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20-08-2025 às 09h38
José Aluísio Vieira*
No debate econômico brasileiro, produtividade, PIB, juros e política fiscal dominam a pauta. Pouco, porém, se fala sobre o ativo mais valioso de qualquer nação: suas crianças. Proteger a infância costuma ser visto como um tema social, mas trata-se também de uma questão econômica central. Negligência, violência e exploração infantil não apenas comprometem vidas — elas corroem o potencial produtivo do país e drenam recursos públicos de forma silenciosa e contínua.
O custo de não proteger
Pesquisas internacionais demonstram que cada caso de abuso infantil gera custos vitalícios com saúde, assistência social e perda de produtividade. O CDC (EUA) estima que, para cada criança vítima de abuso, o custo total ao longo da vida pode superar US$ 200 mil. No Brasil, embora faltem estatísticas oficiais consolidadas, projeções com base em evidências permitem dimensionar o tamanho do problema.
Considerando diferentes cenários de prevalência de abuso e negligência cujos efeitos persistem até a idade adulta:
- Cenário conservador (5% da força de trabalho afetada, perda média de 0,2 ano de escolaridade, penalidades moderadas): perda de cerca de 0,5% do PIB ao ano (aprox. R$ 50 bilhões), e 0,16% do PIB em arrecadação.
- Cenário base (10% de prevalência, 0,5 ano perdido, penalidades maiores): perda de 1,1% do PIB (R$ 110 bilhões) e 0,36% do PIB em arrecadação.
- Cenário alto (15% de prevalência, 1 ano perdido, traumas e redução de empregabilidade mais intensos): perda de 2,4% do PIB (R$ 240 bilhões) e quase 0,8% do PIB em receita fiscal.
Cada 1 ponto percentual de aumento na prevalência de abuso e negligência significa uma perda adicional de aproximadamente 0,11% do PIB. Pequenas variações têm impacto expressivo tanto na atividade econômica quanto na receita pública.
Proteção como investimento de alto retorno
James Heckman, Nobel de Economia, demonstrou que cada dólar investido na primeira infância pode render de 7 a 13 dólares ao longo da vida do indivíduo. Prevenir abusos e negligência não apenas salva vidas: aumenta a capacidade de aprendizado, a saúde e as oportunidades no mercado de trabalho. Isso se traduz diretamente em mais PIB e mais arrecadação.
Organismos internacionais como o Banco Mundial e a UNICEF reforçam: investir na primeira infância é uma das estratégias mais eficazes de desenvolvimento econômico e social de longo prazo.
O papel do economista
Economistas podem e devem assumir papel ativo na proteção à infância, reposicionando-a de “despesa social” para “investimento econômico fundamental”. Quatro pontos principais sustentam essa mudança:
- Quantificar Custos e Benefícios A abordagem começa com a quantificação. Usar metodologias como o SROI (Retorno Social sobre o Investimento) permite mostrar que cada real investido em prevenção pode gerar múltiplos em benefícios futuros — redução de custos em saúde, justiça, educação e assistência social.
- Integrar Métricas de Bem-Estar no Orçamento O bem-estar infantil precisa ser critério de sucesso em políticas públicas, ao lado de indicadores como PIB ou inflação. Metas de redução da violência, mortalidade infantil e evasão escolar devem estar vinculadas ao planejamento orçamentário de longo prazo.
- Enxergar a Infância como Política Econômica Crianças protegidas se tornam adultos mais produtivos. Negligência gera perda de produtividade e aumento de custos sociais. Investir em infância é investir em capital humano.
- Transformar Ações em Políticas de Estado Programas de visita domiciliar, fortalecimento familiar e apoio psicossocial já mostram resultados positivos no Brasil e no mundo. É preciso transformá-los em políticas permanentes, blindadas de ciclos políticos.
Considerações Finais
A economia não se constrói apenas com obras, indústria e comércio exterior. Constrói-se, antes de tudo, com gente — e a qualidade desse capital humano é definida na infância. Proteger nossas crianças é proteger o potencial de crescimento do Brasil.
Não agir custa mais caro — muito mais caro — do que prevenir. Se quisermos um Brasil mais rico, justo e produtivo, precisamos começar protegendo quem mais importa: nossas crianças.