Na RMBH, mais que lagoa, uma parte da história da Paleontologia está ali
O paleontólogo dinamarquês Peter Lund se encantou com o que viu e, tanto foi, que decidiu radicar-se em Lagoa Santa para estudos e por prazer, até o fim da vida, em 1880.
29-05-2023 – 08h:56
Manoel Hygino dos Santos*
A cidade sempre esteve em evidência em Minas e no Brasil. Agora, ganha espaços maiores no exterior. Entrou em exibição “O homem de Lagoa Santa”, um filme rodado na década de 2000 e que tivera uma única exibição. Vinte e dois anos após, volta a ser visto por uma plateia muito interessada. Porque se assiste na tela, à história do paleontólogo dinamarquês Peter Lund, que se encantou com o que viu e, tanto foi, que decidiu lá radicar-se para estudos e por prazer, até o fim da vida, em 1880.
Os jornais não perdem o ensejo para realçar: “Lagoa Santa, aqui o sol é um espetáculo”, manchete que agradaria ao pai da paleontologia brasileira e cuja atividade na hoje Região Metropolitana se sentirá de perto, produzida por gente cá da terra. Enfim, valoriza-se o que é originalmente de Minas, a quarenta quilômetros da capital, muito mais jovem do que Lagoa Santa, pois Belo Horizonte foi inaugurada em 1897.
Também foi editado, há pouco, “Milagre no Sertão de Minas, a Prodigiosa Lagoa”, de autoria de Amilcar Vianna Martins Filho e Vera Alice Cardoso Silva, que assinam um belo trabalho e as pesquisas que empreenderam como “organizadores”. A publicação é do Instituto Cultural Amilcar Martins, na Coleção Memória de Minas,
Primeiramente, o livro – sob título de “Prodigiosa Lagoa descoberta nas Congonha das Minas do Sabará” – teve edição em 1749. E gerou muita polêmica, como se adverte na última capa, não apenas sobre quem teria sido seu verdadeiro autor, mais de século e meio antes. E há mais, no seu raro conteúdo.
Muitas indagações: As águas da Lagoa Grande, como então conhecida a Lagoa Santa, eram efetivamente milagrosas como sugerido pelo título do opúsculo? Os peregrinos que ali se banhavam ou bebiam a sua água em meados do século XVIII teriam realmente alcançado a cura para suas doenças, dando origem ao povoado e à construção da capela dedicada à Nossa Senhora da Saúde?
E há mais a perguntar: existiria uma explicação científica para as propriedades medicinais da água da fantástica lagoa, perdida nas brumas do tempo e restando apenas o nome do lugar e a lembrança do passado glorioso?
A estas perguntas e tantas outras suscitadas sobre o tema, as pesquisas expostas no livro produzido pelo ICAM respondem com clareza. Conveniente acrescentar que o ICAM detém a coleção de obras raras, que se tornou o primeiro acervo bibliográfico brasileiro a ser reconhecido pela UNESCO como parte da Memória do Mundo. Só esse título serviria para dar protagonismo à entidade mineira, cuja sede é ali mesmo no final da rua Ceará, no limite com avenida do Contorno.
O interessado encontrará preciosas informações sobre a Lagoa Santa, mas também as cidades de águas medicinais de Minas. O esforço que resultou na publicação do ICAM demorou vinte anos, mas valeu a pena, pois dirime dúvidas sobre a primeira edição da “Prodigiosa Lagoa”, que é de 1749.
Participaram da bela missão, especialistas na história de Minas e em acervos de obras raras. A professora Diná Araújo reconhece autenticidade dos documentos inseridos no volume valoroso. Também a professora Júnia Furtado se aprofunda e demonstra que o verdadeiro autor da “Prodigiosa Lagoa”, até então atribuída a João Cardoso de Miranda, foi o médico italiano Antônio Cialli, que viveu na Vila Real do Sabará, ali avaliou as curas e estudou a composição da água.
Júnia Furtado descreve, em outro texto, o exame dos pacientes e a análise da água realizada por Cialli, evitando que pessoas que demandavam a região não confundissem alhos com bugalhos. Vera Alice Cardoso Silva focaliza os sítios da cidade com a lagoa e o que resultou da instalação de numerosas famílias, responsabilizando-se a professora pela coautoria das obras. A pesquisadora Cristina Ávila expõe sobre a época e a mentalidade dos habitantes dessa parte do Brasil no século XVIII. Finalmente a professora Rita de Cássia Marques faz uma síntese da história da descoberta e exploração das águas virtuosas de Minas, que tanto atraem pessoas de todo o mundo ao sul do Estado.
Amilcar Vianna Martins Filho não deixa por menos a empreitada. Agradece o deputado federal Eduardo Barbosa, autor da emenda ao OGU para publicação do livro e preservação do acervo do ICAM. Também exalta a participação da historiadora Valquíria Ferreira da Silva, que fez transcrições paleográficas dos textos de Cialli Romano; Lucilene Rodrigues e Amanda Vasconcelos, pela coordenação editorial e produção do volume; e o designer gráfico Sérgio Luz, pela competente contribuição.
Também se realça a participação do Palácio do Correio Velho em Lisboa, pela cessão de imagem da Lagoa Grande no século XVIII, DA Biblioteca Municipal do Porto na pessoa da senhora Carla Azevedo, que prontamente cedeu a imagem de um dos manuscritos do médico Antonio Cialli Romano , da senhora Cristina Pinto Basto, diretora da Biblioteca da Ajuda, e da professora Ana Paula Magiani ou Magnani, da USP, pela pronta reprodução e disponibilização dos manuscritos de João Cardoso de Miranda existentes nas duas instituições. O resultado aí está, esplêndido: uma obra de se ler, conhecer, aprender e preservar. A publicação se viabilizou mediante convênio com a Secretaria de Turismo, via Secretaria Especial da Cultura com a Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo.
*Da Academia Mineira de Letras e da Associação Nacional de Escritores.