamos fazer, foi para isso que nós fomos eleitos, é o país que nós teremos”.
Ouso dizer que, olho por olho, você vai apostar que esse discurso abstrato sem cheiro, sem gosto, sem eco etc. “ainda vai colar mais quantas vezes eu quiser”.
* Ilder Miranda Costa é professor da Faculdade de Direito da UFMG