
Musk vem tentando orientar Trump no sentido de que na iniciativa privada ele pode fazer tudo o que a lei não proíbe, enquanto, que, na administração pública, ele só pode fazer aquilo que a lei lhe permite fazer. CRÉDITOS: Reprodução
Getting your Trinity Audio player ready...
|
11-04-2025 às 09h45
Caio Brandão*
X Æ A-Xii Musk, menino-prodígio, que também é chamado apenas de X pelos mais próximos, está prestes a comemorar o seu quinto ano de vida.
X se assemelha a Mozart, que compôs suas primeiras peças aos cinco anos de idade, a Chopin, que publicou a Polonaise, em Sol menor aos sete anos de vida, dentre outros seres precoces, cuja maturidade prematura a ciência ainda não logrou explicar.
X, que domina vários idiomas e faz cálculos matemáticos extravagantes, com precisão de um computador, interrompeu a regência do coral sob a sua batuta, composto de outros tantos gênios mirins, vindos de várias partes do mundo, para atender o chanceler alemão, Friedrich Merz, carente de sugestões de procedimentos sobre as reservas em ouro daquele país. Parte do tesouro está guardada no Deutsche Bundesbank, parte em Londres e outro tanto em Nova York.
A dúvida do chanceler, que está inseguro, porque tomou posse em fevereiro deste ano, diz respeito ao repatriamento de 700 toneladas do metal mantidas nos Estados Unidos desde a guerra fria, que há décadas foram retiradas da Alemanha, mediante receio de invasão pela União Soviética.
X está na linha de acesso a Elon Musk e o auxilia em seu gabinete na interlocução com dignatários estrangeiros, além de assessorar o pai nas audiências de Musk com o presidente Trump.
- Guten Morgen, sehr geehrter Herr Bundeskanzler. Ich kann Sie im Moment nicht erreichen, werde Sie aber später zurückrufen. Bitte richten Sie Frau Charlotte meine besten Empfehlungen aus”, disse X, ao telefone, fala que traduzida para o português significa “Bom dia, caro Chanceler. Não posso atendê-lo agora, mas retornarei mais tarde a ligação. Por gentileza, apresente minhas recomendações à Senhora Charlotte”. Dito isto, X desligou o telefone e afastou-se rapidamente, retornando ao canto coral, cujo grupo aguardava impaciente.
X Æ A-Xii estava organizando os cantores por naipe vocal, colocando juntos os de vozes com tessituras e características semelhantes, mas também preocupado com a complexão física dos cantores e distribuindo-os mediante avaliação de equilíbrio, entonação e a dinâmica do coro.
O desafio era grande, porque se tratava de ensaio de ópera chinesa, que tradicionalmente utiliza sistemas de notação diferentes da notação ocidental de partitura. Ademais, a música chinesa tradicional enfatiza a melodia e suas nuances, com menos foco na harmonia polifônica complexa, que é notada na música ocidental. Mas isto não era segredo para X Æ A-Xii, que dominava a matéria e queria fortalecer a presença de canto coral na ópera chinesa, embora a ênfase tradicional esteja voltada para cantores solistas e suas técnicas altamente estilizadas.
O coro tinha 20 integrantes, todos com Qi elevado e extensão aguda de voz, o que era apreciado por X Æ A-Xii, haja vista tratar-se de ópera cantonesa, música dramática teatral mais bem assimilada pelo público leigo, do que as óperas cantadas na língua oficial, o mandarim. X, apreciador do dialeto, ao mesmo se dedica nas horas vagas, trabalhando na elaboração de uma base gramatical simplificada, que pretende oferecer ao presidente Xi Jinping, por ocasião das comemorações da data de fundação do Partido Comunista Chinês.
Mal estendeu o braço que, com a mão direita segurava a batuta tocou, de novo, o telefone. O Chanceler alemão estava indócil e insistia em obter informações sobre os fatos tempestuosos que desabavam no horizonte próximo e as suas consequências.
X é delicado, apesar de objetivo e fez prontamente, ao Chanceler, ponderações convidando-o a refletir sobre nova ordem mundial que se avizinha, com atores mais conscientes e alinhados fora de submissão pura e simples a uma moeda hegemônica e a diretrizes econômicas que não conciliam os propósitos da globalização.
Friedrich está novo no cargo, mas tem vivência política e guarda registros de tempos passados, que anotam consequências de atos de lideranças autoritárias, que não encontram sintonia com a dispersão de poder gerada pela globalização, que cria multipolaridade de áreas de influência.
- Pois é, aduziu X Æ A-Xii, acrescentando que mais preocupado deve estar Xi Jinping, em face de a China ser um dos maiores detentores de títulos da dívida pública americana. O país asiático, segundo X, possuía mais de um trilhão de dólares em títulos do tesouro dos Estados Unidos, valor que diminuiu, devendo estar na casa dos oitocentos bilhões de dólares, o que ainda é muito dinheiro, principalmente estando guardado em país cujo dirigente tem comportamento errático, imprevisível e o seu vice-presidente J.D.Vance se refere aos chineses como camponeses.
O Chanceler ouviu atentamente as opiniões de X Æ A-Xii e arriscou perguntar sobre as intenções de Elon Mujsk de permanecer ou de sair do governo Trump. X sorriu, sentou-se no braço de sofá modelo Chesterfield , feito em gomos e com botões afundados no couro criando losangos, e disse: – Elon Musk é o resultado de turbulência emocional inquietante e dotado de inteligência que borbulha, principalmente do ponto de vista lógico-matemático e espacial. A soma desses fatores gera gatilhos direcionados tanto para a vida profissional, quanto para a pessoal. Na profissional Musk avança na direção do inusitado, da busca do superlativo das coisas e dos feitos, como a conquista de Marte, por exemplo. Na vida pessoal as suas emoções reprimidas, que são muitas, também são resolvidas com envolvimentos amorosos múltiplos e de natureza fugaz.
- Mas, insistiu o Chanceler, Musk fica ou sai do governo Trump?
- X Æ A-Xii sorriu de novo, segurou com firmeza o telefone e disse: -“Ele vai encontrar uma forma de se distanciar com elegância, porque não chegou a entrar exatamente. Recebeu cargo decorativo, apenas para legitimar presença no governo e apresentar ideias e propostas; algumas foram aceitas pelo Trump e outras não. Musk não é bem-visto pelos seus pares no governo, que o avaliam como pato fora d’água. Mas, a seu turno ele também não vê com bons olhos os membros da administração, que lhe parecem, em maioria, pessoas despreparadas para as funções que exercem. Assim, esse casamento não pode dar certo, porque a desconfiança é mútua.
- Mas, perguntou o Chanceler, o que levou Musk a se dedicar ao governo?
-Acredito, disse X Æ A-Xii, que Musk foi seduzido pela política, que é outra forma de poder além daquele que Elon conhece e exerce. Ser o homem mais rico do mundo significa que do primeiro lugar Musk só tem um lugar para ir, o segundo. Ser dono de uma empresa poderosa não sacia homens do seu naipe, porque o seu território fica delimitado, mesmo que essa empresa tenha a capacidade de influenciar pessoas e atitudes, através dos produtos que oferece. A política, contudo, além de glamourosa dá visibilidade e abre leque mais abrangente, cria as leis que regem o comportamento dos cidadãos, prioriza a distribuição dos recursos públicos e tem forte impacto na vida das pessoas. Ademais, impõe normas sociais modificadoras de ideologias e muda a maneira dos indivíduos enxergarem o seu meio e os seus semelhantes, e muito mais.
- Então ele fica no governo? insistiu o Chanceler.
- Creio que não, porque ele tem como líder a si mesmo e a sua bandeira é o ego que carrega, como pendão dos seus feitos empresariais e dos objetivos que avista no porvir. Aliás, este talvez seja o mote do afastamento de Musk da assessoria de Trump, ainda que meramente do ponto de vista formal. Eles têm muito em comum, principalmente na disputa de egos, apesar de Musk ter comportamento juvenil, comparado à circunspecção de Trump. O presidente o admira, certamente, mas também dele tem inveja e a recíproca é verdadeira. Trump tem talentos que Musk não possui e Musk tem virtudes, que Trump não detém. Contudo, Trump é jogador afeito ao blefe e admite o insucesso como alavanca de oportunidades, a par de sua pouca cultura e submissão a decisões mais intuitivas e impetuosas do que racionais. Ao contrário, Musk que também é intuitivo, reúne outras tantas aptidões, fruto de cultura incomum e a obstinação pelo acerto, excluindo o fracasso como ferramenta de alavancagem, porque trabalha com o exercício da lógica, mediante a análise permanente de tabelas de verdade e todos os seus conectivos proposicionais de negação, conjunção, disjunção e implicação.
“Em tempo, Musk vem tentando orientar Trump no sentido de que na iniciativa privada ele pode fazer tudo o que a lei não proíbe, enquanto, que, na administração pública, ele só pode fazer aquilo que a lei lhe permite fazer. Este entendimento evitaria confrontos com os tribunais, mas Trump aprende muito devagar.”
- E você, X , o que enxerga na linha do horizonte geopolítico?”
- Não tenho o dom da adivinhação, respondeu X, mas posso tirar algumas conclusões mediante o cenário atual. Face às atitudes de Trump, o mundo despertou para o risco de hegemonias, quer de moeda, quer de poder político e militar de quem pode mais. A tendência será a formação de novos blocos de poder. Países vão afinar conexão para a troca de serviços e produtos, mediante intercâmbio comercial de conveniência bilateral e procurando o equilíbrio possível. Transações com o uso de outras moedas, afora o dólar, se tornarão mais frequentes e usos, e costumes, serão abolidos, com produtos cotidianos tradicionais sendo substituídos por outros, inclusive com a adoção de novas fontes alternativas de proteínas. No campo das ciências haverá maior conexão no tocante a busca de novos antibióticos e a produção dos princípios ativos dos medicamentos, além da quebra de patentes, bem como os investimentos em TI, que vão se multiplicar. A absorção de minério de ferro e outros minerais importantes vai diminuir, e a oferta de aço e de ligas especiais terá que enfocar equação ponderada de produção e consumo. Os países também estarão preocupados com alimentação, saúde, educação e fontes de energia e tentarão deixar os supérfluos em segundo plano. Se isto acontecer Trump vai ficar falando sozinho e o planeta encontrará novos rumos de sobrevivência, desenvolvimento e qualidade de vida. Enfim, são deduções óbvias, sobre as quais o mundo está se debruçando, concluiu X.
- E sobre o Trump, como pessoa, o que me diz, perguntou o Chanceler.
- Não sei muito sobre ele, apesar de achá-lo grosseiro, disse X Æ A-Xii. Mas li um artigo publicado no jornal El País, que fala da sua rotina no seu primeiro mandato: “não lê livros, não pratica esportes e é conhecido por sua dieta insalubre. Trump se levanta antes das seis da manhã, mas só começa a trabalhar às 9h. Depois de três horas dedicadas a entretenimento, o presidente faz reuniões com assessores e empresários de vários setores e com frequência almoça com o vice-presidente. Por volta das 18 horas dá o expediente por encerrado e vai para casa ver televisão, porque a família continua morando em Nova York”.
– Será que neste segundo mandato mudou alguma coisa nessa rotina, indagou X.
Sobre gostos e diversões, disse X Æ A-Xii acho que Musk e Trump têm muito em comum, principalmente no que toca a multiplicar dinheiro e a se entreter com o sexo oposto. Nada contra e penso que eu também vou passar por isto, mas tudo a seu tempo.
E você, meu jovem, o que pretende fazer com a sua precocidade e inteligência, perguntou o Chanceler alemão.
- Estou me preparando para tomar o lugar deles, respondeu X Æ A-Xii Musk.
* Caio Bandão é Jornalista