Neurociências, Neurotecnologia - créditos: Agência Brasil
07-12-2025 às 11h06
Cristiane Helena de Paula Lima Cabral[1]
O filme Minority Report – A Nova Lei, lançado no ano de 2002, parecia um tanto quanto utópico ao trazer um sistema que permitiria a previsão de quando os crimes irão acontecer, e com isso os indivíduos passariam a ser monitorados e até mesmo presos antes mesmo do cometimento do fato.
Podemos também citar vários episódios da série Black Mirror, em que é possível conversar com pessoas que já faleceram ou ainda a possibilidade de utilizar um implante ocular que grava tudo o que se faz ou que se vê.
Tudo isso era algo que imaginávamos que ficaria restrito às produções de Hollywood, mas, na vida real, já vimos os americanos utilizarem o sistema “Compas” (um software de análise de risco de reincidência criminal) com a capacidade de avaliar se alguém poderia cometer um crime novamente. Isso impactaria, por exemplo, em saber se a pessoa poderia ser posta em liberdade ou se deveria continuar encarcerada.
Por trás desse cenário, acompanhamos o desenvolvimento da inteligência artificial, da neurociência e da neurotecnologia, que, cada vez mais, se aprofundam no estudo das especificidades do cérebro humano e na possibilidade de controle da atividade cerebral, o que, em um futuro, não tão longínquo, pode alterar a estrutura da sociedade e interferir na capacidade de pensamento dos indivíduos.
Como consequência e, preocupados com a importância em estabelecer um código de ética para as atividades da neurotecnologia, a plataforma NeuroRights Initiative desenvolveu o conceito de neurodireitos, entendidos como “uma nova estrutura jurídica internacional de direitos humanos destinados especificamente a proteger o cérebro e sua atividade à medida que ocorram avanços em neurotecnologia”.
Esses novos direitos seriam: identidade pessoa, livre-arbítrio, privacidade mental, acesso equitativo e proteção contra os vieses e que possui, como principal característica, a proteção da atividade cerebral do indivíduo, impedindo que sejam feitas manipulações, discriminações ou transações comerciais com os dados decorrentes dos processos de estudos.
A discussão é tão séria que, no âmbito internacional, em 2019, a Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) trouxe o primeiro documento sobre o tema, denominado “Recomendação da OCDE sobre Inovação Responsável em Neurotecnologia” com nove princípios, dentre eles, promoção responsável da inovação, proteção dos dados cerebrais pessoais e outras informações e promoção da inclusão.
Em 2021, a Organização dos Estados Americanos aprovou a “Declaração da Comissão Jurídica Interamericana sobre neurociência, neurotecnologias e direitos humanos: novos desafios jurídicos para as Américas”, que demonstra a preocupação com a ausência de regulação da área e que pode gerar “um risco de manipulação ilegítima de emoções, sentimentos e decisões por aqueles que produzem essas tecnologias e/ou controlam os grandes sistemas de inteligência artificial (IA) que decodificam as informações neurais”.
A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) adotou, em novembro de 2025, a “Recomendação sobre a Ética da Neurotecnologia” como um padrão para o uso da neurotecnologia, que deve estar atrelada aos direitos humanos e saúde mental dos usuários.
No Brasil, o projeto para instituição do novo Código Civil também prevê a inclusão dos neurodireitos como “conjunto de garantias que busca proteger o cérebro e a mente humanas da manipulação via neurotecnologias como interfaces cérebro-máquina, chips e próteses implantáveis”.
É notória a preocupação, não só do direito internacional, mas também dos países, em regularem os neurodireitos, uma vez que é preciso proteger os indivíduos deste mundo cada vez mais tecnológico e que provoca modificações nas relações interpessoais e em toda a estrutura do Estado.
Por outro lado, também deve ser reconhecido o fato de que o desenvolvimento ético da neurotecnologia pode permitir uma melhora na qualidade de vida e promoção do desenvolvimento e bem-estar social. E, só assim, poderemos alcançar uma sociedade mais justa e mais humana.
[1] Mãe de duas pequenas grandes mulheres. Doutora em Direito Público Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Ciências Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa-PT. Professora dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Servidora do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Professora Universitária. Contato: crishelenalima@gmail.com

