
Vietnã da modernidade hoje - créditos: Linkedin
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04-05-2025 às 08h08
Claudio Siqueira (*)
Em 30 de abril de 2025, celebramos os 50 anos da vitória do Vietnã sobre os Estados Unidos. Após décadas de colonização francesa e de uma guerra arrastada por independência, o Vietnã tornou-se o chão onde um povo subjugado se ergueu contra o maior império bélico do século passado.
De 1965 a 1973, o confronto entre o norte do Vietnã e os interesses estadunidenses culminou na queda de Saigon — um colapso militar para os invasores e um triunfo simbólico para o Sul Global.
Foi a vitória de um povo inteiro dizendo “não” ao domínio estrangeiro. A resistência vietnamita marcou a história do Vietnã e de todos que acreditam na autodeterminação. O Vietnã não foi exceção, desde então. Um aviso para quem insiste em exportar suas vontades sob a máscara da liberdade.
A imagem vendida pelos Estados Unidos — a de defensores da democracia — ruiu com a retirada humilhante. O Vietnã era a continuação de uma luta anticolonial, iniciada contra a França e estendida contra os novos senhores. Ao bancar o governo do Vietnã do Sul, os EUA ignoraram a vontade popular por unificação.
O povo respondeu com resistência organizada, e o resultado veio em 1975: retirada estadunidense, unificação do país, e um legado que os tanques não puderam apagar. A destruição deixada pelos bombardeios, o uso do napalm e do Agente Laranja seguem vivos: mais de 4 milhões de vietnamitas foram expostos, com sequelas que atravessam gerações — cânceres, má-formações, contaminação de solo e água. Não foi guerra. Foi projeto de genocídio.
O Afeganistão viveu um roteiro parecido. De 2001 a 2021, os EUA ocuparam o país sob o pretexto de combater o terror. Duas décadas depois, saíram derrotados, deixando para trás milhares de mortos civis, deslocamentos forçados e uma crise humanitária profunda. O Talibã voltou ao poder. O império, mais uma vez, fracassou. Impôs sua presença, mas não sua legitimidade. Tentou vender democracia com mísseis — e comprou desconfiança.
Na Coreia, a divisão imposta em 1953 ainda sangra. A presença permanente de tropas estadunidenses na Coreia do Sul — dezenas de milhares de soldados — mantém viva a tensão. A guerra nunca terminou, só congelou. A unificação foi impedida não por desinteresse coreano, mas por um tabuleiro geopolítico onde o povo local nunca foi peça principal. A sombra da Guerra Fria ainda projeta fardas e fronteiras.
O Iraque, em 2003, marcou o início de outro desastre. Armas de destruição em massa que nunca existiram serviram de desculpa para uma invasão que derrubou Saddam Hussein e instaurou o caos. A ocupação gerou insurgências, multiplicou mortes, criou o Estado Islâmico, destruiu infraestrutura, e desfigurou um país inteiro.
O que se prometeu como libertação virou ruína. A vitória militar — de novo — não trouxe nem paz, nem dignidade.
Somália, Líbia, Síria… o padrão se repete: entra-se com o discurso da ajuda, sai-se com os escombros da soberania alheia. Missões que começam humanitárias (?) terminam em tragédia. O caso “Black Hawk Down” na Somália sintetiza a lógica: um império que se assusta com a própria impotência e recua. As intervenções são muitas, as soluções são nenhuma.
À lista se soma o apoio militar, diplomático e financeiro incondicional dos Estados Unidos ao Estado de Israel, mesmo diante do genocídio em andamento contra o povo palestino. O massacre em Gaza, os bombardeios a campos de refugiados, os cortes de ajuda humanitária e a destruição sistemática da infraestrutura civil evidenciam mais uma vez a incapacidade dos EUA de se posicionar ao lado da justiça. Em vez de mediar a paz, escolhem armar o opressor. Em vez de respeitar o direito internacional, impõem o silêncio.
Não foram só duas guerras perdidas. Foram dezenas de fracassos, cada vez que se tentou impor um modelo, uma ordem, um interesse. Onde a autodeterminação foi ignorada, onde o povo foi deixado de lado, ali nasceu a derrota. O Vietnã ensinou isso, mas parece que ninguém em Washington quis ouvir.
O saldo disso tudo é um mundo em cacos — mas um mundo que começa a se juntar pelos cantos. Blocos regionais se formam. Movimentos populares se erguem. A luta por soberania encontra novas formas: em idiomas indígenas, em moedas locais, em acordos entre iguais. O que era exceção, como o Vietnã, agora vira exemplo.
(*) Claudio Siqueira é jornalista em Foz do Iguaçu
Fontes:
BBC Brasil – [https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56927986]
The Guardian – [https://www.theguardian.com/world/vietnam-war]
Al Jazeera – [https://www.aljazeera.com/news/2023/4/30/vietnam-war-us-withdrawal-legacy]
DW – [https://www.dw.com/pt-br/50-anos-da-queda-de-saigon/a-57431038](
National Geographic – [https://www.nationalgeographic.com/history/article/vietnam-war-overview]
“A opinião de nossos colunistas, cronista e comentaristas não reflete, necessariamente a opinião do jornal Diário de Minas”