04-06-2023 – 08h:30

Cleves Zé Silva*

Na infância feliz em minha São Miguel do Anta-MG dos anos 1950/60, vivi momentos deliciosos, hoje proibidos pela mudança de hábitos e de comportamento da sociedade empoderada.

Quando um adulto via a comadre gorda que ele não via fazia tempos, se explodia de alegria e a cumprimentava aos abraços:

-Tá sacudida, a comadre, tratando bem dela, né compadre! - festejava a visita, deslumbrada também com a fofura da afilhada gordinha. - O compadre andou matando muito capado estes anos, com certeza!

Todos riam felizes. A confraria de compadres e comadres só perdia para a das Filhas de Maria, da Congregação Sagrado Coração de Jesus. As beatas.

 Ao se apresentar a um rapaz estranho, o adulto dava seu nome de batismo e perguntava de supetão:

- Qual a sua graça? - ele assuntava com a mão em concha  no ouvido pertinho da boca do estranho e festejava ao saber que se tratava do neto de algum conhecido seu:

- Ah, tal qual seu avô, falta só o bigode besuntado e a pança daquele velhote safado.  Gostava de um rabo de saia, o danado; aposto que ôcê puxou ele, espero!

No domingo o burburinho ao redor da matriz começava cedo, as donzelas de vestidos de um crepom sem decote, saias plissadas compridas e um ou outro petit poá chique e lenços de ceda.

Nada de calça comprida, decotes ou acima do joelho. Os homens de paletó e chapéu, os mais velhos, porque os jovens já não usavam ternos nesta virada de década. Influência dos filmes.

Já os meninos, como eu, iam de calça curta, alpargatas, um ou outro de suspensórios, e as meninas de vestidos rodados, laços no cabelo e muito bem comportadas.

Não cantavam os hits do rádio, era só cantiga de roda no coreto, antes e após a missa, enquanto os meninos brincavam de correr na praça, sem bola pra não sujar a roupa.

Todo mundo chupando picolé de palito da kibon, pirulito e bala, as crianças, porque os jovens mastigavam chicletes com refrigerante e os adultos tomavam cachaça nos bares ou no alto de seus pangarés.

Um mundo sem frescura, pueril, onde a candice tinha muito a ver com a falta de informação e influência da modernidade. Era raro, por exemplo, não ouvir os mais velhos assoviando polcas, dobrados e músicas sacras.

*Jornalista e escritor