04-01-2025 às 08h28
Mário Lúcio Quintão Soares*
Comparar a economia da Argentina com a do Brasil revela uma distorção da realidade.
No Brasil, por incrível que pareça, mesmo partindo da premissa de que nosso País se vê submetido a uma injusta distribuição de rendas, a inflação ainda está contida. O PIB cresceu.
A projeção para o crescimento da economia brasileira, em 2024, foi ajustada de 3,39% para 3,42%. No terceiro trimestre, o PIB cresceu 0,9% em relação ao segundo trimestre, e, no acumulado de janeiro a setembro, a expansão foi de 3,3%.
Para 2025, o mercado financeiro prevê um crescimento de 2,01% do PIB, com estimativas de 2% de expansão para 2026 e 2027.
Em relação à cotação do dólar, a moeda norte-americana terminou 2024 cotada a R$ 6,19, com uma expectativa de reduzir a R$ 5,85 para o final de 2025, caso medidas de austeridade sejam adotadas.
Fala-se na mídia em crise econômica. Esta consiste em um período pelo qual determinada economia experimenta uma retração de suas atividades. Esse fator deve ser medido pelo PIB de um país.
Trata-se de indicador utilizado para mostrar a soma dos produtos e serviços finais produzidos pelas empresas.
Assim, se o PIB diminui em um período em relação a outro, podemos dizer que a economia produziu menos riqueza. Em resumo, essa redução no PIB pode caracterizar uma crise econômica.
Percebe-se que neste país tupiniquim ocorre muita especulação financeira na expectativa de controle dos gastos públicos em decorrência de políticas públicas sociais.
Não obstante, sei que o Brasil carece de realizar reformas estruturais, para se adequar a um parâmetro viável de austeridade fiscal.
Nessa perspectiva, a alta acumulada do dólar no final de 2024 tem de ser revertida, pois compromete o equilíbrio da economia brasileira. Fatores externos, como a tensão geopolítica, e internos, como o risco fiscal, podem assinalar os motivos da disparada do dólar. Uma combinação de fatores internos e externos explica a volatilidade da moeda norte-americana, segundo economistas e interlocutores do mercado financeiro.
Na Argentina, desde que assumiu o cargo de Presidente da República, Milei, apelidado de El loco, implementou medidas de choque, incluindo uma desvalorização de 50% do peso e o fim de controle de preços em alimentos.
Essas ações, segundo sua narrativa, estabilizaram a inflação e resultaram em um raro superávit, em 2024, destacando que o equilíbrio orçamentário é meta inegociável e permitirá redução de impostos no futuro.
Apesar de dúvidas suscitadas sobre a sustentabilidade dessas políticas, especialmente em 2025, Milei promete continuar mitigando os gastos públicos e ampliar sua base política nas eleições legislativas de outubro.
Em termos políticos, Milei não se fez de rogado, radicalizou. Seguiu à risca a ortodoxia neoliberal e conseguiu em um curto espaço gerar superávit primário, ao custo de um empobrecimento recorde da população e retração recorde do PIB, gerando recessão já no primeiro ano de governo.
Elogia-se na mídia o controle da inflação na Argentina. Entretanto, o remédio se demonstra amargo. O percentual de argentinos que vivem abaixo da linha da pobreza aumentou neste ano e chegou a 15,7 milhões de pessoas, segundo o mais recente levantamento do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (INDEC, o IBGE argentino).
A pesquisa, que abrange 31 aglomerados urbanos da Argentina, aponta que mais da metade da população (52,9%) está em situação de pobreza, cenário que abrange 4,3 milhões de famílias – 42,5% do total do país.
Reitero. Quem vem arcando com os custos da austeridade fiscal, portanto, é a população argentina.
Tanto a pobreza quanto o desemprego subiram a patamares absurdos desde que Milei assumiu o poder. A inflação continua alta, esbarrando em 100%.
O peso está sendo mantido em patamar artificial em face do dólar.
Uma advertência perdura no ar. A Argentina jamais conseguirá sair da crise sem investimento e sem consumo. Nada melhor, nesse sentido, do que recordar Keynes: “Se o capitalismo está em crise, destrua o sul de Londres”.
Borges, notável escritor argentino, como liberal convicto, profetizou as narrativas do mundo político: “penso que nenhum político pode ser uma pessoa completamente sincera. Um político está sempre à procura de eleitores, e diz aquilo que esperam que diga. No caso de um discurso político, importa mais a opinião dos ouvintes que a do orador. O orador é uma espécie de espelho ou eco do que os demais pensam. Se não for assim, fracassará.”
*Advogado militante, professor universitário, mestre e doutor em Direito Constitucional pela UFMG.