
No início o candidato a governador era o Newton; mas, com o andar da carruagem, a sua candidatura foi substituída e ele passou a figurar como vice de Itamar, que saiu na cabeça de chapa.
10-02-2025 às 09h39
Caio Brandão*
Na campanha de Itamar Franco para o governo de Minas participei de várias maneiras, a convite do ex-governador Newton Cardoso, que disputou como vice na chapa encabeçada pelo ex-presidente da República.
Newton havia me nomeado para a chefia de sua assessoria de imprensa, na Prefeitura, com a recomendação de ajudar a preparar, a partir de Contagem, a sua campanha para governador do Estado. Importante registrar que estou me referindo à segunda candidatura do Newton a governador, porque na primeira, quando ele se elegeu, também estive presente, mas é outra estória.
No início o candidato a governador era o Newton; mas, com o andar da carruagem, a sua candidatura foi substituída e ele passou a figurar como vice de Itamar, que saiu na cabeça de chapa.
Foi uma campanha difícil. Itamar era uma criatura cheia de vontades e complicada de lidar. Afora outras atividades, também atuei arregimentando apoios no meio empresarial, particularmente no tocante às finanças da campanha, cujos trabalhos começaram custeados pelo zero money, porque os políticos, em geral, não costumam gastar, nas eleições, o seu próprio dinheiro.
Sobre Itamar o conhecido publicitário Ruy Nogueira, mineiro, que há tempos reside em São Paulo, publicou artigo intitulado “Itamar Franco, Essa Mala”, de cujo lead constou citação de Sérgio Barleben, que dizia: “Se Itamar Franco fosse um objeto, seria melhor perdê-lo do que achá-lo”. O artigo é divertido, fundamenta os pontos de vista externados e diz que a obra mais relevante de Itamar foi a construção de um galinheiro na Embaixada do Brasil, em Roma, para onde ele levou algumas penosas poedeiras capturadas em Juiz de Fora, sua terra natal por adoção.
Retornando à campanha. Na ocasião encontramos a fórmula ideal para conduzir os trabalhos: eu buscava os apoios no meio empresarial, o Marco Antônio Clementino gastava e o Jairo Isaac pagava as contas, tudo sob os olhares vigilantes e desconfiados do Moacir Moreno, tesoureiro oficial junto ao Tribunal Eleitoral e membro do Diretório Estadual do PMDB.
Na coordenação geral estava o engenheiro Aluízio Vasconcelos, profissional experiente, oriundo do setor privado, e que vinha se alternando em cargos de relevo na administração pública, depois substituído pelo Deputado Anderson Adauto, no segundo turno da eleição. Acho que em face da minha origem profissional, em empresa construtora, e de atuação estreitamente ligada às finanças da campanha, Itamar passou a encarar a minha pessoa com muita reserva.
Aliás, para encurtar, ele nunca foi com a minha cara. No esteio disto, veio junto toda a sua equipe de colaboradores mais direta, que me olhava como alguém a ser evitado. Me evitar ficou difícil, em face do trabalho que eu realizava, em que pese o pessoal do Itamar levantar alguns trocados para injetar no caixa, destinados a pequenas despesas.
Vencida a eleição, acompanhei a distribuição de cargos com interesse, porque estava envolvido na eleição três anos antes de a mesma acontecer, desde os tempos da Prefeitura de Contagem, com o Newton Cardoso aquecendo os tamborins.
Itamar, liderando equipe de transição, montou um buncker na sede da Emater, Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, na Avenida Raja Gabaglia, próximo ao Tribunal de Contas do Estado, para receber a infindável lista de prováveis alguma coisa no seu governo.
Uma tarde o Newton me chamou para ir até lá conversar. Achei que seria nomeado Secretário de Obras, mas o cargo havia sido prometido ao Maurício Guedes, seu amigo de longa data e cuja fazenda em Cruzília, no Sul de Minas, ainda produz queijos de ótima qualidade. A minha expectativa era por demais otimista, porque eu sabia da má vontade do governador eleito para com a minha pessoa. Passei horas sentado em um sofá sem braço e sem encosto, também conhecido como prima-dona, igual aquele usado por Freud nas suas consultas, aguardando ser chamado.
Os políticos passavam por mim, entravam na sala do Itamar e na saída diziam: Caio, querido, acabo de nomear fulano para tal cargo e assim por diante. Ouvi esta frase do Armando Costa, então presidente do PMDB, do Hélio Costa, outro que sempre teve lugar ao sol, do deputado Anderson Adauto e de muitos outros apoiadores do governador eleito, até que, ao final, fui convidado para a presidência da Fundação Rural Mineira, Ruralminas, instituição responsável pelas obras de execução do Projeto Jaíba Fase II, o maior empreendimento de irrigação da América Latina.
A minha passagem pela Ruralminas foi tempestuosa, mas dei conta do recado até ser exonerado a pedido, quando da cisão política entre Newton e Itamar. Aliás, do grupo do Newton, fui o único exonerado “a pedido”, depois de diálogo indigesto mantido ao telefone com o ex-ministro das Minas e Energia, Paulino Cícero de Vasconcelos, então Secretário da Agricultura, quando exigi consideração, em face da relevância da minha contribuição à campanha eleitoral.
Uma tarde o Newton Cardoso, na condição de vice-governador, me informou, por telefone, que estava encaminhando, aos meus cuidados, ofício solicitando colocar à disposição da Codevale – Comissão de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha – entre 30 e 40 funcionários estatutários, para que ele pudesse revigorar aquela Autarquia, que se encontrava moribunda e em vias de extinção.
Respondi de pronto que buscaria nos quadros da Fundação o que existisse de melhor, a nata da entidade, o que faria de imediato, para atender às suas necessidades. Ato contínuo chamei o chefe do departamento de pessoal da Ruralminas, cujo sobrenome era Fazendeiro, e pedi que ele listasse os funcionários mais problemáticos da Casa, que tivessem a saúde comprometida, desvios de personalidade, desgostos com a função, problemas conjugais, que se valiam de atestados médicos em desculpas recorrentes e demais mazelas do gênero. Pedi, também, ao Fazendeiro, que permeasse a relação com alguns ótimos funcionários, dedicados, competentes e zelosos no cumprimento de suas obrigações, mas que fossem poucos, muitos poucos.
Feita a relação respondi ao vice-governador informando os nomes dos escolhidos, mas não sem antes consultar o então secretário da Administração, deputado Sávio Souza Cruz, acerca dos procedimentos a seguir do ponto de vista legal e jurídico, quando ponderei ao Secretário que a Ruralminas tinha mais funcionários do que mesas e cadeiras disponíveis.
Sessenta dias depois de consumado o empréstimo dos funcionários, com a publicação dos atos no diário oficial, Newton me telefonou e disse com voz de quem foi enganado:
“Caio, você me prometeu que cederia para a Codevale a nata dos funcionários da Ruralminas. Estou com pena de você nessa Fundação. Se o que você me mandou para a Codevale é a nata da Ruralminas, então, meu amigo, você está fodido”.
* Caio Brandão é jornalista