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20-08-2025 ás 08h42
Gisele Bicalho*
Há poucos dias, entreouvi lá em casa um diálogo que me levou direto, sem escalas, ao tempo da delicadeza:
• Gilda, é impressionante como remédios antigos funcionam. Usei Vick Vaporub pra aliviar a congestão nasal. Deu super certo.
• Concordo! Esse remédio é pau pra toda obra. Se estou tossindo, passo a pomada na sola dos pés, coloco meias e pronto: a tosse vai embora. É tiro e queda. Durmo como um bebê. Se é dor de cabeça, passo nas têmporas. O alívio é quase instantâneo. Como tem cânfora, o cheiro é forte, mas gostoso. Li que pode até servir como repelente improvisado. E ajuda com pé rachado e acne também.
Foi aí que decidi entrar na conversa. Lá vem a chata da Gisele, que odeia medicamentos, hospitais e afins:
• Concordo com a eficiência do Vick. Mas nem todo uso alternativo é seguro pra todo mundo. Antes de testar qualquer dica, o ideal é consultar um médico. Principalmente se for pra crianças, pessoas com problemas respiratórios ou pele sensível.
Entre chatices e bom mocismos, como acontece sempre lá em casa, a conversa foi ganhando novos rumos:
• Você lembra que, quando a gente era picado por mosquito, a Vovó Cocota passava Caladril pra aliviar a coceira?
• Lembro! Era uma loção rosa com um cheiro peculiar. Acho que gostava mais do carinho do que do cheiro.
• O guarda-roupa da Vovó tinha esse cheiro. Eu adorava.
Além do Caladril e do Vick, Vovó sempre tinha Iodex no armário. Usava pra aliviar dores musculares. Como também era à base de cânfora, ajudava a descongestionar o nariz. Era — e ainda é — um santo remédio. Gilda comprou o último frasco na Farmácia do Cassimiro. Infelizmente, não será reposto. Mais uma presença do tempo da delicadeza que se vai. Só nos resta a memória.
Vovó também tinha o bicarbonato em alta conta. Até hoje usamos. Serve pra tudo: amaciar carne, substituir fermento, desinfetar, aliviar má digestão e queimação. As possibilidades são infinitas. E o TikTok tá aí pra provar — sempre com uma novidade a um clique de distância.
No inverno, quando gripes e resfriados ameaçavam, Vovó nos servia uma dose de conhaque. Por cima, Vovô Nenê despejava leite quentinho e espumoso, recém-saído da teta da vaca. Até hoje adoro o perfume do conhaque. Por falar nisso, ainda dá tempo de comprar um Osborne para esquentar o fim de semana.
O Polvilho Granado, clássico das farmacinhas brasileiras, também era figurinha carimbada no armário da Vovó. Se antes vinha em embalagem de papelão, hoje é vendido em plástico, indiferente ao impacto ambiental.
Mas nem tudo eram flores. Tinha também a hora do pesadelo. Você já ouviu falar na Emulsão de Scott? Era um fortificante – hoje chamado de suplemento vitamínico – à base de óleo de fígado de bacalhau. O cheiro, o gosto, a imagem do homem com o peixe nas costas, tudo isso fazia a gente correr léguas da Vovó. Mas ela nunca se dava por vencida. Nos “salvava” da inanição com colheradas daquela poção terrível. Ainda sinto calafrios só de lembrar. Hoje existem versões com sabor de morango e laranja, mas o clássico virou peça de memória afetiva. Vovó dizia que ajudava a crescer com saúde.
Pra aliviar o sofrimento das crianças, Mamãe às vezes ignorava a Emulsão Scott e apelava pro Biotônico Fontoura. Ambos tinham a mesma função: fontes de vitaminas A, D e K, fortaleciam o sistema imunológico, ajudavam no crescimento e preveniam o raquitismo.
E o que dizer do Nelcid? Pra acabar com piolho, não tinha nada melhor. Ou do mercúrio cromo e do mertiolate? Ardiam mais que bronca de mãe, mas eram sinônimo de cuidado. E a Cibalena? Aquela pastilha milagrosa que parecia resolver tudo: da dor de cabeça à gripe.
Esses nomes podem ter saído das prateleiras ou ter caído em desuso, mas continuam vivos na memória afetiva de quem cresceu com a farmacinha da Vovó. Nela, cada frasco tinha uma história. E cada remédio, um carinho disfarçado de gosto ruim
*Gisele Bicalho é jornalista