
Moradores da região civilizada acreditaram que índio buscava fogo - créditos: divulgação
03-03-2025 às 08h08
Edilma D Duarte (*)
A notícia chegou até mim, humana e teoricamente civilizada, trazendo à memória o filme Brincando nos Campos do Senhor (1991), de Héctor Babenco — finalmente disponível no Globoplay, Prime e Apple TV.
Mas a história aqui é real. Divulgada em primeira mão por um portal estrangeiro na semana passada, ela nos apresenta um verdadeiro Mogli brasileiro. O jovem indígena deixou sua tribo, completamente isolada, e se aventurou pela selva até alcançar uma comunidade na Amazônia brasileira. A visita foi rápida: após apenas 24 horas, ele decidiu regressar voluntariamente ao seu povo.
O encontro com os brancos aconteceu por volta das sete da noite da última quarta-feira (13/2), na comunidade de Bela Rosa, às margens do rio Purus, no sudoeste da Amazônia. O mesmo rio que inspirou o músico norte-americano Philip Glass e o mineiro Marco Antônio Guimarães — e seu grupo, o Uakti — na composição da bela peça Purus River, parte do álbum Águas da Amazônia (ainda disponível na @sonhosesons).
Voltando à história, imagens publicadas nas redes sociais mostram o indígena descalço, vestindo uma pequena tanga, aparentemente tranquilo e saudável. Os moradores locais acreditaram que ele pedia fogo. Em um vídeo gravado por smartphone, um dos habitantes tenta, sem sucesso, ensiná-lo a usar um isqueiro.
Aventura perigosa
A Funai – Fundação Nacional dos Povos Indígenas foi acionada e enviou uma equipe ao local. Em nota, a fundação informou que o jovem foi levado a uma unidade de saúde, onde profissionais avaliaram se ele havia sido exposto a doenças para as quais sua tribo não tem imunidade. Além disso, medidas de vigilância foram adotadas para evitar que forasteiros tentem se aproximar de sua aldeia.
No filme de Babenco, um casal de missionários norte-americanos viaja até a Amazônia para catequizar uma tribo isolada. Durante um contato com a esposa do pastor, interpretada por Daryl Hannah, um índio, também norte-americano, civilizado (Tom Berenger), contrai gripe, transmite a doença à tribo e a condena à extinção.
Faz todo sentido, portanto, a preocupação da Funai no episódio do nosso Mogli amazônico. Essa breve incursão na civilização poderia ter se tornado uma tragédia para o seu povo. Além do risco de doenças, ele poderia, sem querer, atrair olhares curiosos — e nem sempre bem-intencionados — para a tribo.
Mas dois males a Funai não pôde evitar. O jovem teve em mãos um smartphone — e viu pela primeira vez seu próprio reflexo em uma tela. Também segurou um isqueiro, aquele objeto que solta fogo com um simples clique.
Será que, ao retornar, ele conseguiu se desvencilhar dessas “maravilhas” do mundo externo?
Receio que tenha sido contaminado.
(*) Edilma D Duarte, jornalista, editora do site aroundrevista.com