
José Altino Machado e seus amigos na região amazônica - créditos: arquivo pessoal
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13-04-2025 às 07h47
José Altino Machado (*)
Estive preso… Sim, estive, por adentrar-me em suposta área indígena. Para isso, mandaram a polícia retirar-nos de lá. Região de fronteira, as quais a Constituição Federal prescrevia não ser possível demarcar reservas indígenas e que, além disso, por lá não se encontravam índios.
Estivéramos tempos afastados, para que entregassem a região a uma companhia pública, (Cia. Vale do Rio Doce), que naqueles dias a abandonava após 5 anos, informando oficialmente, não existirem possíveis interesses econômicos a serem explorados. Retornávamos a uma pista de pouso, que sem contestações, havíamos construído ao decorrer dos anos 70.
Instado pelos policiais, perguntei
– Tem mandado judicial?
Resposta
“Não, ordem do governador, vocês estão em área a ser reserva indígena, portanto”, …
Pois é, fevereiro 13, de 1985. Não aceitei a ilegalidade da ordem impondo nossa presença.
Meu pai, militar, me encheu o saco pela desobediência aos policiais militares; e como!!
Estávamos em território federal, e eu dissera que só acataria uma ordem judicial, com a negativa do senhor juiz do judiciário local e que ainda dizia estar de férias, recorreram ao distrito federal, que negara a medida pretendida contra mim. No juizado do também território do Amapá de lá trouxeram a ordem prisional por rebeldia e desacato.
Sem pensar e nem imaginar uma ausência forçada por fuga, antecipando às ações, logo cedo, fevereiro 15, fui me homiziar na base aérea Fabiana daquela capital. Onde, às 18 horas, a polícia de base brasiliense, para leitura do mandado, interrompeu um joguinho de xadrez que disputava com o senhor comandante dos fardados de azul.
Não sei se pela continuidade do jogo ou por simpatia mútua este, em comando, pediu que eu ficasse detido na base. O besta aqui não quis, pois lá ninguém entrava, uma burocracia danada e ficaria isolado dos acontecimentos. Eu mesmo, para entrar, ao portão pedi um copo d’agua que, inadvertidamente ao ser aberto pelo sargento da guarda, pulei para dentro, e me dizendo reservista da aeronáutica, sabedor da caça policial à minha pessoa, entregava-me àquele poder. O militar quase teve um filho na hora. Até gaguejava que eu estaria envolvendo a Força numa confusão danada.
Por isso, agradecido, mas evitando a hospitalidade militar isoladora e bancando o machão, preferi seguir para a penitenciaria local. Pra que?
Com receio, pela agitação provocada na praça, o “puto” do governador, (desculpem o termo lulista) mandou me meter incomunicável numa solitária. Putz, sequer luz entrava, a não ser o som alto da música carnavalesca que alto soava lá fora.
Como desgraça pouca é bobagem, fiquei sem comer ou beber água, por não abrirem a porta para a entrega do alimento, e sim por uma chapinha que corria ao rés do chão tal qual a bicho no zoológico. Chutava para traz e dizia para entregarem em mãos. Porém, deixando-me a escutar risos de hienas, os sacanas iam s’imbora, levando os manjares normais aos presos.
Quatro tenebrosos dias… defecando nada, naquele buraco do chão.
Acabado o carnaval, chega o diretor daquele “nosocômio disciplinar” da época. De lá onde estava escutei seus gritos ao telefone dizendo que não admitia incomunicabilidade e isolamentos não provocados por violências internas no lugar. Berrando, protestava afirmando, se quiserem me tirem do cargo… Pensei, oba, está a falar de mim. E era… logo após, baixei para cela especial, lugar bem melhor.
Meu pai, chegara no quarto dia e mãe no quinto. Quanto a ele, sou até hoje agradecido por sua teimosia, em não aceitar o acordo proposto pelo governo do território, que dizia soltar-me com a condicionante da retirada de algumas centenas de homens que me acompanhavam na empreitada. Meu velho dizia… “agora não, liberdade só com decisão judicial e com despacho proferido pela ilegalidade da detenção”.
De novo, pois é… lá se foram mais 28 dias no casarão, aonde mãe chegava às 7 da manhã e saía as 18, sentindo-se presa a mim, lia o dia inteiro.Leu “O Egípcio” de Mika Waltari com 1100 páginas. Desligando o modo sentimento materno pela cria enjaulada, seguia ao direito e repouso de dormir fora… em Brasília, a primogênita entre nós onze irmãos. Preocupada dizia a uma autoridade, “se lá um cair, aqui cairão dois”. A decisão saiu como pai desejara.
E ninguém mais toca nisso. Aliás, na Wikipédia, volta e meia, um abelhudo me torna um invasor, embora a Constituição dissesse ao contrário.
Entretanto, foi uma formidável experiencia. Os “colegas”, também hospedes forçados, só gente boa e, como sempre, todos inocentes, não havendo um culpado sequer. Com eles aprendi tocar violão, os incentivei criando times de basquete, vôlei e até em existente espaço vazio plantar uma boa horta. E ali, com entrada aberta, dando uso diferente à capela, criamos associações e sindicatos da classe extrativista.
O mais interessante é que, entre os duzentos e tantos filhos desgarrados de Deus, naquele lugar, não se encontrava nenhum homicida, facínora e sequer gente de uma de estirpe criminal, nem mesmo praticantes contumazes de violências. Talvez, sem graça nenhuma, o pior do pedaço seria eu mesmo.
E como a Nação brasileira de hoje está diferente!! Aliás, não digamos a Nação, ela não tem culpa, mas sim, políticos e parcela da sociedade nacional.
Hoje, malfeitores tem dominado comunidades e cidades inteiras e com violências, nem vistas em filmes de caça bilheterias americanos. Tomaram conta de inteiras atividades, até de meios comunicações. Contrariados, mandam balas até frente ao maior aeroporto internacional do Brasil. E não estão nem aí.
Muitas de suas sedes estão nos próprios presídios, quando para lá são enviados. Em guerra intestinas, cortam os pescoços de facções rivais e na cara de todo mundo. Até em uma época, em que o ministro da Justiça era, o hoje maior xerife do nosso supremo, que sem saber o que fazer, assistiu a matança de gente adoidado. Como o fizeram com serrotes e não batons, não acabaram condenados a mais 17 anos.
A Amazonia, com irresponsabilidades administrativas, o nosso popular governo tem turbado mais que centenários ajustes comportamentais e atividades de sustento, de seu povo. Nem muitos anos atras, possuía 19 milhões de habitantes, hoje, juntados aos fugitivos sulistas das famosas filas dos ossos, chega a praticamente 30 milhões de seres.
A capital de seu maior estado, tornou-se um grande gueto dominado por ávidos industriais e comerciantes, inclusive estrangeiros, onde se permite ao crime campear solto. Lá sim, é a maior matriz do crime organizado em nosso país. Se permitindo omissão, autoridades e homens de bem se calam e se acautelam.
No Estado, mais ao norte, com tripla fronteira internacional, lá onde estive preso, a esbórnia é total. Povo e governo federal não se entendem, se permitindo misturar comportamentos, ilegalidades, razões e direitos de ambos os lados.
Logo ali, banhada pelos rios Guamá e Pará, endereço arriscado para neste ano um evento internacional, há uma grande cidade, enorme, porém a segunda no país, em desocupados, moradores de rua, com prostituição, violências e criminalidades crescentes.
Neste, dividido pelo equador, com polícia campeã nacional em combater criminosos, o pau come solto. Porém, como alhures, o governo central sem atentar aos pactos federativos tem imposto ingerências descabidas e inapropriadas a este único rincão brasileiro sem maior ligação aos patrícios ao sul. Como diria nosso presidente, uma merda.
E nesta Amazonia é o que se vê. Ninguém a governa ou administra com suas culturas, costumes e vocações. Com uso de força, conluio administrativo e político, em um ou outro estado, vai com uso de poder, praticando violências, atropelos no espírito de justiça. Pior, quebrando o sentimento de respeito. Destruindo todos os mais que seculares arranjos de convivências das sociedades presentes à região, deixam um rastro de desolação, desânimo e instalando clima total de falta de perspectiva.
Envolvidos por boçal imbecilidade e por deslumbre das auras do poder, se tornam cegos e insensíveis ao mal que se alastra, permitindo ainda estabelecer o sentimento de impunidade em agentes do Estado…
Quarenta anos após os episódios pessoais aqui narrados, muito lamento meus pais não mais estarem comigo para lhes afirmar:
– Eu estava com a razão, não foram irresponsáveis travessuras … tudo ali deveria ter-se resolvido, ainda que encarnasse um amazônida Antônio Conselheiro, da saga nordestina de Canudos…
Belo Horizonte/Macapá, 13 de abril de 2025
(*) José Altino Machado é jornalista