
Universidade de Barcelona, Gran Via de les Cortes Catalans, cidade de Barcelona, Espanha: Créditos: Divulgação (Freepik)
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22-03-2025 às 07h47
Rodrigo Marzano Antunes Miranda
No dia 19 de março de 2025, tive a honra de defender minha tese de doutorado na prestigiosa Universidade de Barcelona, intitulada “Macrofilosofia da Coesão e Teleologia da paz: Sobre o Conceito de Coesão Econômica, Territorial e Social na União Europeia”. Esta pesquisa, fruto de anos de estudo e reflexão, busca lançar uma nova luz sobre o conceito de coesão na União Europeia (UE) e sua relação fundamental com a construção da paz.
Em um mundo cada vez mais interconectado, interdependente e complexo, a busca pela paz tornou-se não apenas um ideal abstrato, mas uma necessidade urgente para a sobrevivência e prosperidade da humanidade. A União Europeia, nascida das cinzas de duas guerras mundiais devastadoras, tem sido um farol de esperança nessa busca. No entanto, minha pesquisa revela que, para que a UE possa cumprir plenamente seu potencial como promotora da paz, é necessário repensar e expandir profundamente o conceito de coesão que está no cerne de sua existência.
Tradicionalmente, a coesão na UE tem sido entendida principalmente em termos econômicos, focando na redução de disparidades entre regiões e Estados-membros. Embora essa abordagem tenha trazido benefícios inegáveis, minha tese argumenta que ela é insuficiente para enfrentar os desafios complexos do século XXI. É crucial elevar o conceito de coesão de uma mera questão econômica para um princípio ético-filosófico abrangente que permeie todas as esferas da sociedade europeia.
Para chegar a essa conclusão, adotei uma abordagem macrofilosófica, que me permitiu costurar insights de diversas disciplinas, desde a filosofia clássica até as teorias contemporâneas de integração europeia. Essa perspectiva ampla nos permite traçar uma linha evolutiva fascinante do pensamento sobre a paz, desde os escritos de Platão e Aristóteles, passando por pensadores medievais como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, até chegarmos a filósofos modernos como Kant, Hegel e Carl Schmitt.
Um dos aspectos mais reveladores desta jornada intelectual foi a constatação de como o conceito de paz evoluiu ao longo dos séculos. Se para os antigos a paz era muitas vezes vista como mera ausência de guerra, hoje entendemos que ela engloba muito mais: justiça social, igualdade de oportunidades, respeito aos direitos humanos e harmonia com o meio ambiente. Esta compreensão mais rica e nuançada da paz exige, por sua vez, uma concepção igualmente abrangente de coesão.
Minha análise da construção e positivação da paz no âmbito da UE revelou que, embora a coesão seja um conceito fundamental para o projeto europeu, sua implementação tem sido predominantemente limitada ao domínio econômico. Esta limitação, argumento, impede que a coesão se torne um mecanismo verdadeiramente efetivo para a promoção da paz e da convivência harmoniosa entre os povos e nações da Europa.
A ênfase excessiva nos aspectos econômicos da coesão, embora importante para reduzir disparidades regionais e promover o desenvolvimento, não aborda adequadamente as dimensões culturais, sociais e políticas necessárias para uma paz sustentável. Consequentemente, esta abordagem restrita pode inadvertidamente perpetuar tensões e desequilíbrios que minam os esforços de construção da paz a longo prazo.
Para superar essa limitação, proponho que expandamos o conceito de coesão para abranger aspectos como identidade cultural compartilhada, valores democráticos comuns e um senso de responsabilidade coletiva pelo bem-estar de todos os cidadãos europeus. Esta nova concepção de coesão deve ser fundamentada em princípios universais de dignidade humana, igualdade e respeito mútuo, ao mesmo tempo em que reconhece e celebra a diversidade cultural que enriquece o tecido social europeu.
A busca pela paz no mundo exige uma nova ética baseada na justiça, na compaixão e na responsabilidade individual e coletiva. Esta ética deve transcender as fronteiras nacionais e as diferenças culturais, reconhecendo a interdependência fundamental de todas as pessoas e nações em um mundo globalizado. No contexto específico da UE, isso significa que a coesão precisa ser elevada a um plano ético-filosófico, transformando-se de um mero instrumento de equalização econômica em um princípio orientador para todas as políticas e ações da União.
Minha pesquisa identificou oito pontos cruciais para a construção da paz, que merecem ser explorados em detalhes. Primeiramente, reconhecemos que a paz exige muito mais do que a mera ausência de conflitos armados; ela requer o estabelecimento e a manutenção de relações justas e harmoniosas entre os seres humanos e com o planeta que habitamos. Isso implica em uma abordagem holística que considere não apenas as relações interpessoais e internacionais, mas também nossa relação com o meio ambiente e os recursos naturais.
Em segundo lugar, observamos criticamente que a cultura dominante, frequentemente focada em ganância e poder, é fundamentalmente incapaz de promover a paz verdadeira e duradoura. Esta constatação nos leva a questionar os valores subjacentes às nossas estruturas sociais e econômicas e a buscar alternativas mais alinhadas com os princípios de paz e justiça.
O terceiro ponto crucial de nossa análise reafirma que a coesão na UE, atualmente focada principalmente em aspectos econômicos, é insuficiente para garantir a paz duradoura que almejamos. Esta limitação destaca a necessidade urgente de uma abordagem mais abrangente e multidimensional da coesão.
Em quarto lugar, argumentamos que a verdadeira coesão deve se basear em um conjunto de valores compartilhados, incluindo, mas não se limitando à democracia, ao Estado de Direito e à justiça social. Estes valores formam a base de uma identidade europeia comum que transcende as fronteiras nacionais e culturais.
O quinto ponto de nossa análise sugere que a Declaração Universal dos Direitos Humanos pode e deve servir como uma bússola moral e ética para a construção de um ethos europeu genuíno e inclusivo. Este documento fundamental oferece um conjunto de princípios universais que podem guiar as políticas e ações da UE em sua busca pela paz e coesão.
Em sexto lugar, destacamos a relevância da macrofilosofia, com sua ênfase em ética universal, diálogo intercultural e responsabilidade global, como um arcabouço teórico valioso para a construção da paz. Esta abordagem nos permite integrar conhecimentos de diversas disciplinas e tradições filosóficas, enriquecendo nossa compreensão dos desafios complexos que enfrentamos.
O sétimo ponto de nossa análise reconhece a importância das reflexões contemporâneas sobre sociedade, comunicação e tecnologia para a busca por paz e convivência harmoniosa. Essas reflexões nos ajudam a compreender as dinâmicas em constante mudança de nosso mundo interconectado e a desenvolver estratégias eficazes para promover a paz em uma era digital.
Por fim, o oitavo ponto enfatiza que a UE deve se posicionar como um ator global independente, dedicado à promoção da paz através da cooperação e do diálogo, em vez de se alinhar incondicionalmente com blocos de poder existentes. Esta postura independente permitirá que a UE exerça uma influência positiva e construtiva nos assuntos globais, contribuindo para um mundo mais pacífico e justo.
Minha tese argumenta veementemente que a coesão europeia precisa urgentemente transcender a dimensão puramente econômica e abraçar um conjunto mais amplo de valores universais para alcançar a paz duradoura que todos desejamos. Esta transformação requer um compromisso renovado com os princípios fundamentais que inspiraram a criação da UE, adaptados às realidades e desafios do século XXI.
A União Europeia deve se consolidar não apenas como uma entidade econômica e política, mas como uma verdadeira comunidade de valores, guiada por uma ética robusta, um compromisso inabalável com a justiça e um respeito incondicional à dignidade inerente a cada ser humano. Somente através desta abordagem holística e fundamentada em princípios éticos sólidos, a organização poderá cumprir plenamente sua promessa de proporcionar um futuro verdadeiramente próspero, harmonioso e pacífico para todos os seus cidadãos e servir como um farol de esperança e inspiração para o resto do mundo.
A obtenção do título de doutor, embora seja um marco significativo na jornada acadêmica, deve ser acompanhada de uma profunda consciência da complexidade e vastidão do conhecimento humano. Como Hegel sabiamente observou, cada indivíduo é filho de seu tempo, e a filosofia – assim como qualquer área do conhecimento – é uma tentativa de compreender e sintetizar as verdades de sua época. Neste sentido, o novo doutor deve reconhecer que sua tese, por mais inovadora e bem fundamentada que seja, é apenas uma pequena contribuição para um diálogo muito maior e contínuo sobre a verdade e o conhecimento.
A busca pela paz, como destacada tanto na passagem bíblica quanto nas conclusões do Dr. Rodrigo Marzano Antunes Miranda, é um empreendimento que requer não apenas conhecimento acadêmico, mas também uma dose significativa de humildade e abertura para o aprendizado contínuo. A paz, seja como ideal filosófico ou como objetivo prático, é um conceito em constante evolução, influenciado pelas mudanças sociais, políticas e culturais de cada época. Portanto, um novo doutor deve estar preparado para continuamente questionar, refinar e, se necessário, revisar suas conclusões à luz de novas evidências e perspectivas.
A proposta de transcender a dimensão econômica da coesão europeia e abraçar valores universais para alcançar uma paz duradoura é um objetivo nobre e ambicioso. No entanto, um novo doutor deve permanecer humilde diante da magnitude deste desafio. A transformação da União Europeia em uma verdadeira comunidade de valores, guiada pela ética, justiça e respeito à dignidade humana, é um processo complexo e de longo prazo que requer não apenas conhecimento teórico, mas também sabedoria prática, empatia e a capacidade de navegar por diferentes perspectivas culturais e políticas. Neste contexto, a humildade não é apenas uma virtude, mas uma necessidade prática para qualquer acadêmico que aspire contribuir significativamente para a construção de um futuro de paz.
Este é o caminho para um futuro de paz genuína e duradoura, não apenas para a Europa, mas potencialmente para toda a humanidade. A jornada será longa e desafiadora, mas é uma jornada que devemos empreender com determinação, coragem e uma visão clara de um mundo melhor que está ao nosso alcance se tivermos a sabedoria e a vontade de persegui-lo incansavelmente.
Ao concluir esta defesa, gostaria de expressar minha profunda gratidão ao meu diretor e tutor, o Exmo. Prof. Dr. Gonçal Mayos da Universidade de Barcelona, e ao meu codiretor, o falecido Exmo. Prof. Dr. Ricardo Henrique Carvalho Salgado da UFMG, cuja orientação e apoio foram inestimáveis ao longo desta jornada acadêmica. Suas contribuições para o campo da filosofia e dos direitos humanos continuarão a inspirar gerações de pesquisadores.
É minha sincera esperança que esta pesquisa possa contribuir para um diálogo mais amplo sobre o futuro da União Europeia e seu papel na promoção da paz global. Que ela inspire não apenas acadêmicos e formuladores de políticas, mas todos os cidadãos comprometidos com a construção de um mundo mais justo, coeso e pacífico. Pois, em última análise, a paz não é apenas responsabilidade de governos ou instituições, mas um compromisso que cada um de nós deve assumir em nossas vidas diárias.
O caminho à frente é desafiador, mas repleto de possibilidades. Com uma compreensão mais profunda e abrangente da coesão, podemos transformar a União Europeia em um verdadeiro catalisador para a paz global. Este é o legado que devemos deixar para as gerações futuras – um mundo onde a coesão, em seu sentido mais amplo e profundo, seja a base sobre a qual construímos uma paz duradoura e uma prosperidade compartilhada por todos.
(*) Rodrigo Marzano Antunes Miranda é doutor em Cidadania e Cidadania, Direitos Humanos, Ética e Política da Faculdade de Filosofia, da Universitat de Barcelona, (UB 2025), mestre em Direito pela UFMG (2019), especializado em Formação Política (lato sensu) PUC-RJ (2007), Graduado em Filosofia (bacharel licenciado) PUC-MG (2005). Membro de grupos de pesquisa: o Grupo de Pesquisa dos Seminários Hegelianos (UFMG), Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos Raul Soares (UFMG) e o Grupo internacional de Pesquisa em Cultura, História e EstBado (UFMG-UB). Sócio efetivo colaborador da Sociedade Hegel Brasileira. Membro da SOAMAR-MG – Sociedade dos Amigos da Marinha em Minas Gerais. EAssessor do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara. Cf. http://lattes.cnpq.br/8767343237031091. E-mail: agendamarzano@gmail.com.