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Memórias inteligentes

Fui ao presidente Sarney, por quem até os dias de hoje tenho nutrido respeito e admiração. Poucos presidentes de sangue latino foram tão responsáveis para com prudências, tolerâncias

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07-01-2024 às 09:09h.

José Altino Machado*

Tenho notado que memória de velho, muito se parece com o celular, pelo menos a minha. Meus telefones travam toda hora. Treitou, relou, estão travados. Igual a eles, como eles, também travo.

Os pegos para ligar a alguém e ao começar discar não lembro para quem estaria ligando.

Os telefones levo ao técnico e eu ao médico. Os dois com o mesmo papo, memórias cheias. Se com dinheiro, telefone, compro outro com maior “gigagem” (sic). Quanto a mim, vou descansar ou tomar muito líquido, pois que, dizem que cabeça de idoso trapaceia e não avisa a carência de água, prejudica não aos arquivados, mas sim, ao exercício e uso das memorias.

Por isso ao escrever esta, que hoje é a primeira crônica do ano, fui logo tomando uns dois litros de água. Assim, lembranças ativadas, ao trabalho...

Ao término da década de 80, fui ao Presidente Sarney, por quem até os dias de hoje tenho nutrido respeito e admiração. Poucos presidentes de sangue latino foram tão responsáveis para com prudências, tolerâncias e, principalmente, a paciências. Deveria haver passado este exemplo não só ao atual, como também ao antecessor. Aí, deu no que tá dando até hoje...

Presidíamos a uma União Sindical do setor mineral, e desejávamos ir a África do Sul, à época muito conturbada, para estabelecer intercambio, permutar informações sobre minérios, mineração, trabalhos e meio ambiente.

Tão logo transmiti a intenção, ele apenas disse: “Faça com cautela, por questões internacionais do apartheid nem embaixador lá temos mais, assim qualquer problema maior o Estado não poderá se envolver”.

Encurtando, minha primeira iniciativa foi dirigir-me à embaixada, na ocasião, discriminada, sem visitas ou frequentadores, ficando apenas o senhor Embaixador e poucos funcionários. Este, Mr. Alex Van Zyl, não só aprovou nossa ida, como se tornou parceiro do projeto.

Um puta sucesso. Em diversas viagens, com grupos de 16, levamos nossa gente a conhecer os então melhores mineradores do mundo, PhD’s de geologia e engenharia de minas de diversas universidades.

Junto a eles, foram gente da atividade garimpeira da Amazonia e, sem faltar nunca, jornalistas dos bons periódicos nacionais.

Pela recomendada cautela, em minha precursora viagem, nos reunimos com o sindicato dos trabalhadores das minas, em sua maioria negros. Saímos todos muito bem, nós e eles, principalmente, porque, em boa parte eles, originários de Moçambique, falavam português.

Assim, as questões políticas bem passaram longe de nós todos. Na própria representação deles aqui, quando em festas comemorativas, nem cabia mais tantos eruditos e garimpeiros convidados apareciam.

A eles pudemos retribuir por inúmeras vezes. Também os recebendo e na chegada do substituto do Sr Van Zyl, o levamos a conhecer nosso garimpo na fronteira com a Venezuela, o que já havíamos feito com um americano democrata, postulante a presidente aos Estados Unidos da América do Norte.

Nessas duas diferentes ocasiões, ao chegarem meio à mata, em monomotores, numa pista de 550 metros, esperando os dois, se encontravam as bandeiras de seus países a serem hasteadas ao lado de nosso pendão.

O americano, mão no peito, e aquele, que diziam, frio africâner, tinha os olhos marejados, em lagrimas. Agradecidos jamais nos esqueceram.

Minhas raízes estão firmemente entranhadas em meu solo natal, na cidade mineira de Governador Valadares, embora meu coração e desejos há anos vagueiem pela Amazonia, onde tem faltado não só bandeiras nacionais, mas até o espírito de brasilidade a partir de autoridades, o que já não é novidade a ninguém.

Para quem não sabe, esta cidade foi o município latino-americano de maior esforço de contribuição aos aliados na segunda guerra mundial.

A estrada de ferro era de histórico americano, assim como as montanhas de ferro, por ele cedidas à desapropriação. Assim, para a então pequena cidade, também emancipada com tais eventos, nos chegou uma grande empresa dos States, Morrison Knuts, construtora vencedora para reforma total da ferrovia embolada com as minas, visando melhor e mais rápido escoamento do valioso minério para transformação em navios, tanques e outros mimos mortais aos inimigos dos aliados.

Nos chegaram bem mais que regimento de engenheiros, técnicos e operários outros.  Montaram espetacular acampamento em um morro, que até hoje tem este nome. Acampamento, hoje, é um bairro de Valadares. Nele, brasileiros conheceram o que se chamava de guarita, que muitos chamam gurita. Mas, não ficaram só nisso.

Passaram a ser deles, radicalmente todas as existentes jazidas de cristal e da farta mica, (Malacacheta). Os dois altamente estratégicos e muito necessários para a bendita/maldita guerra. E nessa riqueza nossa região era formidável.

Em contrapartida, nos beneficiaram com o melhor sistema de tratamento de água latino, como no campo da saúde, criando um serviço especial de saúde pública e assumindo a erradicação da febre amarela-impaludismo, esquistossomose, verminoses e até caries dentárias.

No campo dos folguedos e prazeres, nos relegaram com a maior zona boemia que pudesse existir, indo do extremo luxo até ao chamado casqueiro. Tudo acima feitos e mantidos pela Fundação Rockfeller. (Menos os puteiros, logico).

Assim interagimos com eles. Acabada a contenda mundial, de operários nos tornamos sócios e em pouco tempo proprietários únicos. As minas que produziam quartzo/mica mostraram veios de pedras semipreciosas, dando início ao vai e vem dos valadarenses fazendo a América, como hoje ainda dizem. Mais, vindo junto o papel verde chamado dólar. E muito...

Anos se passando, a geração americana que veio, não mais voltou, deixando o país deles desmemoriado quanto a nós, apesar de registros na biblioteca de seu Congresso sobre o município que tanto contribuiu às ações bélicas, que nem eram tão nossas.

De algum tempo para cá, guerra acabada, nada nosso mais precisando, passaram a tratar nossa turba que para lá vai, com grosserias e algumas devoluções. A coisa, tem ficado cada vez mais dura e séria.

Uma vez no senado americano, lido meu amazônico currículo que declarava onde eu nascera, fui duramente interpelado por severa senadora, que dizia que até vistos em passaportes, fabricávamos melhor que eles.

Com a devida permissão, contei a ela essa história que hoje conto. Outro esporro... atalhou arguindo que espécie de políticos e autoridades possuíamos que jamais levaram a eles estes elos construídos em difíceis épocas. Me senti apequenado...

Por outro lado, em mea-culpa valadarense, apesar de todos nós termos algum parente naquele monstro de país, não temos sequer uma avenida ou rua com o nome deles ou de seus heróis, no 4 de julho nunca fizemos nem ao menos roda de samba. Nunca convidamos autoridades deles para conhecerem o campo de brotação daqueles que para lá se destinam. Jamais hasteamos a bandeira deles em lugar algum.

Neste fim de ano, pela primeira vez nos visitou um senador americano e, como Biden, democrata, mister Jamie Eldridge. Nossas autoridades não anunciaram a visita, a Câmara Municipal não se abriu e o prefeito a pedidos, o recebeu, desrespeitosamente, sem bandeira ao pau, nem para um café sem mineiridades e, com aviso de rapidez, por outros compromissos mais sérios. Este cidadão norte-americano, desbandeirado e anônimo, no trato valadarense, tem o cargo senatorial por Massachusetts, onde se encontra historicamente, o maior número de cidadãos de nossa terra, imaginados por eles, hoje, como gente não muito boa, como me dissera a braba senadora.

Não devo mesmo dizer o que estou pensando dessa turma que famílias de quem para lá emigrou, e colocou no poder do “Valadólares”... seria sacanagem, pois neste ano lá haverá eleições.

 Entretanto, a todos em comandos, recomendo tomarem bastante água, a trato e respeito a memórias necessárias, para num mínimo, melhorarem a inteligência.

 

BH/Macapá,07/01/2024

*Jose Altino Machado é jornalista

NOTA: Nascido durante a guerra, minha vida ainda jovem, alcançou a parte “alegre” que americanos nos deixaram e muito dela aproveitei... e como!!!

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