
Eu acredito no conhecimento e na liberdade das pessoas em terem acesso à informação, com objetivo de conquistar conhecimento - créditos: Freepik
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31-03-2025 às 09h58
Marcos de Noronha*
Minha recente visita à capital de Minas foi marcada pela intensidade dos contatos e reflexões. Um dos encontros ocorreu na sede do Diário de Minas, para um debate informal organizado pela jornalista Edilma Duarte, onde conheci Soelson Barbosa Araújo, diretor do periódico, Tito Guimarães e a colunista Valesca Santana. Na conversa livre que se estabeleceu, predominou a aproximação entre a psicologia e a etnologia, disciplinas que nos ajudam a compreender tanto o comportamento dos indivíduos quanto das massas sociais. Também conheci a história do tradicional periódico mineiro e sua reputação, além das celebridades que contribuíram para sua longeva trajetória. Para minha surpresa, recebi o convite para ser um dos colunistas. Por charme, adiei a resposta, mas, em meu íntimo, aceitei de imediato. Fazer parte daquela família envolve diversas razões, entre elas, meu interesse em compartilhar ideias e pensamentos com a sociedade.
Lembrei-me da década de 1980, quando, ainda estudante de medicina em Londrina, fui convidado para apresentar um programa ao vivo e diário, o Rádio Saúde. Associei-me ao curso de Comunicação da Universidade Federal de Londrina e conseguimos transformar o programa, veiculado pela Rádio Cruzeiro do Sul, em um dos momentos de maior audiência da emissora. O programa sobreviveu mesmo após minha formatura e minha partida para a pós-graduação em Etnopsiquiatria, em Nice, na França.
Quando expressei à jornalista Edilma Duarte minha preocupação em atender às expectativas do Diário de Minas — um periódico que contou até mesmo com Carlos Drummond de Andrade em seu quadro de colaboradores —, ela me confortou: “Apenas escreva”.
Antes desse encontro, participei de uma rápida reunião na Adepol-MG (Associação dos Delegados de Polícia de Minas Gerais), onde sua presidente e escritora, Elaine Matozinhos, expressou preocupação com o aumento do suicídio entre os profissionais da área. De fato, o Brasil tem visto crescer esse mal, que, embora culturalmente prevalente na Europa, começa a preocupar também por aqui. No sul do Brasil, a taxa de suicídio se aproxima da média francesa de 20 casos por 100 mil habitantes. Desde o ano 2000, em Florianópolis, trabalhamos com Terapias Sociais, criando ambientes inclusivos para enfrentar transtornos psiquiátricos, incluindo depressão e comportamento suicida. Anunciei, em primeira mão, o lançamento do Curso de Pós-Graduação em Terapia Social pela Unicesusc de Florianópolis, totalmente on-line, com o objetivo de capacitar profissionais para atendimento e prevenção de transtornos psiquiátricos, uma das principais causas de incapacidade no mundo.
Pautado pela jornalista Edilma Duarte, meu breve e intenso roteiro em Belo Horizonte antecipava o tema do meu próximo livro: Polarização — Sintoma de uma Doença Social. O tema é oportuno diante das conturbações que a sociedade brasileira e mundial enfrentam, levando muitos a acreditar que não há soluções para o conflito. A insegurança jurídica no Brasil me levou a optar pelo lançamento da obra em espanhol, por uma editora de Buenos Aires, e em japonês, país onde participaré do Congresso Mundial de Psiquiatria Cultural, em setembro. No evento, conduzirei o workshop Polarização e Saúde Mental, ao lado do presidente da Associação Mundial de Psiquiatria Social, Vincenzo Di Nicola.
Cheguei a Belo Horizonte no dia do velório do prefeito Fuad Noman, falecido aos 77 anos devido a um linfoma de Hodgkin. As ruas estavam tomadas para as últimas homenagens ao político, que, eleito, sequer teve tempo de assumir o cargo. Naquela mesma noite, aconteceria a final do Campeonato Paulista, com o meu Corinthians enfrentando o arquirrival Palmeiras. Para não assistir ao jogo sozinho no hotel, descobri o Bar do Corinthians, na Avenida Nossa Senhora do Carmo. Ao chegar, fui recebido calorosamente, mesmo sem o uniforme do time. A torcida cantava sem parar, como se estivéssemos na arquibancada. Algumas canções exaltavam o amor ao time, mas outras promoviam a hostilidade ao adversário. Isso me fez refletir: é possível ter um time do coração, uma ideologia ou crença religiosa sem transformar o outro em inimigo?
Vejo algumas políticas identitárias combatendo preconceitos e injustiças sociais com estratégias tão violentas quanto os problemas que pretendem combater. Durante minha estadia, também conheci a maior empresa da América Latina produtora de medicação derivada da Cannabis. O preconceito ainda prevalece, confundindo o canabidiol, um fitocanabinoide, com a droga psicoativa em si. Acredito que o conhecimento e a informação são fundamentais para reduzir preconceitos e promover o entendimento.

Minha jornada em Belo Horizonte culminou com uma visita ao psiquiatra mineiro José Maria Martins, a quem presenteei com meu livro Cérebro e Emoções, inspirado em uma de suas obras. Durante nossa conversa, ele compartilhou sua experiência com o Aikido, arte marcial desenvolvida após a Segunda Guerra Mundial por Morihei Ueshiba. Essa técnica ensina que enfrentar a violência com mais violência apenas perpetua o conflito e gera desejo de vingança. O Aikido redireciona a energia adversária, em vez de combatê-la diretamente. Trata-se de um caminho de amor e humildade, valores essenciais para restaurar a sensatez em um mundo carente de cordialidade.
* Marcos de Noronha é Psiquiatra Titulado pela Associação Brasileira de Psiquiatria e Conselho Federal de Medicina
Psicoterapeuta e Psicodramatista reconhecido pela Federação Brasileira de Psicodrama
Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria Cultural
Membro da Associação Mundial de Psiquiatria Cultural
Associado da Seção de Psiquiatria Transcultural da Associação Mundial de Psiquiatria
Membro do Grupo Latino Americano de Estudos Transculturais (GLADET)
Com formação em diversas técnicas psicoterápicas dedicou parte de seus estudos às disciplinas que fazem fronteiras com a psiquiatria, dentre elas a sociologia e etnologia. Um dos fundadores da Associação Brasileira de Psiquiatria Cultural e da Mundial nesta modalidade. Escreveu artigos pioneiros sobre o tema nos principais periódicos científicos nacionais, além de contribuir com publicações de livros e de ter publicado os livros Terapia Social que expõem de forma intimista sua trajetória e técnica, o livro O Cérebro e as Emoções, fazendo uma leitura atual sobre o tema e recorrendo às práticas ritualísticas para uma analogia sobre os bastidores das psicoterapias e agora, no prelo, Polarização – Sintoma de Uma Doença Social, no prelo. Coordena em Florianópolis seus grupos de Terapia Social tanto no setor público como privado e defende a técnica do trabalho em grupo como eficaz e mais abrangente