
CRÉDITOS: Divulgação
07-08-2025 às 10h15
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
O ser humano está perdendo o horizonte de um mundo com idealizações, sonhos e utopias. O que impera de modo evidente é a percepção de uma rudeza do cidadão do mundo. Há, por toda parte, ignorância daqueles que creem cegamente no que ouvem e têm um entendimento enviesado dos fatos, circunstâncias, quiçá, de acontecimentos históricos. O senso de razoabilidade se é que deveras existe, anda em falta.
Como diria René Descartes, em sua “Obra Discurso do Método: regras para a direção do espírito”, todos se acham donos da razão. Nas palavras do filósofo: “O bom senso é, das coisas do mundo, a mais bem dividida, pois cada qual julga estar tão bem dotado dele, que mesmo os mais difíceis de contentar-se em outras coisas não costumam desejar tê-lo mais do que já tem”. Ou seja, ninguém quer ter mais bom senso, todos já se acham plenos deste.
No que tange à utopia, Eduardo Galeano, dizia que a utilidade desta é nos fazer caminhar rumo a realização de nossos ideais, ainda que possamos nunca alcançar o objeto de desejo, esta caminhada é por demais valiosa, valorosa. Nas palavras do autor: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
Não obstante, o homem atua de modo cada vez menos prospectivo, humano ou solidário. A ganância se avoluma. Os discursos esvaziados estão por toda parte. As falas torpes ganham um espaço inimaginável. O sujeito oprimido cada vez mais é convencido pela lógica do opressor. Há afirmações categóricas esvaziadas por todos os lados.
Relativiza-se, sobremaneira, as desigualdades sociais. Não há horizonte de divisão real de riquezas. Poucos ou quase ninguém se propõe de verdade a partilhar. A degradação social está por toda parte e é naturalizada. A paisagem deslumbrante de luxos, riquezas, imponência e arranha céus nas metrópoles convive com uma pauperização enorme perceptível pelas ruas. A miséria foi naturalizada. Idealismos estão fora de moda. Há uma discrepância absurda.
A lógica do sistema do capital é que cada um que se conforme na sua vida como puder, conseguir. As conquistas, em regra, para as pessoas comuns são difíceis em demasia e, isto, serve ao escopo do sistema, pois leva o indivíduo a aceitar trabalhos exaustivos, por vezes, degradantes e a suportar humilhações, de modo a que ocupe certos espaços na sociedade sem questionamento do “status quo”.
Claro que, ser idealista, ter sonho, horizonte de realização de melhoria de vida não concede licença poética para colocar lupa em tudo. Não dá para se assumir de modo racional e inteligente um discurso de que quem não concorda conosco seja contra nós. A vivência diária pressupõe e demanda “jogo de cintura”, “nada é 100%”, tudo remete a um “horizonte de realização”. É preciso aglutinar, integrar o sonho a uma plausibilidade de realização. A vida se dá sempre no tempo presente, rigidez demais atrapalha, excessiva permissividade idem, tudo requer equilíbrio.
Talvez, a existência se faça sob o véu da ilusão, já que há uma série de fatores não perceptíveis, mas subjacentes. Há inúmeras camadas de subjetividade envolvidas na realidade. Se é que podemos dizer que algo é real ou totalmente conhecível.
O discurso do mérito, por exemplo, coloca o peso do fracasso pessoal nas costas do sujeito, sem levar em conta suas reais possibilidades, seu possível horizonte de realização. Assim, naturaliza-se uma realidade em que algumas pessoas estão marcadas para não sobreviver, ou para suportar circunstâncias de vida inimagináveis, de outro lado, outras foram marcadas desde o nascimento com privilégios.
Viver se faz numa corda bamba com equilíbrio tênue para todos. Ninguém escapa às circunstâncias e escolhas difíceis. A dor de viver, a angústia de não se saber de modo evidente o sentido da vida e sua duração são fatores angustiantes comuns. Porém, para uns a vida propicia tormento, dor, pobreza e penúria numa dose mais elevada do que para outros.
Obviamente, todos almejam prazer, diversão, alegria e todos suportam alguma dor ou dificuldade, pois não há caminho reto, livre de arestas. Há uma margem de escolha e cada ser a seu modo escolhe os preços que se dispõe a pagar, mediante o campo de experiência possível.
O ser humano em algum momento deve fazer-se as perguntas filosóficas fundamentais sobre: o sentido da vida, a prática das virtudes, o comportamento ético e probo. Se questionar sobre a carga de virtudes presente em suas ações cotidianas.
Dialogando, sujeitos percebem modos de ver e ler o mundo diferentes de seu próprio e, portanto, é enriquecedor trocar percepções, se deixar tocar por universos alheios, com experiências e horizontes próprios ao outro. Cada um tem seus afetos, predileções e é tocado por um horizonte utópico de imaginação peculiar.
Que o “estar bem” se faça presente na vida humana. Que sejamos capazes de rir de nós mesmos e que tenhamos escuta ativa, atenção ao outro, humanidade e benevolência para com as dores do mundo com capacidade de empatia. Que possamos sorrir com os olhos, cultivar conexões do bem, buscar redes de apoio, pessoas com quem seja agradável conviver, conversar e comemorar as conquistas.
Que o indivíduo tenha âncoras emocionais, sejam estas quais forem. As distrações psicológicas, por vezes, blindam das dores do viver.
Também, não menos importante, é saber discernir sobre os próprios limites, pois cada um sabe o que tolera bem ou não.
Por outro lado, sonhar e usar as dificuldades para catapultar para frente é elemento de sobrevivência. A vida é mesmo uma maratona.
Determinar-se a realizar o que o faz feliz, lutar, tirar proveito da própria trajetória são elementos essenciais, assim como ter um senso de praticidade aplicado. Problemas requerem soluções, aprender não só com a própria trajetória, mas observando erros e acertos alheios e, desta feita, tentar não cair nas mesmas já conhecidas armadilhas. Entregar os resultados almejados, ter senso de praticidade, não adianta chorar e lastimar. Vida é movimento, luta, um seguir adiante constante.
O horizonte do sujeito, depende de onde este se situa, o homem vê e percebe o mundo a partir de sua realidade. Causas e efeitos, porém, são inescapáveis. Uma regra de ouro é: plantar, colher e desfrutar. Dentro do ser é preciso que haja, concomitantemente, a formiga e a cigarra, ou seja, o que planta, colhe e desfruta.
Que não nos permitamos o embrutecimento. E sim, ambicionemos brandura, serenidade e esperança. Afinal, a vida é salto de fé, sonho e horizonte de utopia imiscuídos em parcela de racionalidade. Os grandes prazeres devem ser buscados nas coisas do espírito, não somente nos estímulos do corpo. A sensação de unidade com o universo exige um modular do olhar, o que não é simples ou facilmente acessível.
A vida se externaliza no resultado obtido entre o desenho projetado e o que se alcança, ou seja, potencialidade utópica diante das condições na práxis esboçadas e vivenciadas. O projeto se desenvolve mediante circunstâncias, com ajustes e arestas a aparar.
Viver é curso, curvas e mudanças. Quem não apreende e recolhe aprendizados ao longo da trajetória tende a repetir os mesmos erros indefinidamente. O homem “não o é” em definitivo, é preciso que assuma a potencialidade do “tornar-se”.
Mãos à obra, é fim de férias, que a confluência dos astros nos ajude. Permita-se sonhar e caminhe rumo ao realizar sem perder seu peculiar horizonte de utopias!
*Doutora, Mestra e Especialista em Direito pela UFMG. Residente Pós-doutoral pelo PPGD / UFMG com financiamento público da FAPEMIG. Professora convidada no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Autodidata na arte da pintura e da vida.