
É engraçado, hoje, na praça, na mesma praça de sempre, ver o Osvaldinho brincando com os netos. CRÉDITOS: Freepik/ilustração
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24-03-2025 às 09h38
Henrique German*
A tarde avançada, bem entrada em horas, quando o ocaso começava já a pintar as primeiras sombras densas no céu de inverno, as quais, dali a pouco, viriam a tornar-se noite fechada, sobre a praça Negrão de Lima.
A praça, reduto muito conhecido da Floresta, palco de reuniões de parte da juventude pretensamente transviada de então, em Belo Horizonte, via-se invadida, vez que outra, pela turma do Osvaldinho, figura que despontava, naquelas priscas eras, como percevejo constante na velha Lalka, da avenida do Contorno, e no Bar Trasmontano, no mesmo logradouro.
Não que o Osvaldinho não frequentasse outros botecos e afins, sempre na mesma conhecida região, que tomava como território próprio, todo seu, inclusive, estendendo-o a Santa Teresa, nas corridas de carro ou de moto, que disputava, regularmente, nas madrugadas das ruas Jacuí, Pouso Alegre, Salinas e Mármore, dentre outras. Às vezes, atrevido que só, ele ainda rumava ao alto do Colégio Batista, penetrando em terreno inimigo, só pelo prazer de provocar e brigar com os meninos do lugar, especialmente os das ruas Ubá e Varginha. Nunca se soube bem o porquê daquela estranha predileção.
O fato é que o Osvaldinho era, por um lado, digamos, rebelde e audacioso, por outro, era simpático, gentil e muito engraçado, sempre animadíssimo, não tendo poucos amigos na Floresta e adjacências e, ainda, vários outros vindos de longe, como eu mesmo, que vivia, naquele tempo, no Gutierrez.
Calhou que eu namorava, na ocasião, uma irmã do Osvaldinho, a Viviane, rainha das coxas da rua Curvelo, o que me dava uma condição favorável e tranquila de frequência privilegiada àquela zona, por assim dizer, na qualidade de cunhado do famoso rapaz.
Voltemos, agora, ao fim de tarde na praça Negrão de Lima, onde se espalhavam, aqui e ali, nas beiradas dos jardins, alguns frequentadores da época, como o Alcides, vulgo Cidão, ou Cidinho, dependendo de quem o chamasse, o Naldinho, filho do barbeiro, o Duza, a Duda, a Nininha, o Túlio, o Marconi, o Ulisses, o Osvaldinho, eu e a Viviane.
Já estava bastante escuro quando, sentado à minha frente, Osvaldinho notou a aproximação casual de uma viatura da Polícia Militar, ainda nas cores antigas, ou seja, cinza e branco, uma das últimas Veraneios em uso, quase aposentada. O carro, que vinha devagar, em marcha lenta, no penoso e tedioso labor das rondas, reduziu ainda mais a velocidade, quase parando, ao circular a praça, olhando-nos com atenção.
De repente, sem aviso prévio, Osvaldinho meteu a mão no bolso da calça Lee, olhou para mim e para a irmã e disse, acendendo um explosivo, então conhecido como cabeça de negro:
— Corram!
Ficamos atônitos, eu e Viviane, sem entender bem o que ocorria, ou melhor, o que estava prestes a acontecer. Osvaldinho, de um salto, pôs-se de pé e foi em direção da viatura, com o artefato na mão. A poucos metros de distância do automóvel oficial, ele atirou para dentro dele, através de uma das janelas abertas, a máquina infernal, a qual explodiu, lindamente, com um estrondo de trovão.
A viatura fez alto de pronto, as quatro portas se abriram de chofre e brotaram, no chão da praça, quatro árvores novas, fortes, fardadas, com longos galhos de pau nas mãos. Corri, no início, de mãos dadas com a Viviane, em direção à rua Curvelo, porém ela não corria tão depressa, o que me fez deixar o cavalheirismo de lado e largá-la para trás. O medo, naquele momento, venceu a nobreza do meu pobre caráter.
Mais tarde, seguro em casa, vim a saber que o Alcides e o Marconi haviam pagado o pato pelos demais, ficando com os respectivos lombos marcados a cassetete. É a vida: os justos sofrem pelos pecadores…
Eu dera sorte, porque, enquanto corria pela avenida do Contorno, sem olhar para trás, sem respirar, todo pernas e suor, conseguira embarcar no velho e bom Circular Um, que, meia hora depois, me colocaria a salvo, bem em frente ao Colégio Municipal, já pertinho de casa.
Fiquei um bom tempo sem voltar à praça Negrão de Lima, após o incidente, contudo Viviane me perdoou a covardia, compreendendo que eu não nascera com a fibra do pessoal da Floresta.
É engraçado, hoje, na praça, na mesma praça de sempre, ver o Osvaldinho brincando com os netos.
* Henrique German é escritor