
Prédio em rua íngreme no bairro Cruzeiro em BH - créditos: divulgação
Getting your Trinity Audio player ready...
|
16-03-2025 às 09h19
Henrique German (*)
Como já tive oportunidade de frisar alhures, cresci no bairro Gutierrez, mais precisamente, na rua Herculano de Freitas, na qual morei até deixar a casa paterna. No bairro, fiz amigos e tive colegas, bons companheiros e leais camaradas e, até onde sei, nenhum desafeto, graças a Deus. Guardo, da velha vizinhança, as melhores recordações, dentre as quais esta que segue, a seguir.
O meu amigo Paulinho, na época vivendo nas proximidades do Colégio Regina Pacis, onde as ruas do bairro são bastante acidentadas e irregulares, com declives brutais e correspondentes aclives insanos, certa tarde, ao chegar em casa, deparou-se com tudo revirado.
Sublinho que Paulinho, na ocasião, morava no quarto andar de um edifício pendurado em uma ladeira abrupta, daquelas brabas, com a calçada em degraus, e, entrando no apartamento com a mulher e os três filhos ainda pequenos, viu a desordem e saiu com a família, rapidamente, colocando-a a salvo no vão da escada.
Em seguida, sozinho, ele tornou a entrar no imóvel, com o intuito de verificar o tamanho do estrago e, principalmente, se já era seguro deixar a esposa e as crianças voltarem. Mal Paulinho pôs os pés na sala, passou por ele, saindo a correr, um vulto, ou melhor, um homem, o qual saltou dentro do elevador, como um raio, e desceu.
Notando o ladrão em fuga, Paulinho decidiu não o perseguir, feliz em vê-lo partir, optando, por outro lado, em proceder à vistoria dos demais cômodos.
Em um dos quartos, usado pelo filho mais novo, o meu amigo encontrou um segundo homem, o qual, surpreendido, sem ter por onde fugir, a não ser passando por Paulinho, pediu-lhe que o desculpasse, dizendo que nada levaria, que somente queria ir embora.
Paulinho, porém, não se comoveu, ao contrário, fez questão de explicar ao ladrãozinho que não o deixaria sair, que não permitiria que saísse pela porta, como se fosse visita. Em verdade, o dono da casa ponderou que, não sendo convidado a entrar, o ladrão não seria convidado, gentilmente, a escafeder-se. Paulinho explicou-lhe que, havendo invadido a residência, somente a deixaria de modo equivalente, ou seja, violento e pouco ortodoxo. O que, afinal, Paulinho quisera dizer?
Nesse ponto, convém esclarecer que Rosa, mulher de Paulinho, escutando a gritaria do marido com o ladrão, entrara em casa com os filhos, bem a tempo de ver Paulinho agarrar o homem, levantá-lo e atirá-lo janela afora, literalmente.
O bandido caiu de uma altura de cerca de cinco metros, da janela pela qual voara até o pouso na calçada de degraus e, como normalmente acontece com os malfeitores, após o susto inicial, conseguiu levantar-se, começando a mancar, meio torto, em fuga. O pobre diabo ainda nem se afastara, claudicando, quando recebeu, certeiro, na cabeça, um vaso de violetas amarelas lançado por Rosa, desde a mesma janela do quarto do filho.
Novamente caído ao chão, o desafortunado ladrão foi recolhido pela polícia, que os vizinhos tinham chamado. Não tardou, e o outro homem, que fugira pelo elevador, também foi localizado e capturado. Nada foi levado da casa.
Rosa teve o trabalho de limpar e arrumar tudo, coitada, todavia, é certo, o ladrão voador sofreu bem mais que ela.
(*) Henrique German é escritor