Seu poder transformador de vidas e comunidades através da Arte. “A educação pela música é capital, porque o ritmo e a harmonia mais a afetam [a alma], trazendo consigo a perfeição …”
Dr. Handel Cecilio*
A música, como expressão artística universal, tem o poder de transcender barreiras culturais, linguísticas e sociais. A música não se restringe apenas ao entretenimento, ao uso como fundo musical ou mesmo a propósitos religiosos; ela é uma ferramenta poderosa que contribui significativamente para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social dos indivíduos.
Platão (427-347 a.C.) considerava a música uma parte fundamental da educação e da formação do caráter e pode influenciar diretamente a ética e a moral dos cidadãos. Ele acreditava que melodias e ritmos influenciavam diretamente o comportamento e o desenvolvimento intelectual das pessoas. Em sua obra “A República”, especialmente nos Livros II e III, discute detalhadamente o papel da música na educação e na formação do caráter, e como a música adequada harmoniza a alma, promovendo equilíbrio entre razão e emoção. Em seu Livro III ele afirma no texto original “A educação pela música é capital, porque o ritmo e a harmonia mais a afetam [a alma], trazendo consigo a perfeição e tornando aquela perfeita, se se tiver sido educado [corretamente]” (PLATÃO; Livro III, seções 401d a 402a.; P. 132; 2001). Neste trecho, o filósofo grego Platão[I] argumenta que a música tem um impacto profundo na alma humana. Ele acredita que o ritmo e a harmonia possuem a capacidade de alcançar os recessos mais profundos da alma, conferindo-lhe graça e aprimorando seu caráter. A educação musical, portanto, não é apenas sobre adquirir habilidades técnicas, mas também sobre moldar a ética e a moral dos cidadãos, promovendo um equilíbrio entre razão e emoção, qualidades essenciais de um músico integro, completo.
No desenvolvimento cognitivo, a educação musical estimula diversas áreas do cérebro, promovendo melhorias na memória, atenção e habilidades de resolução de problemas. O aprendizado de instrumentos musicais, por exemplo, exige coordenação motora fina e compreensão de conceitos teóricos —isto é, envolve raciocínio e movimento—o que pode contribuir para o aprimoramento das capacidades intelectuais. Portanto, a educação musical é uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento cognitivo, oferecendo benefícios que transcendem a aprendizagem musical em si. Ao estimular diversas áreas do cérebro, a música contribui para o aprimoramento da memória, da atenção, das habilidades linguísticas e do raciocínio lógico. Investir na educação musical é, portanto, investir no desenvolvimento integral do indivíduo, preparando-o para os desafios acadêmicos e da vida cotidiana.
Quanto aos benefícios emocionais, a música é uma forma poderosa de expressão emocional que pode ajudar os indivíduos a processar e comunicar sentimentos complexos. A educação musical proporciona um meio para a exploração da criatividade. Assim, ao aprender a tocar um instrumento ou a cantar, os indivíduos ganham uma nova linguagem para manifestar sentimentos que podem ser difíceis de verbalizar. Este processo permite que as pessoas processem emoções complexas, como alegria, tristeza, raiva ou amor, de uma forma saudável e criativa. Isto posto, educação musical contribui para o aprimoramento da inteligência emocional, que é a capacidade de reconhecer, compreender e gerenciar as próprias emoções e as dos outros.
Como forma de interação social e cultural, a educação musical desempenha um papel fundamental na promoção da interação social e cultural. Participar de atividades musicais em grupo, como coros (corais), grupos instrumentais, promove a cooperação e o senso de comunidade. É uma forte ferramenta de socialização. Ao envolver indivíduos em atividades musicais, ela não apenas desenvolve habilidades artísticas, mas também fortalece os laços comunitários, promove a compreensão entre diferentes culturas e contribui para a coesão social. Projetos comunitários de música oferecem oportunidades para cidadãos de todas as idades e contextos sociais participarem, promovendo a igualdade e combatendo a exclusão social, e até despertando o interesse para a profissionalização. A música também serve como um veículo para a preservação e disseminação de patrimônios culturais, fortalecendo a identidade coletiva e o respeito pela diversidade. Isso se reflete em minha atuação em concertos e cultos em outros países, onde sempre apresento o repertório de compositores brasileiros e interpreto obras de outros países com uma abordagem “brasileira”. Amaral Vieira, renomado pianista, compositor e musicólogo, destacou meu trabalho como organista internacional, dizendo: “Você é um importante embaixador da música brasileira!”. E, nesta mesma prática, minhas composições são executadas por organistas europeus e americanos.
Em se tratando de saúde e bem-estar, a música tem efeitos terapêuticos comprovados, contribuindo para a redução do estresse, ansiedade e sintomas de depressão. A educação musical pode, portanto, desempenhar um papel significativo na promoção da saúde mental e do bem-estar geral. Por abranger dimensões emocionais, cognitivas, físicas e sociais, a música se revela uma ferramenta terapêutica poderosa, beneficiando a qualidade de vida em todas as idades. A prática musical é reconhecida por sua capacidade de reduzir os níveis de estresse e ansiedade. Tocar um instrumento ou cantar estimula a liberação de endorfinas e serotonina, neurotransmissores associados ao prazer e ao bem-estar. A música também diminui a produção de cortisol, o hormônio do estresse, promovendo relaxamento e tranquilidade. O fazer musical exige esforço físico, contribuindo para a melhoria da coordenação motora, da postura e da respiração. Como exemplos, instrumentos de sopro fortalecem o sistema respiratório, enquanto a prática de percussão pode melhorar a coordenação motora fina e grossa. A musicoterapia é um campo estabelecido que utiliza a música para atingir objetivos terapêuticos específicos.
E no que diz respeito ao aspecto espiritual, um exemplo notável da influência da música é seu papel central dentro dos ambientes e culturas religiosas. A música religiosa vai além de embelezar os rituais; ela é fundamental como forma de expressão durante cultos e atos de adoração, criando uma atmosfera propícia à espiritualidade e à conexão com o divino. Além disso, serve como uma poderosa ferramenta pedagógica para o ensino de princípios bíblicos, teológicos e doutrinários. Através de hinos, salmos e cantos litúrgicos[II], conceitos complexos são transmitidos de maneira acessível e memorável, facilitando a compreensão e a internalização dos ensinamentos religiosos. É também é uma forma profunda de expressão da fé individual e coletiva, permitindo que os fiéis testemunhem suas crenças e experiências espirituais. A música sacra é a mensagem bíblica cantada, seja em temas de adoração, louvor, testemunho, e até passagens das Escrituras, sendo também uma forma efetiva de oração, seja ela cantada ou tocada. Ela dá voz às emoções e convicções que muitas vezes vão além das palavras, fortalecendo o vínculo entre os membros da comunidade religiosa. Além de unir a congregação em um grande coro, a música religiosa perpetua tradições, promove a coesão social e mantém vivos os valores e narrativas que são passados de geração em geração.
Nesse contexto, catedrais e igrejas têm historicamente exercido um papel fundamental no ensino musical. Além de integrar a música em suas liturgias, elas também atuam como centros de formação de novos músicos, assegurando a renovação constante de talentos em suas comunidades. Ao oferecer programas de educação musical, através de suas escolas de música, elas despertam talentos e cultivam habilidades artísticas dentro da comunidade religiosa. Isso não apenas garante a continuidade e a excelência da música religiosa, mas também fortalece os laços comunitários e oferece aos indivíduos a oportunidade de desenvolver seus dons em um ambiente que valoriza a arte como expressão de fé. Esse investimento no desenvolvimento de músicos assegura que a igreja seja continuamente mantida por profissionais de qualidade, capazes de enriquecer as celebrações e inspirar os fiéis através da música. Dessa forma, o ensino musical nas catedrais e igrejas é essencial para manter viva a tradição musical religiosa e para inspirar novas gerações de músicos dedicados.
O Salmo 33, versículo 3, diz: “Entoai-lhe um novo cântico; tocai com arte e com júbilo” — uma tradução direta do hebraico em que temos: (Shiru-lo): “Cantai-lhe” ou “Cantem para Ele”; (Shir chadash): “Um cântico novo”; (Heitivu naguen): “Tocai bem” ou “Tocai habilmente”; (Bit’ruah): “Com júbilo”, “com aclamação” ou “com alegria”.[III]
Este versículo, um Salmo de Davi, convida os fiéis a louvarem a Deus com um cântico novo, encorajando não apenas o canto, mas também a execução musical com habilidade e alegria. A expressão “tocai bem” enfatiza a importância de oferecer o melhor através da música, enquanto “com júbilo” destaca a alegria e entusiasmo que devem acompanhar o louvor quando cantados ou tocados. Para “tocar bem” ou “habilmente”, é fundamental investir no estudo, na prática e no aprofundamento do conhecimento musical.”
No livro, Paul Westermeyer traça uma análise abrangente da história da música na igreja cristã. Ele destaca que, ao longo dos séculos, as igrejas demonstraram sabedoria ao estabelecer e manter escolas de música. Westermeyer argumenta que o investimento das igrejas na educação musical não apenas enriqueceu a liturgia com música de alta qualidade, mas também trouxe benefícios significativos para a comunidade em geral, se beneficiando do fortalecimento dos laços sociais e do enriquecimento cultural (Westermeyer, 1998).
A música na liturgia tem o poder singular de tocar e impactar mais profundamente aqueles que a ouvem e aqueles que a executam do que muitas palavras faladas. A afirmação é sustentada tanto por evidências científicas quanto por observações históricas e filosóficas. Estudos em neurociência mostram que a música ativa múltiplas áreas do cérebro simultaneamente, incluindo aquelas relacionadas às emoções, memória e cognição, resultando em uma experiência mais envolvente e memorável do que a comunicação verbal isolada. Friedrich Nietzsche afirmou: “Sem música, a vida seria um erro”. Através de melodias e harmonias, a música transcende as barreiras da linguagem, comunicando emoções e significados que as palavras muitas vezes não conseguem expressar. Do ponto de vista psicológico, a música ativa áreas do cérebro relacionadas às emoções, à memória e à espiritualidade, criando uma experiência mais envolvente e significativa para os fiéis. Ela facilita uma conexão mais profunda com o divino, estimulando reflexões internas e fortalecendo a fé. Platão reconhecia esse efeito ao afirmar: “A música dá alma ao universo, asas à mente, voo à imaginação e vida a tudo”.
Portanto, incorporar a música na liturgia não é apenas um adorno estético, mas uma ferramenta poderosa que enriquece a experiência religiosa, promove a união da congregação e aprofunda a compreensão espiritual dos ensinamentos.
Considerações finais
Investir na educação musical é investir no desenvolvimento integral dos indivíduos e, consequentemente, no progresso da sociedade. Ao proporcionar benefícios que vão além da aprendizagem musical em si, ela desempenha um papel crucial na formação de cidadãos mais conscientes, sensíveis e socialmente engajados. O Jornal Diário de Minas defende a música no ensino e trabalha para sensibilizar o Congresso Nacional e o Executivo Federal sobre a inclusão da disciplina “Educação Musical” na grade escolar do 1º ao 9º ano.
*Dr. Handel Cecilio – Organista e Pianista Concertista Internacional. Professor de Música – Músico em eventos sociais.
I Platão foi fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo
ocidental.
II Améns (por exemplo “Amém Tríplice”); Aleluias, Kyrie, Salmo Responsorial, Santo (Sanctus) etc. III Tradução revisada pelo Rabino Messiânico Matheus Zandona, da Sinagoga Ensinando de Sião, em Belo Horizonte. (https://ensinandodesiao.com.
Referências Bibliográficas
HALLAM, S. (2010). The power of music: its impact on the intellectual, social and
personal development of children and young people. International Journal of Music
Education, 28(3), 269-289.
JUSLIN, P. N., & Sloboda, J. A. (Eds.). (2010). Handbook of Music and Emotion:
Theory, Research, Applications. Oxford University Press.
KOELSCH, S. (2009). A neuroscientific perspective on music therapy. Annals of the New
York Academy of Sciences, 1169(1), 374-384.
PLATÃO. A República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbbenkian, 2001.
TURINO, T. (2008). Music as Social Life: The Politics of Participation. University of
Chicago Press.
WESTERMEYER, P. (1998). Te Deum: The Church and Music. Fortress Press.