Montanhas de rejeitos se acumulam nas áreas das minas - créditos: divulgacao
18-12-2025 às 12h05
Por Soelson B. Araújo*
O Vale do Jequitinhonha, historicamente marcado pela escassez de água e por desigualdades estruturais, volta a ocupar o centro do debate nacional — agora impulsionado pela corrida global por um mineral estratégico: o lítio. Pesquisa de altíssima relevância divulgada pela Revista Pesquisa FAPESP (edição nº 285 e estudos subsequentes) lança luz sobre um paradoxo inquietante: a promessa de desenvolvimento econômico convive, lado a lado, com riscos concretos e já mensuráveis de contaminação do solo e da água em municípios como Araçuaí e Itinga.
Não se trata de alarmismo. Trata-se de ciência. A pesquisa citada pela FAPESP mostra que a mineração do lítio, extraído principalmente do espodumênio, libera nanopartículas ricas em alumínio — elemento potencialmente tóxico. Amostras de solo e água coletadas nos arredores das minas revelam concentrações de alumínio muito acima dos limites recomendados pelo Ministério da Saúde. Na água, os níveis médios chegam a 0,405 mg/L, quando o aceitável varia entre 0,05 e 0,2 mg/L. Esses dados, publicados em periódicos científicos internacionais, indicam risco direto à saúde de cerca de 50 mil moradores da região, com possíveis impactos nos ossos, músculos e no sistema nervoso central.
O Diário de Minas reconhece que o lítio é peça-chave da transição energética global. Ignorar isso seria negar a realidade do século XXI. Mas aceitar passivamente que essa transição se faça à custa da água de uma das regiões mais vulneráveis de Minas Gerais é inadmissível. O Vale do Jequitinhonha enfrenta, ano após ano, severas crises hídricas. Nesse contexto, causa perplexidade o consumo estimado de cerca de 2 milhões de litros de água por dia, e por uma única mineradora, sem que haja transparência pública suficiente sobre os impactos acumulados dessa retirada.
A própria pesquisa repercutida pela FAPESP aponta caminhos técnicos para mitigar danos, como o reaproveitamento de resíduos do espodumênio para processos de floculação e purificação da água. São avanços importantes, desenvolvidos por pesquisadores da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). No entanto, tais soluções não podem servir de álibi para a expansão acelerada da mineração sem fiscalização rigorosa, sem participação popular e sem garantias efetivas de proteção ambiental.
Chama atenção, ainda, o silêncio das empresas e de autoridades locais diante das reiteradas tentativas de diálogo feitas por pesquisadores e jornalistas. Esse mutismo institucional contrasta com o que determina a legislação ambiental brasileira. As resoluções do Conama estabelecem a participação das comunidades como princípio fundamental no licenciamento ambiental. Mais recentemente, em setembro de 2025, o Ministério Público Federal recomendou a suspensão e revisão das autorizações de pesquisa e extração de lítio no Vale, exigindo consulta prévia, livre e informada às populações locais. Trata-se de um alerta que não pode ser ignorado.
Experiências internacionais, também citadas nas pesquisas divulgadas pela FAPESP, reforçam a urgência do debate. Na China e na Argentina, regiões exploradas para o lítio enfrentam contaminação da água, poluição do ar e redução drástica de aquíferos. O roteiro é conhecido — e justamente por isso deveria ser evitado.
O desenvolvimento que o Vale do Jequitinhonha precisa não pode repetir velhas lógicas extrativistas, nas quais os lucros partem e os passivos ficam. A transição energética só será justa se vier acompanhada de responsabilidade ambiental, investimento em saúde pública, fiscalização efetiva e respeito às comunidades.
O lítio pode ser estratégico para o mundo. A água, porém, é vital para o Vale. E sem ela, não há emprego, não há renda, não há futuro possível.
*Soelson B. Araújo é empresário, jornalista e escritor

