Créditos: Divulgação
21-12-2025 às 10h20
Inácio Botto*
O turismo tem como base o deslocamento de pessoas motivadas pelo lazer e/ou por outras finalidades, como eventos e negócios. Nesse contexto, as manifestações humanas (festas, tradições, construções, memórias e formas de viver) passam a constituir a essência da prática turística, pois traduzem a identidade e a história de uma comunidade.
Em Juiz de Fora, no interior de Minas Gerais, o Museu Mariano Procópio ocupa lugar central nesse diálogo entre turismo, memória e patrimônio. Reconhecido como patrimônio brasileiro, todo o conjunto que envolve o Parque, a Villa Ferreira Lage e o Prédio Mariano Procópio foi tombado por seu valor arquitetônico e paisagístico.

Mas seu valor vai além dos decretos: ele mora no sentimento de quem vive Juiz de Fora, feito de lembranças costuradas ao tempo, passos, olhares, aromas e pausas que fazem desse lugar um refúgio, onde a memória repousa com leveza e volta sempre, como uma presença íntima.
Primeiro museu de Minas Gerais, o Mariano Procópio nasceu da paixão do colecionador Alfredo Ferreira Lage (1865–1944). Dedicado à formação de um dos mais importantes acervos artísticos, históricos e científicos do país, Alfredo abriu sua coleção para visitação em 1915, como museu particular, e a inaugurou oficialmente em 23 de junho de 1921. Um dos grandes destaques do acervo é o conjunto imperial, reconhecido por seu ecletismo e relevância histórica.
O ano de 2025 marca os duzentos anos de nascimento de Dom Pedro II, figura essencial para compreender a formação do Brasil moderno. Intelectual, curioso e incentivador da ciência, da educação e das artes, o imperador deixou um legado complexo e profundo. Nesse cenário, o Museu Mariano Procópio se consolida como espaço privilegiado para revisitar essa história, unindo patrimônio e turismo cultural em uma experiência integrada de conhecimento.
Mais do que um museu, o Mariano Procópio é parte da própria formação de Juiz de Fora. Sua história se conecta diretamente ao desenvolvimento regional do século XIX e ao projeto de modernização do Império. A inauguração da Rodovia União e Indústria, em 1861, foi decisiva para a integração de Minas Gerais ao Rio de Janeiro, ampliando o comércio, a circulação de ideias e o desenvolvimento urbano.
A presença de Dom Pedro II em Juiz de Fora, entre 23 e 27 de junho de 1861, por ocasião da inauguração da estrada, reforçou a importância estratégica da cidade no cenário nacional. Para além da visita oficial, o Imperador registrou uma Juiz de Fora em pleno século XIX, que começava a despontar com força no contexto brasileiro. A Estrada União e Indústria também impulsionou o escoamento do café da Zona da Mata, consolidando Juiz de Fora como polo econômico e como ponto de encontro entre o interior e a capital do Império.

Acervo da Fundação Museu Mariano Procópio
Essa visão de progresso está diretamente associada à trajetória da família Ferreira Lage. Mariano Procópio, idealizador da rodovia, foi um dos grandes “homens de seu tempo”, adepto das tecnologias e inovações que impulsionavam o Brasil do século XIX. Seu filho, Alfredo, ampliou essa herança: enquanto o pai abriu caminhos físicos, Alfredo abriu caminhos simbólicos. Dedicou-se a reunir os vestígios do passado, compreendendo que o desenvolvimento também depende da preservação da memória e da identidade cultural.
Influenciado pela mãe, Maria Amália, e por sua companheira de vida, Maria Pardos, Alfredo reuniu ao longo de sua trajetória uma coleção notável: obras de arte, mobiliário, pintura, peças de mineralogia, ciências naturais, numismática, autógrafos, gravuras e inúmeros objetos históricos. O caráter eclético de seu acervo remete aos antigos “gabinetes de curiosidades”, origem dos primeiros museus modernos, nos quais ciência, arte e história coexistiam.
Assim, o Museu Mariano Procópio nasceu desse ideal de unir memória e conhecimento e consolidou-se como uma das mais importantes instituições do Brasil, tanto pela riqueza de seu acervo quanto por sua contribuição à museologia e ao turismo cultural. Suas coleções documentam não apenas o período imperial, mas a formação da sociedade brasileira, oferecendo ao visitante um mergulho em diferentes tempos.
Nos últimos anos, amparado pela nova sociomuseologia, o museu vem fortalecendo suas ações culturais e educativas, ampliando o acesso e aproximando novos públicos e debates — como os que envolvem as mudanças climáticas. Oficinas para crianças, visitas mediadas, ampliação do horário de funcionamento por meio das visitas noturnas, roteiros temáticos aos fins de semana e diversas atividades no Parque — como clube da caminhada, yoga, oficinas de dança, apresentações artísticas e programação de férias — transformam o espaço em um ambiente de aprendizado vivo e participativo.
Nesse movimento de reflexão sobre suas coleções e sobre seu papel na contemporaneidade, o museu apresenta duas exposições que dialogam diretamente com sua história e, de certa forma, com o bicentenário de Dom Pedro II.
A primeira, “Fios de Memória: a formação das coleções do Museu Mariano Procópio”, investiga a trajetória colecionista de Alfredo Ferreira Lage, destacando o caráter eclético de suas coleções, a influência feminina em sua formação e os vínculos com as memórias monárquicas. A mostra também reflete sobre os desafios contemporâneos dos museus na tarefa de reinterpretar e ressignificar seus acervos.
Já a exposição “Rememorar o Brasil: a independência e a construção do Estado-Nação” oferece uma releitura sensível do Brasil imperial, evidenciando como arte, cultura e política se entrelaçaram na formação da identidade nacional. Juntas, as duas exposições reforçam o compromisso do museu com a educação, a transparência histórica e o engajamento social.
Essas iniciativas reforçam o papel da instituição como espaço de diálogo e pertencimento, alinhado ao crescimento do turismo cultural em Juiz de Fora. O museu e o parque formam, com seus 78.240 m², o principal atrativo da cidade, recebendo milhares de visitantes de diversas regiões do Brasil e do exterior. Ao proporcionar contato direto com o patrimônio histórico e natural, o Mariano Procópio fortalece a economia local e reafirma a importância da memória coletiva.
O visitante que percorre o museu não apenas observa objetos do passado, mas vivencia uma experiência sobre a formação da sociedade brasileira. A presença de D. Pedro II, em retratos, objetos pessoais e documentos, simboliza a ligação entre o Império e o país contemporâneo. Sua visão de que o progresso depende do conhecimento encontra eco no propósito do museu.
Celebrar os duzentos anos de Dom Pedro II é, também, celebrar o papel do Museu Mariano Procópio na preservação e divulgação desse legado. Em seus espaços, a história ganha vida e a visita se transforma em aprendizado. Ao unir memória, turismo e educação, o museu reafirma sua importância como agente fundamental no desenvolvimento cultural e social de Juiz de Fora.
O bicentenário do imperador é mais do que uma comemoração: é uma oportunidade de refletir sobre como o patrimônio pode inspirar novas formas de (re)conhecer e valorizar o Brasil. No coração da cidade, o Museu Mariano Procópio segue cumprindo essa missão, mantendo viva a relação entre história, conhecimento e cidadania.
Saiba Mais!
ALVES, M. B.; BOTTO, I.; VIEIRA, P. R. Turismo, Educação Patrimonial e Extensão Universitária: Reflexões a partir do Programa de Extensão “O Turismo no Museu” da Universidade Federal de Juiz de Fora. Revista Hospitalidade, [S. l.], v. 18, n. 03, p. 91–115, 2021. DOI: 10.29147/revhosp.v18i03.979. Disponível em: https://www.revhosp.org/hospitalidade/article/view/979.
BOTTO, Inácio. História e Turismo: um olhar sobre a cidade de Juiz de Fora, MG (1900-1930). Juiz de Fora: Editora Afra Cultural, 2024.
BEDIAGA, Begonha (Org.). “Diário do Imperador D. Pedro II (1840-1891)”. Petrópolis: Museu Imperial, 1999.
FUNDAÇÃO MUSEU MARIANO PROCÓPIO. Canal da Fundação Museu Mariano Procópio. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/c/fundacaomuseumarianoprocopio
PINTO, Rogério Rezende. Alfredo Ferreira Lage, suas coleções e a constituição do Museu Mariano Procópio – Juiz de Fora, MG. 2008. Dissertação (Mestrado em História) — Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2008.
STEPHAN, Lina Malta. Análise das Intervenções Arquitetônicas nos Imóveis Tombados do Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora – MG. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Ambiente Construído, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2015.
*Inácio Botto é gerente de Ações Culturais da Fundação Museu Mariano Procópio. Mestre em Turismo, Cultura e Ambiente e especialista em Atrativos Culturais pela Universidade Federal Fluminense, é bacharel em Turismo com ênfase em Patrimônio e Gestão de Destinos Turísticos pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É bacharel e licenciado em História pelo Centro Universitário Internacional — UNINTER. É Guia de Turismo pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais, professor, atua nas áreas de patrimônio cultural, educação e produção cultural. Criador de conteúdo digital sobre história e turismo, atualmente cursa MBA em Curadoria, Museologia e Gestão de Exposições pela Estácio.

