Mundo Encantado
O que significaria alguém, uma mulher, trazer consigo um tanto de gordura que tomara emprestado de outra pessoa. As mulheres, em seus afazeres, todas adultas, conversavam.
04-02-2024 às 07:37h.
Rufino Fialho Filho*
Houve uma época em que menino não entrava em conversa de adulto.
Hoje mudou: adulto é que não tem espaço em conversa de criança.
Antes, a seriedade no ar e etiquetas na mesa, na sala de visitas, no clube.
Na cozinha, também. Foi lá que o menino ouviu:
- Ela não veio porque está com gordura emprestada.
O menino ouviu. Não entendeu.
“Gordura emprestada?”
Miséria de vida.
O que significaria alguém, uma mulher, trazer consigo um tanto de gordura que tomara emprestado de outra pessoa.
As mulheres, em seus afazeres, todas adultas, conversavam.
Não havia espaço naquela conversa para que o menino esclarecesse o significado da “gordura emprestada”.
Bobagem perguntar. Os adultos o ignorariam. Se elas ouvissem, podiam responder por alto ou considerariam uma pergunta idiota e ririam.
O negócio, decidiu, era atenção redobrada, ouvido aberto, bem aberto, na expectativa de que uma pista surgisse.
Ela, a ela da conversa, a ela que se ausentara, que não viera hoje, esta “ela” era Maria Nilce.
Ponto de partida e pronto esclarecimento.
Ele tinha diante de si a imagem da Menina Maria Nilce.
Assim, a velha avó sempre a chamou, Menina Marianilce com o a dobrado Mariaalnice.
Fácil, fácil, agora ele entendia aquela expressão.
A menina da velha avó estava grávida. A gravidez trouxe a gordura emprestada para Maria Nilce.
A gordura não era dela e nem ficaria com ela.
A gordura era de outra pessoa.
Era da criança e iria embora, seria devolvida, depois do parto.
(Das histórias do Seu Wilson, avô do Ernesto e bisavô da Mia em fins de mês, na Chácara).
*Jornalista, colunista, escritor
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