Gilmar Mendes, relator de impeachment de ministros do STF - créditos: divulgação
10-12-2025 às 09h16
Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia[1]
Almir Megali Neto[2]
Diogo Bacha e Silva[3]
Lenio Luiz Streck[4]
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira[5]
Novamente, o instituto do impeachment mobiliza o noticiário nacional. Dessa vez, a decisão monocrática proferida pelo Ministro Gilmar Mendes nas ADPFs n. 1259 e n. 1260, respectivamente propostas pelo Partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros, é objeto das mais profundas divergências político-jurídicas.[6]
Os proponentes de ambas as ações questionaram dispositivos da Lei n. 1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade e estabelece as regras de processo e julgamento, especificamente quanto ao regramento aplicável aos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se da primeira oportunidade, após a promulgação da Constituição de 1988, na qual as regras atinentes ao impedimento de Ministros do Supremo Tribunal Federal recebem uma devida filtragem constitucional ou, ainda, que recebem uma interpretação de acordo com a ordem democrática vigente. Como se sabe, a Lei 1.079/50, promulgada sob a vigência da Constituição de 1946, perpassou incólume o regime ditatorial militar até a redemocratização. No contexto da atual ordem constitucional democrática, as disposições da Lei 1.079/50 que tratam do impedimento do Presidente da República já receberam filtragem constitucional por força da atividade interpretativa do Supremo Tribunal Federal em mais de uma ocasião[7], sem que houvesse a interpretação de sua recepção no que toca ao impedimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador-Geral da República.
Em síntese, os legitimados alegaram que não teriam sido recepcionados pela atual ordem constitucional brasileira os dispositivos da Lei n. 1.079/1950 que estabelecem: i) o quórum de admissibilidade e de instauração de processo de impeachment contra Ministros do STF; ii) o afastamento automático de Ministros do STF em virtude da instauração de processo de impeachment e redução de vencimentos; (iii) a legitimidade ativa de qualquer cidadão para apresentação de denúncia por crime de responsabilidade em face de Ministros do STF; e (iv) crime de responsabilidade pela mera discordância com a hermenêutica empreendida elos magistrados.
Em decisão monocrática proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, foi concedida parcialmente medida cautelar para, a referendo do Plenário do STF: i) fixar em 2/3 o quórum de admissibilidade e de instauração de processo de impeachment contra Ministros do STF; ii) suspender o afastamento automático de Ministros do STF, bem como a redução de seus vencimentos, em virtude da instauração de processo de impeachment; iii) limitar a legitimidade ativa para a oferta de denúncia por crime de responsabilidade em face dos Ministros do Supremo Tribunal apenas ao Procurador-Geral da República; e iv) afastar a possibilidade de que divergências interpretativas com o conteúdo de decisões proferidas pelos Ministros do STF possam configurar crime de responsabilidade.
Tão logo proferida a decisão, o Presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre, fez duras críticas, alegando usurpação das prerrogativas do Congresso Nacional, por considerar que apenas o Poder Legislativo, que elaborou a Lei n. 1.079/1950, estaria autorizado a adequá-la à Constituição de 1988 [8] – apesar da necessidade de que isso fosse feito, sem que, contudo, nesses quase quarenta anos de vigência da Constituição, o Congresso tenha se empenhado em tal mister, salvo uma alteração pontual no ano 2000 que não tocou nas graves controvérsias a respeito do procedimento que já tantos debates suscitou no STF desde o impeachment do ex-Presidente Collor, como pontuado acima. Noticia-se que a presidência da casa articula com lideranças partidárias a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reverter os efeitos da decisão, além de alterar os requisitos de escolha dos Ministros e criar mandatos fixos na Corte, como forma de retaliação. O recurso ao expediente justificar-se-ia pela tentativa de dificultar eventual declaração de inconstitucionalidade pelo STF da emenda constitucional que vier a ser aprovada.[9]
Por revestir o procedimento de garantias contra arroubos majoritários, houve quem equiparasse a decisão a uma espécie de “golpe”, visando tão somente uma autopreservação corporativista da Corte.[10] Há também aqueles para os quais não teria restado demonstrada a presença do perigo de dano ou ao resultado útil e efetivo do processo, requisito cuja presença é necessária para a concessão de medida cautelar em sede de ADPF e que legitimamente problematizam a eventual existência de limites jurídico-constitucionais à atuação do Tribunal em matérias de seu próprio interesse.[11]
É inegável que o impeachment de Ministros do STF é matéria de grande repercussão político-institucional. Somado a isso, o fato de o instituto nunca ter sido utilizado contra tais autoridades na história da República confere ares de dramaticidade à questão. Natural, portanto, que haja divergências a respeito do tema. Tratando-se de instituto pouco acionado e sobre o qual não há maior interesse de discussão e pesquisa, a não ser quando acionado, é salutar para o fortalecimento das instituições democráticas que o impeachment de Ministros do STF seja objeto de escrutínio público ante as exigências do Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição de 1988.
Na definição de Cass Sunstein, tal qual o mito da espada de Dâmocles, o instituto do impeachment representa uma constante ameaça às autoridades constituídas. O problema, todavia, seria que a espada do impeachment pode às vezes cair.[12] Nesse sentido, por sua gravidade e potencial desestabilizador, o impeachment exige constante debate público coletivo, a fim de aprimorar o entendimento das garantias constitucionais que o circundam para, quando vier a ser utilizado, possa ser conduzido com a necessária responsabilidade institucional exigida pelo princípio da separação dos poderes e, em havendo distorções, a crítica cidadã possa estar devidamente municiada para se voltar contra as práticas que se desvirtuarem desse padrão. Não é outro o objetivo deste texto senão contribuir para os termos deste debate.
Inicialmente, cumpre destacar a competência do STF, no exercício da precípua função de guardião da Constituição, para exercer o controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos do poder público, desde que devidamente provocado pelas vias processuais disponíveis. Dessa maneira, não há qualquer impedimento a que, em sede de ADPF, o Tribunal avalie a compatibilidade material de dispositivos normativos da Lei n. 1.079/1950 com a atual ordem constitucional (art. 102, § 1º, da CR/88), como já aconteceu tantas vezes, por exemplo, no caso da já citada ADPF n. 378, destinada a apreciar a recepção dos dispositivos da referida lei que disciplinam o processo e o julgamento do Presidente da República pela prática de crime de responsabilidade.[13] Na verdade, a atividade interpretativa de recepção constitucional de leis anteriores à Constituição de 1988 na qual o Supremo Tribunal Federal analisa a legitimidade material diante da atual ordem constitucional é um dos aspectos centrais que faz do nosso sistema de controle de constitucionalidade um instrumento voltado à proteção da própria ordem democrática, ou seja, um sistema de controle de constitucionalidade amplo pelo qual diversas legislações e verdadeiros “entulhos” autoritários sejam adequados a uma ordem constitucional democrática, além de conferir uma extensão tal a esse sistema que permita a proteção de direitos fundamentais. O ideal seria que o Congresso Nacional fizesse seu trabalho de aprovar leis compatíveis com a nova ordem constitucional, mas não raramente isso não acontece e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF.), tem também tal papel, nos termos da Lei n. 9.882/99.
Não custa lembrar o caráter subsidiário da ADPF (art. 4º, § 1º, da Lei n. 9.882/1999), sendo cabível esta ação somente quando não houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. Dessa maneira, na medida em que o objeto da ação de controle são dispositivos normativos de lei anterior à Constituição de 1988 e que a jurisprudência do STF se formou no sentido da inexistência de inconstitucionalidade superveniente, mas de mera revogação dos dispositivos anteriores à Constituição de 1988 e com ela materialmente incompatíveis, resta demonstrado o cabimento das ADPFs n. 1259 e n. 1260, na medida em que nelas é questionada a recepção pela atual ordem constitucional de dispositivos da Lei n. 1.079/1950, elaborada sob a vigência da Constituição de 1946, é impassível de ser analisada por outras ações do complexo sistema de controle concentrado de constitucionalidade.[14]
Portanto, é descabida a acusação de que ao apreciar a matéria contida nos autos das ADPFs n. 1259 e n. 1260 o STF estaria exorbitando as competências que constitucionalmente lhe foram atribuídas. Além disso, o mero fato de o conteúdo das ações versar sobre matéria de interesse direto do Tribunal – o procedimento a ser adotado em caso de impeachment de seus próprios membros – não impede a sua atuação no caso, justamente porque o que se aprecia é a conformidade de tais regras em face da Constituição e não o mérito propriamente dito de eventuais denúncias por crime de responsabilidade contra seus Ministros, cuja competência pertence, também por determinação constitucional, ao Senado Federal. Essa questão precisa ser bem entendida para se compreender a decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes. É preciso apreender a decisão em seu próprio contexto. Fato é que o exercício da jurisdição constitucional por meio das ações de controle concentrado de constitucionalidade exige a atuação do Supremo Tribunal Federal no exercício legítimo de suas competências constitucionalmente atribuídas que supõe, no caso, a interpretação constitucional das legislações infraconstitucionais no caso em que lhes seja submetido. Não há, portanto, exercício de jurisdição constitucional que seja, digamos assim, “oportunista”: o Tribunal não decidiu “de ofício” e nem “extra/ultra petita”, mas nos exatos termos daquilo que foi pedido em uma ação devidamente distribuída. Em um Estado Democrático de Direito no qual a supremacia constitucional é a sua principal estrutura, o não-exercício da jurisdição constitucional é o que faz com que a normatividade constitucional seja tratada de forma dúctil de acordo com os interesses ocasionais.
Em sendo assim, mesmo eventual emenda à Constituição que venha a ser promulgada dispondo sobre o procedimento a ser adotado em caso de impeachment de Ministro do STF, ou que venha a retaliar a Corte em virtude da decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes nas ADPFs n. 1259 e n. 1260, poderá ter a sua constitucionalidade submetida ao crivo do Tribunal, porquanto a manifestação do poder constituinte derivado reformador deve obediência estrita aos limites formais, circunstanciais e materiais estabelecidos pelo art. 60 da Constituição de 1988. Além do mais, o eventual exercício do poder reformador não pode ser veículo de desvio de finalidade constitucional, isto é, o poder reformador constitucional não pode ser exercido como forma de se atentar contra a própria ordem constitucional em evidente fraude constitucional e abuso[15] de prerrogativa legislativa.
A tentativa de retaliar o STF, limitando o alcance das competências que constitucionalmente lhe são atribuídas, pelo conteúdo das decisões proferidas em desacordo aos interesses políticos da ocasião, como se passa nas ADPFs n. 1259 e n. 1260, infelizmente, não é fato isolado na recente cena político-jurídica nacional, em que o Tribunal e os seus membros se tornaram o alvo preferencial daqueles que pretendem pôr abaixo a ordem estabelecida pela Constituição de 1988; de fato, não é a primeira vez que o STF é “ameaçado” com propostas similares. Há um verdadeiro abuso legislativo em se querer “chantagear” o Judiciário com Emendas à Constituição todas as vezes em que este toma determinada decisão que desagrada certo grupo de parlamentares.[16] Deve-se compreender que um diálogo interinstitucional é bem diferente de “chantagem” ou coação institucional. Enquanto o primeiro mecanismo é legítimo diante da Constituição e democraticamente saudável, a segunda hipótese é uma prática ilegítima e autoritária.
Tal circunstância somente revela o clima de animosidade existente entre parcela relevante do espectro político para com o Tribunal, a um só tempo, ilustrando perfeitamente o cenário de abusos desferidos contra a autonomia e a independência judicial no país e atendendo ao requisito do perigo da demora ou do risco ao resultado útil e efetivo do processo, apto a autorizar a concessão de medida cautelar.
Não é preciso aguardar o eventual recebimento de denúncia por crime de responsabilidade contra Ministros do STF e todos os efeitos disfuncionais daí decorrentes para restar configurado o periculum in mora. Muito menos se trata de configuração de periculum in mora a posteriori. O impeachment não é instituto destinado apenas a afastar autoridades condenadas pela prática de crime de responsabilidade. Ele também possui efeitos dissuasivos bastante visíveis. Não por acaso, no Artigo 64 de O Federalista, John Jay afirmou: “se o temor da punição e da desgraça é eficaz, esse estímulo ao bom comportamento é amplamente fornecido pelo artigo referente ao impeachment”.[17]
Com razão, portanto, o Ministro Gilmar Mendes ao consignar que um ambiente político hostil ao Tribunal não representa apenas uma ameaça aos seus integrantes individualmente considerados, como também para a alta missão constitucional da qual estão investidos. Daí a necessidade de restringir a legitimidade ativa para a propositura de denúncia por crime de responsabilidade à figura do Procurador-Geral da República, cuja eventual denúncia a ser proposta deverá se limitar a infrações de ordem técnico-jurídica, elemento imprescindível para assegurar a garantia das prerrogativas institucionais da magistratura, bem como de impedir o afastamento automático de Ministros e a redução de seus vencimentos, em virtude da instauração de processo de impeachment.
Sob a Constituição de 1988, a Procuradoria-Geral da República é órgão autônomo de estatura constitucional, não estando subordinada ao Poder Executivo, tal como na ordem “constitucional” da última ditadura. Dessa maneira, encontra-se vocacionada à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais coletivos (art. 127, caput, da CR/88).
Nesse mesmo sentido, há necessidade de dotar o quórum de instauração do processo por crime de responsabilidade em face dos Ministros do STF de maiores rigores procedimentais, como a maioria qualificada de 2/3 dos membros do Senado Federal ao invés de maioria simples, sobretudo ante a ausência de procedimento prévio de apuração por outra instância colegiada, como a Câmara dos Deputados no caso de impeachments presidenciais. A ausência de previsão constitucional expressa não impede a fixação do sobredito entendimento, por força da vedação à proteção deficiente – e uma vez que a Constituição delegou à lei a regulamentação daquilo que ela mesma não dispusesse expressamente (art. 85, parágrafo único da CR/88) e a lei, como já dissemos, de 1950, possui amplos problemas de recepção constitucional.
Quanto à impossibilidade de o conteúdo de decisões judiciais servir de motivo para a suposta caracterização de crime de responsabilidade, nada mais acertado, principalmente ante as recentes tentativas frustradas de revitalização da malfadada revisão política das decisões do STF então existente na Carta autoritária de 1937 e os cotidianos discursos de aparelhamento político-ideológico do Tribunal com a indicação de integrantes afinados aos anseios dos governantes de ocasião.[18] Trata-se de evitar que o impeachment seja desvirtuado para tais fins, assegurando a autoridade das decisões judiciais e a força da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CR/88).
Há que se atentar para o fato de que a separação de poderes constitui uma pedra angular para a sustentação da democracia. A separação de poderes supõe determinadas estruturas institucionais constitucionalmente diferenciadas para os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Dentro de uma ordem constitucional democrática, a garantia de um Poder Judiciário independente constitui-se em um pressuposto para a garantia de direitos dos próprios cidadãos. Vale salientar, a independência do Poder Judiciário não significa apenas uma garantia para a própria estrutura do poder estatal, mas uma garantia aos indivíduos de que o exercício jurisdicional deverá ser vocacionado como instrumento contramajoritário – função contramajoritária que não age de acordo com variações de maiorias políticas ou da “voz das ruas”. Essa garantia, ligada à própria estrutura do Poder Judiciário, é ainda mais importante quando se está referindo a um órgão que exerce a atividade de guarda e defesa da Constituição, isto é, quando a própria Constituição atribuiu – não exclusivamente – ao Supremo Tribunal Federal a função de atuar como órgão máximo da jurisdição constitucional deve, ainda que não explicitamente, dotá-lo de mecanismos e garantias suficientes para que exerça tal mister de forma independente, de tal modo a assegurar sempre que o exercício dessa atividade seja realizado como forma de proteger minorias e garantir direitos fundamentais, ainda que contra a vontade política majoritária que é sempre circunstancial em uma democracia.
Nesse sentido, a decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes bem interpreta a questão da singularidade constitucional do impeachment dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Naturalmente, deve-se conferir uma interpretação constitucionalmente adequada da estrutura do impedimento no sentido de evitar que esse instituto seja utilizado em desacordo com a própria ordem constitucional. Portanto, interpretar esse instituto à luz das lentes democráticas e da normatividade constitucional pode conduzir à sua reestruturação de tal forma a evitar que seu uso seja realizado em total desvirtuamento com a Constituição de 1988, ou seja, sua reestruturação é uma forma de compatibilizá-lo com a ordem constitucional e seus princípios estruturantes.
O grande mérito da decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes nas ADPFs n. 1259 e n. 1260 foi o de resgatar a juridicidade do instituto do impeachment em face de facciosismos de toda sorte, em reforço à autonomia e à independência judicial, pilares das democracias constitucionais contemporâneas. É sempre bom lembrar: impeachment não é o “voto de desconfiança” previsto em sistemas parlamentaristas, muito menos referendo revocatório, ainda mais de Ministros do Supremo Tribunal.[19] Na verdade, a decisão do Min. Gilmar Mendes apenas reforça aquilo que já se supõe no instituto de uma forma geral, inclusive no que tange ao impedimento do Presidente da República: trata-se de uma responsabilização jurídica-política que exige, antes de mais nada, que as condutas praticadas pelas autoridades tenham adequação típica com os crimes de responsabilidade. Obviamente, pretender responsabilizar autoridade, principalmente jurisdicional, pelo exercício de sua própria atividade – como alguns que enxergam ser possível que ministros do STF sejam impedidos por suas interpretações dos casos concretos, repristinando os “crimes de hermenêutica” – é na verdade uma utilização constitucionalmente ilegítima do próprio impedimento. Torná-lo um instrumento que mais se assemelha a uma revocatória já é constitucionalmente inadmitido em casos de autoridades que se assentam na representatividade, quanto mais as autoridades jurisdicionais que têm forma de provimento constitucionalmente estruturada sobre outra lógica e determinadas garantias estabelecidas como princípios estruturantes para o exercício da sua função.
Diante disso, a decisão monocrática cautelar do min. Gilmar Mendes deve ser ratificada pelo pleno e constitui uma interpretação constitucionalmente adequada do processo de impedimento de ministros do STF diante de um Estado Democrático de Direito.
[1] Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG. Professor na UFMG. Bolsista de Produtividade do CNPq.
[2] Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
[3] Realizou estágio de pós-doutorado em Direito na UFMG, Doutor em Direito pela UFRJ e Mestre em Direito pela FDSM. Membro do OJB/FND e da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano.
[4] Doutor em Direito, professor da Unisinos/RS e Unesa/RJ.
[5] Professor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG. Mestre e Doutor em Direito Estágio Pós-doutoral com bolsa da CAPES na Università degli Studi di Roma III. Bolsista de Produtividade do CNPq (1D).
[6] O inteiro teor da decisão encontra-se disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-suspende-trechos-da-lei-de-impeachment-sobre-afastamento-de-ministros/. Acesso em: 04/12/2025.
[7] Ver: MS. n. 21.564. MS. n. 21.689, MS. n. 33.837, MS. n. 33.838, MS. n. 33.920, MS. n. 33.921, MS. n. 20.941, MS. n. 3.034, Ag.Rg. MS. 26.062, Rcl. n. 22.124, ADI. n. 1628 e ADPF. n. 378. Há até uma Súmula Vinculante a respeito dos crimes de responsabilidade: Súmula Vinculante n. 46. Em todos esses casos se percebe como a omissão do Congresso Nacional em atualizar a lei de crimes de responsabilidade traz prejuízos e incertezas. A lei de 1950 foi aprovada em um contexto totalmente diferente daquele desenhado pela Constituição de 1988 e a (in)compatibilidade daquela com esta é causa de grande insegurança jurídica e potencializa a instabilidade institucional. A ADPF. n. 378, entre todos os precedentes citados, havia sido, até então, o maior esforço hermenêutico do STF sobre a (não) recepção de várias partes da lei do impeachment, mas tratou apenas dos crimes de responsabilidade do Executivo: entre outras coisas declarou recepcionados pela CR/88 os arts. 19, 20 e 21 da Lei 1.079/50, interpretados conforme à Constituição, para que se entenda que as “diligências” e atividades ali previstas não se destinam a provar a improcedência da acusação, mas apenas a esclarecer a denúncia e declarou não recepcionados os arts. 22, caput, 2ª parte (que se inicia com a expressão “No caso contrário…”) e seus §§ 1º, 2º, 3º e 4º, que determinam dilação probatória e segunda deliberação na Câmara dos Deputados, partindo do pressuposto que caberia a tal casa pronunciar-se sobre o mérito da acusação. Deu interpretação conforme a Constituição do art. 24, a fim de declarar que, com o advento da CR/88, o recebimento da denúncia no processo de impeachment ocorre apenas após a decisão do Plenário do Senado Federal. Declarou não foram recepcionados os arts. 23, §§ 1º, 4º e 5º; 80, 1ª parte, e 81, porque estabelecem os papeis da Câmara e do Senado Federal de modo incompatível com a CR/88.
[8] AGÊNCIA SENADO. Senado reage à decisão que dificulta impeachment de ministros do STF. Senado Notícias, 03/12/2025. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/12/03/senado-reage-a-decisao-que-dificulta-impeachment-de-ministros-do-stf. Acesso em: 04/12/2025.
[9] CRUZ, Valdo. STF x Senado: Lei do Impeachment será atualizada por meio de PEC para evitar derrubada pelo Supremo. G1, 05/12/2025. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/blog/valdo-cruz/post/2025/12/05/stf-x-senado-lei-do-impeachment-sera-atualizada-por-meio-de-pec-para-evitar-derrubada-pelo-supremo.ghtml. Acesso em: 05/12/2025.
[10] GASPAR, Malu. Blindagens por canetadas de Gilmar e Toffoli são golpe do Supremo na democracia. O Globo, 04/12/2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/malu-gaspar/coluna/2025/12/blindagens-criadas-por-canetadas-de-gilmar-e-toffoli-sao-golpe-do-supremo-na-democracia.ghtml. Acesso em: 04/12/2025.
[11] CHUEIRI, Vera Karan de; GODOY, Miguel Gualano de. Processo de impeachment de ministro do Supremo: diagnóstico correto, terapêutica errada. Jota, 04/12/2025. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-de-impeachment-de-ministro-do-supremo-diagnostico-correto-terapeutica-errada. Acesso em: 04/12/2025.
[12] SUNSTEIN, Cass. Impeachment: a citizen’s guide. Haravard University Press: Cambridge, 2017, p. 53.
[13] Para uma recuperação da atuação do STF na ADPF n. 378, cf. BAHIA, Alexandre Melo Franco; BACHA E SILVA, Diogo; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Impeachment: apontamentos à decisão do STF na ADPF n. 378. In: BAHIA, Alexandre Melo Franco; BACHA E SILVA, Diogo; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (orgs.). O impeachment e o Supremo Tribunal Federal: história e teoria constitucional brasileira. 2. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, p. 79-96; MEGALI NETO, Almir. O impeachment de Dilma Rousseff perante o Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Expert, 2021, p. 249-329.
[14] Para a recuperação do entendimento da inexistência de inconstitucionalidade superveniente sob a Constituição de 1988, cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI. n. 2. Rel. Min. Paulo Brossard. Julgamento em: 06/02/1992. DJ: 21/11/1997.
[15] No sentido dado por Klaus Günther (The Sense of Appropriateness: application discourses in morality and law. Albany: SUNY Press, 1993).
[16] Nesse sentido, cf. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; BACHA E SILVA, Diogo Bacha. A tentativa do putsch bolsonarista: o 8 de janeiro de 2023 visto por uma teoria constitucional a serviço do Estado Democrático de Direito. Empório do Direito, 2023. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/a-tentativa-do-putsch-bolsonarista-o-08-de-janeiro-de-2023-visto-por-uma-teoria-constitucional-a-servico-do-estado-democratico-de-direito. Acesso em: 04/12/2025; STRECK, Lenio Luiz. As críticas de Gandra ao STF e a história do crocodilo debaixo da cama. Conjur, 01/12/2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-dez-01/senso-incomum-criticas-gandra-historia-crocodilo-debaixo-cama/. Acesso em: 04/12/2025. Ver também: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/10/05/alem-de-decisoes-monocraticas-senado-tem-pec-para-limitar-mandatos-no-stf; e: https://www.camara.leg.br/noticias/1101919-COMISSAO-DE-CONSTITUICAO-E-JUSTICA-APROVA-PROPOSTA-QUE-PERMITE-AO-CONGRESSO-SUSPENDER-DECISAO-DO-SUPREMO.
[17] JAY, John. Article 64. In. HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist Papers. New York: Oxford University Press, 2008, p. 320. Tradução livre de: “[…] and so far as the fear of punishment and disgrace can operate, that motive to good behavior is amply afforded by the article on the subject of impeachments”.
[18] BAHIA, Alexandre Melo Franco; MEGALI NETO, Almir; BACHA E SILVA, Diogo; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. A inconstitucionalidade da PEC 8/2021: o ataque institucional ao Supremo Tribunal Federal. Empório do Direito. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/a-inconstitucionalidade-da-pec-8-2021-o-ataque-institucional-ao-supremo-tribunal-federal. Acesso em 04/12/2025.
[19] STRECK, Lenio. A bem-vinda exigência de juridicidade no impeachment… Poder360, 05/12/2025. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/a-bem-vinda-exigencia-de-juridicidade-no-impeachment/. Acesso em: 05/12/2025. Ver também: BAHIA, Alexandre Melo Franco; SILVA, Diogo Bacha e; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Impeachment: apontamentos à decisão do STF na ADPF nº378. In: GUIMARÃES, Juarez; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; LIMA, Martonio Mont’alverne Barreto; ALBUQUERQUE, Newton de Menezes (orgs.). Risco e futuro da democracia brasileira: direito e política no brasil contemporâneo. SP: Fundação Perseu Abramo, 2016, p. 159-176. Disponível em; https://fpabramo.org.br/editora/livro/risco-e-futuro-da-democracia-brasileira/; e BAHIA, Alexandre Melo Franco; BACHA E SILVA, Diogo; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (orgs.). O impeachment e o Supremo Tribunal Federal: história e teoria constitucional brasileira. 2. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

