15-12-2024 às 10h50
Por Dr. Handel Cecílio
Comemorações dos 80 Anos da Força Expedicionária Brasileira
As bandas militares têm suas raízes na Antiguidade, quando formações musicais eram usadas em exércitos para comunicar ordens, motivar os soldados e sincronizar os movimentos em batalhas e marchas. Durante a Idade Média, essas bandas evoluíram na Europa, especialmente no Período Renascentista, tornando-se símbolos de poder e organização militar. Com o tempo, as bandas militares adquiriram um papel mais cerimonial e cultural, atuando em eventos públicos, celebrações oficiais e funerais de Estado, além de manterem sua função original de promover disciplina e moral no ambiente militar. Também foram responsáveis por popularizar o repertório marcial e influenciar diretamente o desenvolvimento da música sinfônica e da música de banda em geral.
As bandas militares chegaram ao Brasil com os colonizadores portugueses. No período colonial, eram comuns bandas ligadas às tropas reais, tocando em eventos religiosos, civis e militares, especialmente a partir do século XVII. Nessa época, as tropas portuguesas precisavam organizar estruturas militares para a defesa do território contra invasões estrangeiras, como as tentativas de ocupação pelos franceses e holandeses, além do controle interno nas áreas coloniais. Com a chegada da Família Real em 1808, as bandas militares passaram a ter mais destaque e organização, com a formalização de escolas de música e regimentos. As bandas militares desempenharam um papel crucial na difusão da música europeia no Brasil, ajudando a moldar a música erudita nacional e influenciando as bandas civis nas cidades do interior. Em Minas Gerais, essas bandas sempre tiveram um papel crucial na formação da identidade cultural local, influenciando tanto as cidades mineradoras quanto as vilas menores. Desde o período colonial, sua influência foi sentida tanto em cidades mineradoras quanto em vilas menores. Ligadas a eventos cívicos, religiosos e culturais, as bandas ajudaram a popularizar instrumentos e técnicas musicais. Durante o século XIX, o estado testemunhou o surgimento de várias corporações musicais civis que se espelhavam nas bandas militares em disciplina e organização. Minas Gerais é conhecida até hoje por suas bandas de música, muitas delas com raízes no legado militar, desempenhando papel importante nas festividades religiosas, como as celebrações da Semana Santa e as procissões.
Atualmente, as bandas militares brasileiras continuam ativas em várias corporações do Exército, Marinha, Aeronáutica e polícias militares do Brasil, inclusive em Minas Gerais. Além de atuarem em solenidades e eventos cerimoniais, elas promovem a educação musical e o desenvolvimento cultural, inspirando jovens e reforçando os laços entre as instituições militares e a sociedade. Esse rico histórico mostra que as bandas militares, mais do que grupos musicais, são símbolos de tradição, disciplina e cultura, com um legado que transcende os quartéis e se perpetua na sociedade brasileira.
Como parte das comemorações dos 80 anos da Força Expedicionária Brasileira (FEB), vários eventos marcaram a importância histórica da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. O Exército Brasileiro lançou a campanha “FEB 80 ANOS: HERÓIS SEMPRE LEMBRADOS”, focada em homenagear os pracinhas que lutaram nas batalhas de Monte Castello, Montese e Castelnuovo. Diversos eventos foram organizados para celebrar esse legado, incluindo solenidades, a publicação de material biográfico dos militares envolvidos e a divulgação de imagens históricas.
Entre os anos de 1944 e 1945, mais de 25 mil integrantes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) atravessaram o Oceano Atlântico para participar dos esforços dos Aliados contra o totalitarismo na Europa. O Brasil foi o único país da América Latina a enviar tropas para lutar no maior conflito armado da história, a Segunda Guerra Mundial. Composta por cerca de 25.000 homens e mulheres, incluindo enfermeiras, a FEB se destacou em batalhas cruciais como Monte Castello e Montese, contribuindo para a quebra da Linha Gótica. Os pracinhas, como eram chamados os soldados da FEB, enfrentaram o rigoroso inverno europeu e desafios logísticos, destacando-se pela resiliência e coragem. Apesar das dificuldades e do esquecimento inicial ao retornarem ao Brasil, o legado da FEB permanece valorizado em cerimônias e documentários que honram sua contribuição ao esforço de guerra.
Em comemoração aos 80 anos da Força Expedicionária Brasileira (FEB), foi realizado, no dia 24 de novembro de 2024, um evento na Sala Minas Gerais, em Belo Horizonte. Diversas autoridades civis e militares, além de familiares dos músicos integrantes das bandas, estiveram presentes na celebração. O evento se destacou pela organização impecável, desde o credenciamento até a recepção das autoridades civis e militares, bem como dos membros da Sociedade Amigos da Marinha (SOAMAR), da qual sou membro engajado. No hall de entrada da Sala Minas Gerais, estavam expostos itens que materializavam a história dos heróis homenageados, provenientes de diversos locais: o Museu da FEB – Espaço Cultural da 4ª Região Militar, o acervo do colecionador Marcos Moretzsohn Renault Coelho, o Museu do Exército do Forte de Copacabana e o Museu da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. Neste mesmo espaço, o gaitista Nicolas Ramos Antunes Venâncio, Soldado de 1ª classe da Polícia Militar de Minas Gerais, recebeu os convidados com sua gaita de foles escocesa (bagpipe). As gaitas de foles, originalmente instrumentos folclóricos, começaram a ser usadas em música de corte a partir do século XV, e algumas delas sobreviveram como instrumentos militares. Hoje, as gaitas de foles escocesas são tocadas em diversos eventos importantes, como casamentos, funerais e cerimônias militares. Embora no Brasil a gaita de foles não seja comum em cerimônias militares tradicionais, como em outros países, ela pode ser incorporada a eventos que envolvam unidades com laços culturais específicos. Isso reflete uma adaptação cultural e uma homenagem às tradições militares de outras nações. Um exemplo disso é a Banda Marcial do Corpo de Fuzileiros Navais, que recebeu gaitas de fole escocesas como presente da Rainha da Inglaterra, enriquecendo a sonoridade de suas apresentações. Essas performances se destacam pela mistura equilibrada de músicas populares e eruditas, além de sua capacidade de formar figuras e realizar evoluções durante a execução.
Para este concerto foi organizada uma Banda Sinfônica composta pelas bandas do 12º Batalhão de Infantaria Leve de Montanha; da Banda Asas de Minas – do Centro de Instrução e Adaptação da Aeronáutica; da Banda de Música do Centro de Atividades Musicais da Polícia Militar; e da Banda Sinfônica do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. Como participação especial, a Banda de Música do Colégio Militar de Belo Horizonte-CMBH abriu o concerto de forma brilhante. Composta por mais de 50 músicos, tem como regente oficial o 1º Sargento Wagner Rodrigues dos Santo. A Banda do CMBH executou duas obras, o “Dobrado Barão do Rio Branco”, de Francisco Braga; e a “Canção do Expedicionário”, de Guilherme Almeida e Spartaco Rossi. Esta banda tocou com uma excepcional afinação e precisão rítmica, sob a regência dos alunos: Caio César, na primeira obra; e Luís Alberto, na segunda obra. A banda de música do Colégio Militar de Belo Horizonte foi criada em 21 de abril de 1956 e tem atuado gradativamente em solenidades escolares, praças públicas, outros estabelecimentos de ensino e lares de repouso. Seu objetivo é propagar a cultura musical.
Na continuação do concerto, foram apresentadas a obras: “Light Cavalry Overture” (Abertura da Cavalaria Ligeira), de Franz Von Suppé, regência do 1º Sargento Sílvio; “Maria, Maria”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, regência do Capitão Eleônio, e solista Bruna Maria; “Florentiner March”, de Julius Fućík; Regência do 1º Tenente Antunes; “Mia Gioconda”, de Vicente Velestino, com a participação do tenor Ian Lopes, e regência do Suboficial Alexandre Oliveira; “Great Themes From Great Italian Movies”, de John Cacavas, tendo como regente o Capitão Eleônio; “Lili Marleen”, letra de Nobert Schultze e música de Hans Leip, sob a batuta do 2º Tenente Emílio, e com a participação da soprano Mayra Lopes; “Amazing Grace”, de John Newton – Arranjo de Ed Dickson, regida pelo Suboficial Alexandre Oliveira, interpretada pela solista Sargento Joyce Santos de Souza Raibolt; e finalizando o programa, A “Suíte Guerra, O Confronto”, de autoria do 2º Tenente Emílio Gomes.
Antes do início deste concerto, enquanto estávamos reunidos na Sala VIP do evento, captamos as impressões de dois ilustres convidados presentes, autoridades que compartilharam suas opiniões sobre a importância e o impacto do encontro. O primeiro entrevistado foi Luiz Felipe Lehman, voluntário no Museu da Força Expedicionária Brasileira e membro da Primeira Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte, que se expressou da seguinte forma: “No relato sobre o concerto da banda das Forças Armadas, ressalto a emoção ao homenagear os brasileiros que lutaram na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Como voluntário no Museu da Força Expedicionária Brasileira, reconheço o significado histórico desses eventos, capturados no concerto que também revelou a humanidade e a expressão emocional dos militares através da música. Os músicos demonstraram uma qualidade excepcional, que foi uma surpresa para mim, considerando que normalmente associamos militares mais com suas funções de combate do que com a arte. A música serviu como uma ponte para revelar a humanidade e a capacidade de expressão emocional dos membros das Forças Armadas. É relevante também a contribuição das bandas para a formação dos jovens, como é o caso do Colégio Militar de Belo Horizonte, que tem uma banda própria. Isso é importante porque ajuda na formação musical dos alunos e enriquece culturalmente o país. A “Suíte Guerra, O Confronto, do 2º Tenente Emilio Gomes, foi marcante por evocar vividamente os horrores da guerra, e as bandas militares reforçam a imagem positiva das Forças Armadas na sociedade, ao mesmo tempo que contribuem para a formação cultural dos jovens, como na banda do Colégio Militar de Belo Horizonte. Esses momentos de música são cruciais para lembrar a importância da liberdade e da democracia, ainda desafiadas nos dias atuais, reafirmando a necessidade de defendermos continuamente nossos direitos democráticos”.
Outro depoimento foi prestado por Marcos Moretzsohn Renault Coelho, Presidente da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira de Belo Horizonte, e Curador do Museu da FEB de Belo Horizonte, que assim se expressou: “Os participantes destacaram a alta qualidade da performance musical, com interpretações impecáveis e uma motivação nobilíssima que envolveram a plateia. A música foi reconhecida como essencial para o ambiente militar, motivando a tropa e reforçando tradições, valores e sentimentos nobres. As bandas militares são vistas como um elo importante entre as Forças Armadas e a sociedade civil. A banda do Colégio Militar de Belo Horizonte especificamente, é considerada vital para a formação dos estudantes, promovendo socialização, lazer e trabalho futuro, além de transmitir valores nacionais. O concerto, que incluiu uma seleção musical em homenagem à Força Expedicionária Brasileira, emocionou pessoalmente os participantes, especialmente aqueles com ligação afetiva aos heróis da segunda guerra mundial. A maioria expressou interesse em futuros concertos das bandas das Forças Armadas”
O concerto, realizado na Sala Minas Gerais em comemoração ao 80º aniversário da Força Expedicionária Brasileira (FEB), foi um marco histórico-musical de grande significado. Este evento reuniu uma “sinfonia” de uniformes e instrumentos, onde a música ressoou não apenas como uma vibrante homenagem aos heróis do passado, mas também como um símbolo de unidade e cultura. Todas as obras musicais apresentadas foram imbuídas de um profundo respeito histórico e uma paixão ardente pela música, destacando o papel transcendental da música em unir as pessoas em memória e gratidão. A Banda Sinfônica formada pelas Forças Militares e Policiais do Brasil fortaleceu nossa memória nacional, o nosso civismo. Também merece destaque: A banda de Música do Colégio Militar, os maestros e solistas. Neste contexto, a música, mais que uma arte, revelou-se como um elo entre gerações, ressoando o espírito resiliente e esperançoso de uma nação que valoriza tanto a sua história quanto o seu futuro. Esta noite memorável foi um lembrete vibrante de que a música, em seu papel transcendental, continua sendo uma força poderosa para o entendimento cultural e a cura nacional. Lutemos por menos armas e guerras, e por mais instrumentos e música!
Doutor em Música pela UNICAMP/Universidade de Coimbra
Organista, Pianista e Cravista – Concertista Internacional – Professor de Música
Músico em eventos e Cerimônias – www.handelcecilio.com