Professor Darcy Ribeiro - créditos: divulgação
18-09-2025 às 18h05
Alberto Sena*
Para os professores Paulo Roberto Cardoso e Alice Castelani de Oliveira, doutores em Filosofia do Estado e Ciência Política, “o Brasil deve ser pensado utopicamente como o futuro da latinidade”. A reflexão foi apresentada no capítulo “Utopias não morrem: breves reflexões sobre a Latinidade e o Brasil à Luz de Darcy Ribeiro”, publicado no livro “Selvagens utopias brasileiras”, organizado pelos professores doutores José Luiz Borges Horta, Philippe Oliveira de Almeida e Hugo Rezende Henriques. O trabalho foi produzido a partir da experiência em sala de aula no curso de Ciências do Estado.
Com a aproximação do dia 26 de outubro, data em que se completam 103 anos do nascimento do professor Darcy Ribeiro, Paulo e Alice o pintam com as cores mineira, brasileira, latina, ibérica, ameríndia, africana e romana.
Eles não consideram a iniciativa de atualizar as reflexões do mestre, com base no quadro atual do mundo, uma “aventura acadêmica”. Paira no ar e na terra “uma tensão entre impérios, no qual suas reflexões utópicas nos fazem recuperar o debate sobre a vocação e o desafio da latinidade em se construir como de fato uma civilização nos trópicos”, comentam os professores.
No entendimento dos autores, é necessária uma reflexão crítica sobre o conceito de “Ocidente” à luz da “Roma Negra” de Darcy Ribeiro como resposta à sua instrumentalização midiática e política. Em outras palavras, trata-se de pensar o Brasil, utopicamente, como o futuro da Latinidade. Isso porque, no projeto utópico de Darcy Ribeiro, o Brasil detém um papel central; no entanto, é preciso abordar com cuidado algumas questões relativas à realidade geopolítica do País.
É de bom alvitre trazer à baila para discussão o que disse o Comandante do Exército Brasileiro, o General Eduardo Villas Bôas, em seu twitter, dirigindo-se ao francês Emmanuel Macron, Presidente da França: “O que espera Macron na Amazônia”. Em vídeo, ele mostrou um exercício militar do Comando Militar da Amazônia, supostamente na fronteira Norte.
A frase do General nos remete ao debate proposto por Darcy Ribeiro em sua obra “Utopia selvagem”, na qual ele faz referência às “Guerras Guianas” por ocasião do ressurgimento de discussões geopolíticas na Europa.
O twitter do General traz à lembrança os riscos potenciais para o Brasil naquela fronteira e para os brasileiros, sobretudo devido ao fato de a natureza de selva ser muito vulnerável em termos de defesa.
Baseado no que já foi exposto, vale dizer, mergulhar nas reflexões de Darcy Ribeiro, neste contexto, pode ser preditivo ou profético, como destacam os professores Paulo e Alice, levando-se em conta a maneira perspicaz e particular como ele interpreta os cenários geopolíticos e geoestratégicos da América Latina e do Brasil.
Se para o consumo, Darcy Ribeiro era tido como ateu, no íntimo a impressão que se tinha dele era a de ser possuidor de “mente religiosa”, porque é inconcebível uma pessoa ocupar-se uma vida inteira tentando beneficiar o maior número de seres humanos, seus semelhantes, com toda a verve dele. Senão, ele não afirmaria: “Algo existe eternamente e é divino – ou existe no instante, portanto, é agora e só agora”.
E mais ele disse: “Por isso, há muitos, muitos anos, ocorreu-me dizer que, enquanto na natureza as mães levam no ventre as filhas, na história são as ideias novas, as ideias filhas que levam no ventre suas mães”. Para os professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), essa reflexão de Darcy é “a melhor reflexão possível sobre a instigante e provocante obra do notável e irrequieto, o universal mineiro, Darcy Ribeiro”.
Eles perceberam a “marcante e peculiar” característica do autor e obra assumirem o caráter profético, registrado em ambos. Com o adjutório da reflexão orteguiana (José Ortega y Gasset, pensador espanhol), comentaram eles que “pelo visto, esta maneira nova e mais autêntica de ser profeta é o contrário da tradicional: por essência, o novo profeta será o profeta do contra”.
Este é o Darcy Ribeiro, sertanejo de cepa, nascido no Norte de Minas, em Montes Claros. Um profeta “contra todas as mazelas do espírito de seu tempo, insubordinado e rebelado contra todas as formas de estagnação e opressão de seu povo, pelo qual foi um apaixonado sedutor e seduzido”.
Na realidade, o que estamos tratando é de um intelectual internacionalmente chamado Darcy Ribeiro, missionário assumido do tempo e definição orteguiana do ser intelectual. “Sua missão é corrigir a opinião pública e trazer os homens do erro em que estão para a verdade de que precisam. Como a opinião estabelecida e pública se chama em grego de doxa, a opinião do intelectual que é sempre contra opinião será inevitavelmente paradoxal”.
Aos 103 anos de nascimento, Darcy Ribeiro se tornou gigante intelectual, profeta dos nossos tempos, lúcido, luminoso, radiante, porque ele é um daqueles seres que vieram ao planeta e foram-se, mas ficaram. E um sinal da eternidade de Darcy Ribeiro está na dedicatória do exemplar do Kadiwéu, que ele me presenteou profetizando ser o livro “único entre mil – editado no ano 3000”.
*Alberto Sena é autor do livro Darcy Ribeiro do Fazimento, que pode ser enviado pelos correios aos interessados.

